sexta-feira, 25 de abril de 2014

Por que a China está mudando? - LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS VALOR ECONÔMICO - 25/09/04


Por que a China está mudando? - LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

VALOR ECONÔMICO - 25/09/04

O mercado consumidor atingiu uma dimensão expressiva nos últimos anos em função da dimensão dessa nova classe social.


A resposta mais simples - e correta - que tenho a esta questão é a seguinte: porque está na hora de fazê-lo! Para entender esta resposta é preciso olhar para a economia chinesa como um sistema que passa por um processo de mudanças há mais de 30 anos. Seguir o padrão da maioria dos analistas, que procuram avaliar a China utilizando-se da métrica tradicional aplicada às economias emergentes, é namorar o erro.

O modelo chinês de desenvolvimento foi desenhado, em sua primeira versão, ainda nos anos oitenta do século passado, depois que a experiência desastrosa da Revolução Cultural colocou a economia de joelhos. A fonte de inspiração para os primeiros passos da grande reforma liderada por Deng Xiaoping foi o colapso do modelo soviético e sua estrutura de gastos baseada na indústria pesada e militar.

Deng entendeu que para manter a paz social de longo prazo, em uma sociedade complexa como a chinesa, era preciso criar umaindústria voltada para a satisfação de demandas do cidadão.

Mas enfrentou desde o início a armadilha da escassez de capital pois quase todo o estoque, nas mãos do Estado, estava imobilizado em mastodontes improdutivos e em instalações militares. O governo de Pequim buscou um caminho próprio para vencer este enorme obstáculo, diferente do prescrito por economistas americanos quando o governo Ieltsin iniciou a democratização da União Soviética. Aproveitando-se da enorme poupança extraída da sociedade, o governo passou a dirigir os investimentos públicos para construir uma infraestrutura econômica que facilitasse o desenvolvimento da indústria de bens e permitisse ganhos de produtividade no setor industrial não militar. Por muitos anos o crescimento chinês direcionou este esforço para a criação de um estoque de capital nas mãos das grandes SOEs, a versão chinesa de nossas estatais getulianas.

Quando a base industrial atingiu certa musculatura e eficiência, uma segunda etapa iniciou- se com foco na exportação de produtos industriais de qualidade ainda pobre, mas de baixo preço. O sucesso desta etapa deveu- se principalmente: ao valor muito baixo dos salários, ao grande esforço físico dos trabalhadores quando comparados ao de seus concorrentes, à taxa de câmbio extremamente desvalorizada e ao crédito bancário a baixos juros e muito farto. Podemos citar ainda o fato de que questões ambientais não impunham restrições ou custos adicionais de produção às empresas, a exemplo de outros países como o Brasil.

Foram os anosemque a conjugação de pesados investimentos em infraestrutura - inclusive no setor de habitações - permitiu que a economia crescesse a taxas acima dos dois dígitos. Os principais resultados dessa fase foram o aumento da renda de quase metade da população chinesa e a acumulação impressionante de reservas externas.

Esse modelo de grandes obras de infraestrutura e exportações de produtos baratos começou a perder sua força na virada do século XX e uma nova etapa passou a ser definida. A China tinha acumulado, nos anos de elevado crescimento, novos ativos econômicos que poderiam ser agora usados como alavanca no lugar das que perdiam eficiência. O mais importante foi a incorporação de pelo menos 400 milhões de pessoas à economia de mercado, com uma renda média acima de US$ 5.000 anuais. Com isto, além de gastos com consumo em bens e serviços, essa nova classe social acumulava poupança pessoal para enfrentar dias mais difíceis, como era a tradição desse sofrido povo. Com isso, junto com a poupança das empresas públicas, criou-se, fora do rígido controle do Governo Central, outro estoque de poupança de dimensão significativa. Assim ganhou- se uma liberdade de decisões maior, com efeitos positivos sobre ganhos de produtividade dos investimentos.

Em 2013 a participação do consumo no PIB chegou a 49% e deve continuar a aumentar no restante da década. Estava vencido o grande desafio de uma economia pobre e estatal, como era a chinesa da época de Mao, que é o de se criar um estoque de demanda fora do Estado para sustentar o crescimento econômico do país.

Nesse contexto macro econômico é que aparece um novo instrumento poderoso de desenvol- Adesigualdade de renda vem recebendo muita atenção ultimamente, em especial em duas arenas onde costumava receber pouca: o debate público nos Estados Unidos e o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Um motivo importante é a preocupação nos Estados Unidos de que a desigualdade de renda tenha voltado aos extremos da "Era Dourada"; mas a iniquidade também aumentou em várias outras partes do mundo e continua elevada na América Latina.

O que aprendemos até agora? O mais interessante nessa discussão é que boa parte da atenção esteve voltada para as consequências da desigualdade além de seu efeito sobre o bem-estar dos mais pobres.

Uma das linhas de debate começa com a hipótese de que a desigualdade é ruim para o crescimento econômico como um todo.

Outra começa com o ponto de vista de que a desigualdade leva à volatilidade e instabilidade.

Foi a desigualdade que causou, por exemplo, a crise das hipotecas de baixa qualidade em 2007 e, portanto, a crise financeira mundial de 2008? Uma terceira proposição é a de que a iniquidade se traduz em inveja e infelicidade: alguém que seria feliz com determinada renda torna-se infeliz se descobre que outros recebem mais. Uma versão dessa linha sustenta que altos executivos exigem e recebem remunerações extravagantes porque concorrem entre si por status.

Uma quarta linha trata de uma preocupação que parece sobrepujar as três primeiras. É o medo de que, como há tanto dinheiro na política, os ricos consigam persuadir os governos a adotarem políticas que os favoreçam como classe.

