quarta-feira, 11 de junho de 2014

A Argentina e a crise do presidencialismo Rafael Brasil - 23.02.2002

OPINIÃO

A Argentina e a crise do presidencialismo
Rafael Brasil

Imaginem este cenário: presidente fraco, sem a maioria no Congresso Nacional. Crise econômica cavalar, com desempregados saqueando lojas e supermercados. Corrida aos bancos. Moratória. Ou seja, crise econômica, política e social. Qual a saída? Renúncia ou golpe. Agitação nas ruas e nas bolsas. Finalmente o presidente renuncia, assumindo o vácuo do poder a maioria oposicionista. Reuniões intermináveis no congresso para garantir a vacância do poder, pois o vice também renunciara. Este foi o retrato da crise Argentina, que ainda não acabou. Talvez ainda seja apenas o começo. Vejam como o sistema presidencialista é complicado em relação a alternância do poder, sobretudo nos momentos de crise.

No Brasil, vimos o suicídio de Vargas, a renúncia de Jânio e a deposição de Jango, além de termos aguentado estoicamente os cinco anos de Sarney. Com 20 anos de ditadura no meio, não esqueçamos disso. Por essas e outras coisas, faz-se necessário que o sistema presidencialista seja devidamente repensado, não só no Brasil, mas em toda a América Latina, terra dos golpes e quarteladas, durante todo o século XX. Ou não? Afinal, o sistema parlamentarista reina em toda Europa, que goza de estupenda estabilidade política há pelo menos 50 anos.
É claro que na Europa os problemas econômicos foram devidamente solucionados por um capitalismo forte, e com estados que protegem os cidadãos, com ótimos sistemas educacionais, de saúde e de previdência. Mas, governos que não dão certo devem ser substituídos rapidamente, não? Pois o sistema parlamentarista é sabidamente muito flexível nessa importante questão. Se o governo está ruim, desmancha-se o gabinete (o governo) e convoca-se novas eleições. O partido ou coalizão vencedora assume o governo. Se fizer besteiras, cai novamente, e assim sucessivamente.
Lembram da Itália? Dizia-se que quase toda semana mudava o governo, e a Itália está aí, mais forte do que nunca, e com uma das economias mais fortes da Europa, não? Economia forte, e sobretudo, uma excelente qualidade de vida do seu povo.
Nossos ditadores riam da dança de primeiros ministros na Itália nos anos 60, mas qual foi o país que nos deixaram? E ainda por cima nos enganaram com propagandas falsas, censura, assassinatos e toda sorte de restrições políticas. Como diria o velho Paulo Francis, ditadura é sobretudo uma coisa extremamente chata. Um bando de idiotas e apaniguados a ditar regras à Nação.
Assim, é preciso repensar a nossa suposta "tradição" presidencialista, e encararmos a questão parlamentarista. Claro, nosso parlamento é forte, e sem ele nenhum presidente governa, como bem frisa o presidente Fernando Henrique Cardoso. Evidentemente, o parlamentarismo teria de vir acompanhado de inúmeras reformas na estrutura política, com o consequente fortalecimento dos partidos, e também do judiciário. Em outras palavras, uma verdadeira revolução em nossas instituições, o que é, convenhamos, muito difícil. Sobretudo, porque os nossos políticos não querem, pois acima dos partidos, das ideologias, sobrevém os interesses pessoais, ou mesmo regionais. Estarei errado?
Enquanto o parlamentarismo não vem, ficamos torcendo para que as crises não se avolumem, ao ponto de suscitar rupturas autoritárias, como tem acontecido no passado. Este filme, estamos vendo agora, está se repetindo na Argentina. Nade impede que não se repetirá aqui, num momento de grave crise. Saravá, isto não aconteça, pois já tivemos uma amarga experiência com Collor, de triste memória. Vade retro santanás!

Rafael Brasil Filho é bacharel em História pela Unicap e professor do Estado e da Faculdade de Formação de Professores de Garanhuns.

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