Enquanto as fontes de preocupação nas três primeiras são passíveis de autocorreção, pelo menos em democracias, a concentração de poder político e econômico em oligarquias pode autoalimentar- se. Nos EUA, decisões recentes da Suprema Corte sobre contribuições de campanha sugerem que a influência do dinheiro na política só vai crescer.

Seguir o argumento antioligarquia, no entanto, não é a melhor forma de reduzir a desigualdade.

Em vez disso, deveríamos trabalhar a partir da premissa de que a pobreza, em particular, e a desigualdade, em geral, são simplesmente indesejadas. Mesmo vimento: a dimensão do mercado interno em uma economia globalizada.

Para setores industriais do mundo desenvolvido, que trabalham com os chamados produtos globais, estar presente no mercado chinês passou a ser questão de sobrevivência. Em uma indústria na qual o desenvolvimento dos produtos exige grande alocação de capital, a dimensão de seus negócios é absolutamente crucial para a criação de condições mínimas de competitividade. O exemplo da indústria automobilística é o mais representativo dessa nova situação. Estar fora do mercado chinês de carros e caminhões nos próximos anos é quase que certamente a assinatura da sentença de morte de uma empresa internacional do setor.

Vamos viver nos próximos anos uma nova rodada do processo de globalização, tendo agora a China como elemento determinante de sua dinâmica. É preciso estar atento para esse fenômeno.

Uma leitura importante para quem quer aprofundar essa questão é o livro escrito por Peter Nolan, chamado "Is China Buying the World?"

Avaliar a China utilizando a métrica tradicional aplicada às economias emergentes é namorar o erro

Crônica da crise - MIRIAM LEITÃO O GLOBO - 25/04

Crônica da crise - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 25/04

O pior de uma crise é não admitir que ela existe. É o erro que o governo está cometendo na energia. O empréstimo que será assinado hoje é esdrúxulo, mas, se não saísse, as distribuidoras não teriam dinheiro para, no dia 29, terça-feira, aportar os recursos exigidos para a liquidação das compras que fizeram. Aí as geradoras não teriam o dinheiro para pagar pelo combustível das térmicas.

como assinar o empréstimo se o conselho de administração não pode se reunir por falta de quórum? Ontem, integrantes do setor tentaram encontrar substitutos para os três conselheiros demissionários e está sendo muito difícil. A CCEE então procurou um parecer de advogados para chegar a uma saída. A solução foi considerar que, se a assembleia aprovou o empréstimo, o conselho diretor não precisa se reunir para referendar. Enfim, encontra-se qualquer jeitinho para qualquer coisa.

O Ministério das Minas e Energia soltou uma nota dizendo que os conselheiros da CCEE saíram “por motivos pessoais”. Deve haver um surto de problemas pessoais, causado por alguma virose que abateu três quintos do conselho, coincidentemente no meio do maior estresse vivido pela entidade.

O governo está tratando a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica como se fosse um órgão estatal. Já virou até piada no setor. Ontem, a brincadeira era dizer que o conselho é mais um membro da alcateia, numa referência ao nome do ministro da Energia. A CCEE é uma câmara de registro e compensação das diferenças entre os compradores e vendedores do mercado de energia. Está às voltas com a crise, por ter sido empurrada para exercer uma função governamental: socorrer empresas que ficaram descapitalizadas em decorrência de uma desastrada política de governo.

— O mercado livre está acuado, ameaçado, exercendo atos que são uma negação lógica da sua própria natureza; estamos todos parecendo terceirizados do governo — disse uma fonte do setor.

O setor diz que está numa armadilha porque nem mesmo a redução do consumo resolveria os problemas das empresas. De um lado, os geradores hidráulicos seriam obrigados a reduzir a geração para poupar água e, nesse caso, perderiam receita; as térmicas teriam que continuar gerando o máximo para poupar as usinas hidrelétricas e as distribuidoras faturariam menos num momento de extrema fragilidade financeira.

As chuvas aumentaram, apesar de ser o fim da estação chuvosa, e há a expectativa de que chova mais no Sul, o que pode ajudar todo o sistema. O problema é que isso reduz a necessidade de um racionamento mas não resolve o grande problema do setor, que é o grande passivo financeiro que já se formou.

O Brasil teve uma crise energética de grandes proporções em 2001, como se sabe. Foi explorado politicamente pelo PT como prova da má gestão. A diferença entre aquela crise e a atual é que o governo em 2001 reconheceu a existência da crise e criou um grupo de craques para gerenciá-la. Todos se lembram do ministro Pedro Parente, que comandou a construção da solução, mas, na verdade, houve muitos outros especialistas sob o comando do ministro no grupo de crise.

Não houve corte de energia, no sentido de reduzir por um tempo o fornecimento, seja para empresas ou para consumidores residenciais. O racionamento foi feito através da indução de mecanismos tarifários de benefício e punição. Houve uma mobilização voluntária impressionante. E as térmicas passaram a fazer parte do sistema de garantia para momentos de escassez hidrológica.

O que torna a situação de agora mais perigosa é o governo não admitir que o problema existe, não criar o grupo de gerência da crise, e preferir adotar medidas para escamotear e esconder as dificuldades e postergar a solução para depois das eleições. Apostou tudo que será possível atravessar os próximos meses com pouca água nos reservatórios porque a próxima estação chuvosa será o suficiente para recuperar o nível de água.

Mesmo se o próximo período chuvoso for bom ainda haverá a bomba fiscal e financeira para desarmar. Pelas complicadas regras do setor, esse desajuste está criando rombos nas contas tanto das distribuidoras quanto das geradoras. E, a partir de hoje, a CCEE fugirá totalmente de sua função e passará a carregar uma dívida de R$11,2 bilhões.

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Problemas às pencas - MERVAL PEREIRA


quarta-feira, abril 23, 2014

Problemas às pencas - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 23/04
Nos últimos dias, o PT anda às voltas com problemas que afetam sua imagem, faltando poucos meses para a eleição presidencial. Alguns deles poderiam ser evitados, outros, não.
Cada notícia sobre os atrasos das obras para a Copa, especialmente os estádios de futebol, é mais um ponto negativo na avaliação da capacidade de gestão do governo. Poderia ter sido evitado se o governo, desde que foi anunciada a decisão da Fifa, em 2007, tivesse trabalhado com seriedade.

Mas, por um bom tempo, pareceu que a propaganda seria o suficiente para aumentar a popularidade do governo. A realidade tratou de colocar as coisas nos devidos trilhos, e o gasto excessivo (que seria bancado pelo setor privado, lembram-se da promessa?) acabou explicitando as verdadeiras necessidades da população: hospitais e escolas "padrão Fifa", e não estádios de futebol.

A crise da Petrobras poderia ter sido evitada se a presidente Dilma não tivesse furado, com seu "sincericídio", a bolha de mentiras que protegia o mau negócio da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos. Uma reação correta, mas atrasada, que parece estava martelando a cabeça da presidente - que evitou estourar a bolha antes para não atrapalhar a eleição do presidente Lula em 2006.

Estávamos lidando com os escândalos do mensalão, e seria demais surgir outro escândalo, e logo na Petrobras. Foi nessa campanha, aliás, que o governo jogou todas as suas fichas na demonização das privatizações, e deu certo, para espanto do próprio marqueteiro João Santana - que, mais tarde, admitiu em entrevista que ficara surpreso com a falta de reação do PSDB em defesa da privatização da telefonia, por exemplo, que levara os celulares para a classe média e até para os trabalhadores.

Como presidente do conselho, a presidente Dilma lutou contra a compra da outra metade de Pasadena, mas, como agora, não tinha condições de ir mais fundo na apuração. Hoje, ela bate boca em público com o ex-presidente da Petrobras José Sergio Gabrielli, mas não tem condições de ir adiante, pois exporá ao cidadão as transações ocorridas na gestão da Petrobras durante o governo Lula.

O caso do deputado André Vargas, que insiste em não renunciar, porém, é exemplar de como a situação política foge ao controle dos caciques petistas, até mesmo do maior deles, o ex-presidente Lula. Na já famosa entrevista aos "blogueiros confiáveis", como definiu muito bem um "jornalista confiável", o ex-presidente Lula jogou Vargas ao mar, dizendo que ele tinha que se explicar, "porque senão é o PT que paga o pato".

Foi nessa entrevista também que Lula, num ato falho, pediu empenho para impedir a CPI da Petrobras, lembrando que uma CPI para investigar uma corrupção de R$ 3 mil nos Correios do PTB acabou se transformando na CPI do mensalão. Lula tem toda a razão de temer que a CPI da Petrobras acabe em coisa pior para o governo e para o petismo, e é por isso que recomenda que o governo se dedique a inviabilizá- la.

Também a ex-ministra Gleisi Hoffmann mostra- se preocupada com a situação de Vargas e fez um comentário bizarro sobre essa situação: "O envolvimento do deputado com um doleiro não encontra justificativa para ter acontecido e acaba impactando no PT e na política". Como não encontra justificativa para ter ocorrido, senadora? A senhora não ouviu o diálogo de Vargas com o doleiro Alberto Youssef em que este diz ao deputado que está tratando da "independência financeira" dos dois? Mas tanto Lula quanto Gleisi Hoffmann têm razão em uma coisa: esses casos estão mesmo impactando a imagem do PT, já muito abalada desde os tempos do mensalão.

DILMA, LULA E O PT FELIZMENTE EM QUEDA - RAFAEL BRASIL

DILMA, LULA E O PT FELIZMENTE EM QUEDA
Antes tarde do que nunca. Parece que parcelas cada vez mais amplas da população, estão notando o descalabro do governo petista.
Alta dos preços, sobretudo dos alimentos. Inflação alta, e ainda represada pelo governo, como no caso da energia e da Petrobrás. No primeiro desorganizaram o setor elétrico e afundaram o setor do álcool. Na petrobrás, estão quebrando a empresa, que compra gasolina a preços mais altos no mercado internacional, para vender mais barato no mercado interno.
Com a seca, é bem possível que tenhamos racionamento. Segundo laudos técnicos, o setor elétrico está nos limites. O sucateamento do tão amado estado pelo PT é mais do que visível. O aparelhamento do estado trouxe mais corrupção e, claro, incompetência.
Todos os indicadores econômicos são ruins, e tendentes a piorar. A copa do mundo está visivelmente desorganizada, e ninguém sabe o que pode acontecer, com hordas violentas soltas nas ruas, muitas incentivadas por grupelhos fascistas e comunistas.
Os candidatos das oposições podem muito bem ir preparando o povo para as medidas duras necessárias para botar a casa em ordem. É preciso arrochar tudo, e liberar os necessários aumentos, sobretudo dos combustíveis. Apontar para a reforma do estado, e abrir o país para investimentos externos. Claro não são coisas fáceis, nem tampouco populares, mas convém ser sincero com a população e colocar a verdadeira política na frente do marketing. Em outras palavras, os candidatos devem dizer ao ,povo a seriedade da situação e convencê-lo de que não existirá êxito sem sacrifícios.
O Brasil carece de mudanças radicais. Radicalização democrática, com uma ampla reforma política e eleitoral. Radicalização na mudança educacional, primeiramente botando ordem nas escolas, com rígidos sistemas disciplinares. Não existem direitos sem deveres. Hoje os professores são os que mais sofrem, com hordas de alunos malcriados, e não tem autoridade para nada. Trocaram a autoridade necessária do professor pelo totalitarismo de crianças e adolescentes, que agem e pensam em grupos, ou melhor, hordas. Aliás, como bem diria Nélson Rodrigues, os jovens são o alicerce da imbecilidade.

Enfim o caminho da eficiência e da produtividade é longo e árduo. É como estudar e aprender, que só se consegue com esforço e abnegação. Sem essa de querer aprender brincando. Sem essa de querer ter as coisas sem  trabalhar, ou ter atitudes similares. O Brasil precisa mudar, e muito. Com Lula e essa turma do PT nem Marx aguentaria. Iria dar umas boas tabicadas de goiabeira nestes esquerdistas ignorantes e presunçosos, que querem acabar com o país. Em proveito próprio, é claro. Não me consta ademais que Marx tenha sido corrupto. Viveu e morreu pobre, como sabemos.

Graciliano, o grande - POR REINALDO AZEVEDO

Artigo Reinaldo Azevedo
Graciliano, o grande
"Vidas Secas poderia ser um romance de denúncia social,
eivado de proselitismo. Mas não. Graciliano Ramos repudiava
o chamado ‘engajamento’ na arte"
Evandro Teixeira
METÁFORAS QUENTES DE SOL
O sertão de Graciliano Ramos hoje, fotografado por Evandro Teixeira: mundo primitivo em linguagem culta e rigorosa
Graciliano Ramos (1892-1953) nunca foi vítima do preconceito organizado que existe contra o Monteiro Lobato para adultos, por exemplo. Sempre foi considerado entre os grandes escritores brasileiros. Mas há muito a crítica e a academia – esta em especial – negam-lhe o devido lugar no panteão da prosa modernista: o topo, onde segue embalsamado por certa mistificação o sem dúvida inventivo Guimarães Rosa. As razões que levam à superestimação de um concorrem para subestimar o outro.
Por que Graciliano agora? A Editora Record relança a sua obra, sob a supervisão de Wander Melo Miranda. Trata-se de um trabalho bem-cuidado, com a recuperação de textos originais, correções feitas pelo próprio escritor, cronologia e bibliografia de e sobre o autor de Vidas Secas – ou "Cyx Knbot" em búlgaro, uma das dezesseis línguas em que ele pode ser lido. O romance, que completa setenta anos, merece especial atenção: além da edição regular, há uma outra, limitada a 10.000 exemplares, no formato de um álbum, com capa dura e papel cuchê (208 páginas, 99 reais): cuidado à altura das belas fotos de Evandro Teixeira, que acompanham o texto. Sete décadas depois da publicação do livro, o fotógrafo refez o roteiro de Fabiano, sinhá Vitória, Baleia e os meninos.
Vidas Secas? É bastante conhecida uma das mais devastadoras passagens da literatura brasileira: as páginas em que Graciliano narra a agonia e morte da cadela Baleia. Fabiano, que vaga com a família pelo sertão, tangido pela seca, decide matá-la com um tiro para aliviar-lhe o sofrimento. Segue um trecho:
"A carga alcançou os quartos traseiros e inutilizou uma perna de Baleia (...) E, perdendo muito sangue, andou como gente, em dois pés, arrastando com dificuldade a parte posterior do corpo (...). Uma sede horrível queimava-lhe a garganta. Procurou ver as pernas e não as distinguiu: um nevoeiro impedia-lhe a visão. Pôs-se a latir e desejou morder Fabiano (...). Uma angústia apertou-lhe o pequeno coração. Precisava vigiar as cabras: àquela hora, cheiros de suçuarana deviam andar pelas ribanceiras, rondar as moitas afastadas (...). A tremura subia, deixava a barriga e chegava ao peito de Baleia (...). A pedra estava fria. Certamente sinhá Vitória tinha deixado o fogo apagar-se muito cedo. Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás (...) gordos, enormes".
Algumas das qualidades que fazem de Graciliano mestre da língua portuguesa e do texto literário estão acima condensadas. Vidas Secas,saído da pena de um escritor das Alagoas, de esquerda, poderia ser um romance de denúncia social, eivado de proselitismo e anseios libertários. Mas não. O autor repudiava o chamado "engajamento" na arte. Referia-se a Jdanov (1896-1948), o comissário da Cultura da URSS que fundara as bases do chamado realismo socialista, como o que era: "uma besta". Baleia é mais comoventemente miserável quando se arrasta sobre dois pés, quando "anda como gente". Ele não deprecia o homem, comparando-o ao cão; antes, hominiza o cão porque vê com compaixão a nossa condição – e essa compaixão inclemente pelo humano é marca da sua obra. Há dias, em passagem pelo Brasil, José Saramago declarou padecer de "marxismo hormonal". Segundo o escritor português, não merecemos a vida. Ele nos negaria um pedaço de osso. "Preás gordos, enormes", então, nem pensar.
Evandro Teixeira
REGIONALISMO SEM FOLCLORE
O homem do sertão, com seu cachorro, e Graciliano (à dir.): a condição humana expressa na agonia da cadela Baleia
O mundo da Baleia agonizante é primitivo, feito só de sentidos e sensações. Mas ele nos chega numa linguagem culta, fluente, rigorosa, sem charadas vocabulares para "desconstrução" em colóquios acadêmicos. Tanto em Vidas Secas como na obra de temática urbana, proto-existencialista – Graciliano traduziu A Peste, de Albert Camus, em 1950 –, os adjetivos e as imagens nascem das coisas. Como escrevi num ensaio que integra o livro Contra o Consenso, não há ali "uma única e miserável metáfora que não seja quente de sol (...), pulsante de sangue, aguda de espinhos, dura de pedra. Tudo nasce da matéria precária da vida". A face regionalista de sua literatura não folcloriza a realidade sertaneja, tentando atribuir-lhe alguma metafísica ou lógica interna superiores, que demandassem sintaxe e vocábulos de exceção. O estoque da língua e as regras do jogo lhe bastam. Como ele mesmo escreveu, "começamos oprimidos pela sintaxe e acabamos às voltas com a Delegacia de Ordem Política e Social, mas, nos estreitos limites a que nos coagem a gramática e a lei, ainda nos podemos mexer".
Atribuo-lhe características de meu gosto pessoal? Não! Era uma escolha consciente. Em 1949, envia uma carta a Marili Ramos, sua irmã. Ela acabara de publicar um conto chamado Mariana. A apreciação do leitor-irmão não tinha como ser mais severa. A tal carta resume um credo literário: "Julgo que você entrou num mau caminho. Expôs uma criatura simples, que lava roupa e faz renda, com as complicações interiores da menina habituada aos romances e ao colégio. As caboclas de nossa terra são meio selvagens (...). Como pode você adivinhar o que se passa na alma delas? Você não bate bilros nem lava roupa. (...) Você não é Mariana, não é da classe dela. Fique na sua classe. Apresente-se como é, nua, sem ocultar nada".
Em Graciliano, a literatura é um jogo da inteligência analítica, como neste trecho de Insônia: "Um silêncio grande envolve o mundo. Contudo, a voz que me aflige continua a mergulhar-me nos ouvidos, a apertar-me o pescoço. (...) explico a mim mesmo que o que me aperta o pescoço não é uma voz, é uma gravata". A conspiração das vozes do silêncio que perseguem o insone perdem imediatamente o encanto de uma maldição metafísica: basta afrouxar a gravata. Sabemos a origem das nossas aflições, o que não quer dizer que tenhamos respostas para elas. Com freqüência, não. E isso nos torna demasiadamente humanos. Não para o comunista Saramago, claro...
Essa lembrança me remete ao mais explicitamente político dos muitos Gracilianos, incluindo aquele que chegou até a ser prefeito da cidade de Palmeira dos Índios (1928-1930). Refiro-me ao livro Memórias do Cárcere, reeditado pela Record em um único volume. O escritor ficou preso entre março de 1936 e janeiro de 1937, acusado de ligações com a conspiração que resultara no levante comunista de 1935. Era mentira. Filiou-se ao PCB só em 1945. Nesse livro, publicado postumamente no ano de sua morte, ele se agiganta. Em muitos sentidos, a cadeia é a caatinga de um Graciliano-Fabiano que, à diferença do personagem deVidas Secas, consegue se expressar com clareza. Em vez do herói da resistência, o anti-herói dos escrúpulos que comunistas chamariam pequeno-burgueses. Definitivamente, ele não era o "novo homem socialista". Era o velho homem apegado a suas dores privadas, a seus anseios, a suas mesquinharias. Leiam trecho do diálogo que ele trava com um militante comunista russo de nome Sérgio, que acabara de ser torturado. Graciliano pergunta se ele sente ódio:
"– Ódio? A quem?
– Aos indivíduos que o supliciaram, já se vê.
– Mas são instrumentos, sussurrou a criatura singular.
(...)
– Admitamos que o fascismo fosse pelos ares, rebentasse aí uma revolução dos diabos e nos convidassem para julgar sujeitos que nos tivessem flagelado ou mandado flagelar. Você estaria nesse júri? Teria serenidade para decidir?
– Por que não? Que tem a justiça com os meus casos particulares?
– Eu me daria por suspeito. Não esqueceria os açoites e a deformação dos pés. Se de nenhum modo pudesse esquivar-me, nem estudaria o processo: votaria talvez pela absolvição, com receio de não ser imparcial. (...) Fizemos boa camaradagem. Mas suponho que você não hesitaria em mandar-me para a forca se considerasse isto indispensável.
– Efectivamente, respondeu Sérgio carregando com força no c. Boa noite. Vou dormir. Estendeu-se na cama agreste, enfileirada com a minha junto ao muro, cruzou as mãos no peito. Ao cabo de um minuto ressonava leve, a boca descerrada a exibir os longos dentes irregulares. Nunca vi ninguém adormecer daquele jeito. Conversava abundante, sem cochilos nem bocejos; decidia repousar e entrava no sono imediatamente."
Como se vê, também os monstros morais podem ser torturados. Notem como Sérgio dorme tranqüilo, mesmo depois de supliciado, e com rapidez, o que espanta o observador. Está certo de seu senso de justiça como o crente em uma religião qualquer. Esquerdistas convictos nunca têm dúvidas. Já os personagens do autor de Insônia – a começar do próprio Graciliano em Memórias do Cárcere – não descansam nunca. Quando o brutal Paulo Honório, em São Bernardo, vê consumada a sua obra, restam-lhe a solidão e a insônia. O tema aparece em Angústia("visões que me perseguiam naquelas noites compridas"), no autobiográfico Infância ("À noite o sono fugiu, não houve meio de agarrá-lo") e até nas suas cartas de amor. O homem de Graciliano vive em vigília, num ambiente sempre hostil, seja a caatinga, a cadeia ou as paisagens íntimas.
Falei de sua compaixão pelas dores humanas. Também nesse caso, seu horizonte não é finalista: não tem uma resposta para a nossa condição nem a vê com moralismo. Paulo Honório, por exemplo, acaba, na prática, matando quem tentara proteger: Madalena, a sua mulher. Tem ciúme da piedade que ela sente do mundo e ódio da sua própria incapacidade de se comover. Narrado em primeira pessoa, o romance não o caracteriza como um monstro. É só um ser desesperado tentando, como todos nós, sobreviver, salvar-se. Honório não é diferente da estabanada menina Luciana, do conto Minsk, nome do seu periquito. Um dia, numa de suas trapalhadas, ela pisa num objeto mole e ouve um grito. 
"Os movimentos de Minsk eram quase imperceptíveis; as penas amarelas, verdes, vermelhas, esmoreciam por detrás de um nevoeiro branco.
– Minsk!
A mancha pequena agitava-se de leve, tentava exprimir-se num beijo:
– Eh! eh!"
"Todo homem mata aquilo que ama", escreveu na cadeia o escritor irlandês Oscar Wilde (1854-1900). Por isso nos arrastamos, como Baleia, vida afora, em busca de perdão. Somos uns cães. Mas, ainda assim, dignos de amor. E cerraremos os olhos contando acordar felizes, num mundo "cheio de preás gordos, enormes".

terça-feira, 22 de abril de 2014

Brasil improdutivo - EDITORIAL FOLHA DE SP

Brasil improdutivo - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 22/04
Aumento de riqueza gerado por trabalhadores nacionais avança de modo lento; país perde mercado para chineses até na vizinha Argentina
Não faltará quem se agaste, por aqui, com o tom um tanto derrisório da reportagem desta semana na revista britânica "The Economist" sobre a economia do Brasil. Será um erro, daqueles que se explicam quando a paixão turva o raciocínio e a objetividade.
"Você começa a perder tempo no momento em que pisa no Brasil", queixou-se à publicação o empresário texano Blake Watkins, que saiu de Nova York para abrir um restaurante fast food em São Paulo.

Não é preciso deixar de ser patriota para reconhecer que o empresário tem razão. Basta atentar para o trânsito infernal, a morosidade da burocracia, o custo e a qualidade incompatíveis dos serviços --públicos ou privados.

A "Economist" não se limita a juízos de valor, e talvez por isso cause tanto incômodo. O Brasil investe só 2,2% do PIB em infraestrutura, muito abaixo da média de 5,1% no mundo em desenvolvimento. De 278 mil patentes concedidas em 2013 pelos Estados Unidos, meras 254 foram para invenções brasileiras.

No domingo, reportagem desta Folha corroborou o descaso nacional com a inovação, mãe verdadeira do aumento sustentável de produtividade. O Inpi (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) consome em média 10 anos e 10 meses para conceder uma patente. No campo das telecomunicações, o prazo médio está em 14 anos e 2 meses.

Entre países desenvolvidos, esse intervalo não ultrapassa três anos: nos EUA são 2 anos e 7 meses; no Japão, 2 anos e 6 meses; na China, 1 ano e 11 meses. Não é difícil compreender por que um empreendedor descartaria o Brasil como opção para sediar um laboratório de desenvolvimento de semicondutores, por exemplo.

A chave do atraso, como aponta com exatidão a revista britânica, está na produtividade.

O produto anual do trabalho de um empregado brasileiro está na casa de US$ 20 mil (calculado pela metodologia de paridade de poder de compra). Nos anos 1960, era da ordem de US$ 15 mil, maior que o obtido por sul-coreanos --os quais, hoje, produzem quase US$ 70 mil. A China, que partiu de patamar muito inferior, já nos alcançou.

Não estranha, assim, que o Brasil esteja perdendo mercado para exportações chinesas até na Argentina, sua grande parceira de Mercosul. Em 2005, a participação brasileira nas importações argentinas estava em 36,5%; no primeiro trimestre de 2014, ficou em 24,8%. No mesmo período, a China saltou de 5,3% para 18,4%.

Indignação, apenas, nada pode contra essas cifras acabrunhadoras. É imperativo convertê-la em brio, algo muito mais produtivo.

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Por uma direita festiva - LUIZ FELIPE PONDÉ FOLHA DE SP - 21/04


segunda-feira, abril 21, 2014


Por uma direita festiva - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 21/04
O maior desafio para um jovem estudante liberal no Brasil é pegar mulher no meio universitário e afins

Ser jovem e liberal é péssimo para pegar mulher. Este é o desafio maior para jovens que não são de esquerda.

Um dos maiores desafios dos jovens que não são de esquerda não é a falta de acesso a bibliografia que seus professores boicotam (o que é verdade), nem a falta de empregos quando formados porque as escolas os boicotam (o que também é verdade), mas sim a falta de mulheres jovens, estudantes, que simpatizem com a posição liberal (como se fala no Brasil) ou de direita (quase um xingamento).

Os cursos em que você encontra jovens liberais (economia, administração de empresas, engenharia e afins) têm muito poucas mulheres e as que têm não têm muito interesse em papo cabeça e política. O celeiro de meninas que curtem papo cabeça e política são cursos como psicologia, letras, ciências sociais, pedagogia e afins, todos de esquerda.

E aí se recoloca o problema: quando liberais se reúnem há uma forte escassez de mulheres, o que é sempre um drama. E quando junta muito homem falando papo cabeça sem mulher por perto, todos ficam com cara de Sheldon. Sem mulheres, tudo fica chato em algum momento. Como resolver um problema sério como esse?

Vou repetir, porque eu sei que questões altamente filosóficas são difíceis de se entender: o maior desafio para um jovem estudante liberal no Brasil é pegar mulher (no meio universitário e afins), sendo liberal. Claro, charme pessoal, simpatia, inteligência, grana, repertório cultural, sempre são fatores importantes, mas a esquerda tem um ponto a favor dela que é indiscutível: se você é de esquerda, pegar mulher é a coisa mais fácil do mundo. Qual o segredo da esquerda? É ser festiva.

Outro dia, conversando com um amigo e colega que é bastante conhecido (por isso vou preservar sua privacidade), chegamos à conclusão de que a direita (liberal, claro, não estou falando de gente que gosta de tortura, tá?) precisa desesperadamente encontrar sua face festiva.

A esquerda festiva (que é quase toda ela) reproduziu porque teve muitas mulheres à mão. Imagine papos como: "Meu amor, se liberte da opressão sobre o corpo da mulher!". Agora, imagine que você esteja num diretório de ciências sociais no final da noite ou num apê sem pai nem mãe (dela) por perto. Um pouco de vinho barato, quem sabe, um baseado? Um som legal, uma foto grande do Che (aquele assassino chique) na parede.

Ou imagine você dizendo para uma menina bonitinha algo assim: "O capital mata crianças de fome na África!". Mesmo sendo ela uma jovem endurecida pela batalha contra a opressão da mulher (por isso tenta desesperadamente ser feia), seu coração jorrará ternura.

Imagine a energia de uma manifestação! Braços dados ou não, mas caminhando e cantando. Imagine a fuga, correndo juntos da polícia. Os corações batendo juntos!

E claro, imagine vocês no bar da faculdade (matando a aula, porque quem assiste aula não pega mulher): muita cerveja, muitas juras de revolta contra as injustiças sociais, muitas citações de Marx e Foucault.

Ou, mais sofisticado ainda: um festival de documentários em Cuba! Meu Deus, pode haver paraíso melhor para se conhecer meninas "donas do seu corpo"?

Desde as primeiras populações na pré-história sabe-se que sem álcool e conversa (por isso aprendemos a falar, do contrário só as meninas falariam) a humanidade teria desaparecido porque mais da metade das meninas não iam querer transar --principalmente quando descobriram a dor do parto.

O canal para uma direita festiva é: fale de liberdade, do sofrimento humano, de corpo, discuta documentários, diga que a vida não tem sentido, mas que a beleza existe, não se vista como o Sheldon, viaje para a Islândia, e (pelo amor de Deus!) não fale de economia. As meninas destetam economia, essa "ciência triste", porque atrapalha a alegria da vida.

Ou rezem para o Brasil virar a Venezuela e aí os meninos liberais vão pegar todas.

Eu sei: vão dizer que estou afirmando que discutimos papo cabeça para pegar mulher, mas, lamento, é isso mesmo que estou dizendo, pelo menos em parte. Acordei hoje numa "vibe" darwinista. Sorry.

DENIS LERRER ROSENFIELD O Estado de S.Paulo - 21/ segunda-feira, abril 21, 2014 Anistia, sim! -


 DENIS LERRER ROSENFIELD

O Estado de S.Paulo - 21/

segunda-feira, abril 21, 2014


Anistia, sim! -

04

Chamou particularmente a atenção nas últimas semanas a profusão de notícias e artigos rememorando o golpe (ou contragolpe, conforme a perspectiva) de 1964. É bem verdade que havia uma razão para isso, eis que se trata dos 50 anos desse evento. Não é menos verdadeiro, porém, que os militares estão sendo objeto de um cerco, em que não está somente em pauta uma melhor apuração da tortura, mas, sobretudo, a própria instituição militar. Não seria apenas um necessário exercício histórico de memória, mas uma operação política com alvo determinado: a revogação da Lei da Anistia.

Há, ademais, uma série de iniciativas parlamentares com vista, explicitamente, a essa revogação - restrita, evidentemente, aos artigos que dizem respeito à violência cometida por alguns grupos militares, sem referência alguma à violência perpetrada pela chamada luta armada, empreendida por organizações de esquerda. Vale para uns, não vale para outros.

A transição democrática no País foi um exemplo para o mundo, tendo se realizado sem traumas nem eclosão de violência. São inúmeros os exemplos no planeta em que a saída de regimes autoritários ou ditatoriais se deu pela luta armada e mesmo pela guerra civil. Não é o caso do Brasil, que fez uma transição pactuada entre os próprios militares democratas, a oposição, sobretudo personificada no MDB, e os egressos do partido do governo, a Arena, que vieram a fundar o PFL. Seu instrumento central foi a Lei da Anistia, que alcançou todos os envolvidos em atos de violência anteriores. Tratou-se, naquele então, de um grande acordo nacional, maciçamente apoiado pela sociedade brasileira, aprovado pelo Congresso Nacional e, mais recentemente, validado pelo Supremo Tribunal Federal.

A anistia é uma espécie de pacto que torna viável um novo começo. Se não há um perdão estendido a todas as partes, elas continuam se envolvendo em toda sorte de disputas, recorrendo à violência como um dos seus instrumentos. E o futuro se torna refém de um passado não resolvido e estranhamente presente. A partir do momento em que uma sociedade decide voltar-se para seu futuro, não sendo mais refém de contenciosos pretéritos, ela deve dar-se uma anistia generalizada, para que todos os que se envolveram em lutas se sintam seguros. Daí em diante a violência deixa de ser instrumento da luta política, que passa a pautar-se por regras republicanas produzidas por uma espécie de consenso coletivo, o qual em nosso país se concretizou numa Assembleia Constituinte.

Anistia não significa esquecimento, mas aprendizado do passado visando a um recomeço. Todos os fatos devem ser apurados, sejam de que lado forem. Isso faz parte da História de um país. Quanto mais uma nação se conhece, melhores são as condições de um futuro que não repita os erros do passado. Para que isso ocorra, contudo, a narrativa histórica deve ser fiel aos eventos pretéritos, sem escolha ideológica nem descarte dos fatos que incomodam os que fazem tal narrativa. A tortura deve ser apurada, do mesmo modo que os crimes cometidos pela esquerda. O que não pode é essa narrativa tornar-se um faroeste ideológico, com mocinhos da esquerda e bandidos da direita.


Note-se que a esquerda "revolucionária", hoje tão decantada, ficou totalmente à margem desse processo. E não só isso: ela foi completamente derrotada na luta armada, não teve apoio popular algum, tendo sido uma operação militar de intelectuais e estudantes despreparados, porém ideologicamente bem apresentados. Atualmente, procura-se envernizar essa esquerda, que não tinha nenhum compromisso com a liberdade e a democracia. Seus integrantes posam de combatentes da democracia, quando nada mais eram do que instrumentos de implantação do comunismo/socialismo no País. Seu objetivo era instituir a "ditadura do proletariado" - que, sendo ditadura, não pode, é evidente, ser democrática!

Um dos episódios mais retomados nos últimos meses como de desrespeito dos militares aos direitos humanos é o da guerrilha do Araguaia, os atores revolucionários sendo apresentados como combatentes da democracia. Ora, eles eram maoistas e seguiam as diretrizes dessa forma de marxismo asiático. Seu objetivo, claramente, consistia em criar no Brasil um Estado totalitário, aos moldes de Mao Tsé-tung. Alguns eram da linha albanesa, variante ainda mais mortífera do maoismo. Para eles, a democracia seria "burguesa" e, portanto, deveria ser completamente destruída. Nesse sentido, o que os militares fizeram ao aniquilá-la foi simplesmente evitar que o totalitarismo maoista se instalasse entre nós. Liberticidas tornam-se combatentes da liberdade!

A presidente Dilma Rousseff, por sua vez, tem sido dúbia em suas declarações. De um lado, reconhece a importância da Lei da Anistia, considerando-a irrevogável; de outro, dá liberdade aos seus ministros para que lutem por sua revogação. Ministros devem seguir a posição da presidente, não lhes cabendo contrariá-la. Para tanto podem renunciar às suas funções. Se um parlamentar petista se manifesta contra a Lei da Anistia, é um direito dele numa sociedade que se caracteriza pela liberdade de expressão. Não é o caso dos ministros, que devem seguir orientações.

O grande problema da revisão da Lei da Anistia está no fato de que isso seria uma quebra de contrato: a quebra de um contrato institucional que se encontra na raiz da democracia brasileira. Não se pode, 35 anos depois, dar o dito pelo não dito, como se a palavra que uma sociedade engaja consigo mesmo nada valesse. Tal medida não só produziria instabilidade institucional, como também seria uma péssima sinalização para o futuro. Se acordos políticos podem ser arbitrariamente revogados, não há por que fazê-los, muito menos cumpri-los.

Na verdade, é uma volta da vingança sob a forma do politicamente correto. Mais ainda, tal medida constituiria uma ameaça à própria democracia.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO


COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

GOVERNO GASTA R$ 117 MIL POR DIA COM CARTÕES

É ano de eleição e os gastos do governo federal seguem no mesmo ritmo acelerado de sempre: R$ 117,4 mil por dia desde janeiro. De acordo com o Portal da Transparência, a gastança já superou a cifra de R$ 6,9 milhões. Campeã de sempre, a Presidência é responsável por um terço da farra (R$ 2,14 milhões), mas o detalhamento dos gastos é protegido por sigilo sob a velha justificativa de “segurança e do Estado”.


Muito justo

O Ministério da Justiça ficou em 2º lugar entre os gastos com R$ 1,7 milhão, quase tudo na conta da Polícia Federal e no maior sigilo.


Detalhes inúteis

Sete dos dez cartões com a fatura mais cara são do IBGE e, apesar de detalhados, os gastos se referem a saques em espécie de até R$ 1 mil.


Tudo em segredo

Dos R$ 2,14 milhões em cartões corporativos torrados pela Presidência da República, 96% são sigilosos, sem detalhamento de gastos.


Dinheiro sem rastro

O governo torrou R$ 942 mil apenas com saques em espécie nos cartões corporativos. Tem até retirada de R$ 2.


PE: cobrança indevida já gerou R$ 154 milhões

A cobrança de ICMS feita pelo governo de Eduardo Campos (PSB-PE) sobre o subsídio dado pelo governo federal desde o ano passado nas contas de luz já rendeu, irregularmente, R$ 154 milhões aos cofres estaduais. A redução nas tarifas residenciais seria de 18%, mas com a cobrança indevida do ICMS desde fevereiro de 2013, o desconto para a população foi menor e a diferença fica com o governo pernambucano.


Receita garantida

A arrecadação da fazenda estadual aumenta em R$ 11 milhões ao mês com a edição do decreto regularizando a taxação do subsídio federal.


Olho nas urnas

Para a oposição de Campos, a cobrança seria uma estratégia para que o povo não sinta o desconto dado por Dilma e ela perca eleitorado.


Não está só

Outros estados governados pela oposição, São Paulo, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul também cobram ICMS sobre desconto na luz.


Em cima do muro

A executiva PMDB-RS fez apelo ao senador Pedro Simon para manter seu nome ao Senado até o partido encontrar uma saída. Chateado com desistência pública de Germano Rigotto, Simon queria deixar a disputa.


#BeijinhoNoOmbro

O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) comemorou o início do funcionamento da ampliação do aeroporto de Brasília. Postou uma foto em suas redes sociais e disparou: “Para os urubus de plantão”.


Sob pressão

Tentando conter debandada de prefeitos pró-Paulo Hartung (PMDB), o governador Renato Casagrande (PSB) almoçou com sete prefeitos da Região Metropolitana e com a Associação de Municípios do ES.


Lorota

Presidente do Conselho de Ética, Ricardo Izar (PSD-SP) descarta que o relator do caso André Vargas, Júlio Delgado, esteja sob suspeição: “Ele falou do relatório preliminar, não prejudicou em nada o processo”.


Folga ‘forçada’

Apesar de ser ponto facultativo na quinta, os gabinetes que tentaram manter seus funcionários trabalhando se deram mal. Foram todos barrados pelo Departamento de Segurança Legislativa da Câmara.


Impede manobras

O deputado Marcos Rogério (PDT-RO) apresentou projeto para acabar com o relatório preliminar no Conselho de Ética, obrigando a Câmara a investigar toda e qualquer denúncia, sem depender de admissibilidade.


Dentista de Páscoa

O deputado Amauri Teixeira (PT-BA) contou no Twitter que vai aproveitar o feriadão para adiantar seu tratamento dentário. “Tô sem poder falar”, escreveu. Só não disse se a conta será do contribuinte.


Inflação de Barroso

Após nomear o fluminense Luis Roberto Barroso para o Supremo, a presidenta Dilma nomeou outro Barroso, José Filho, este paulista, para o Superior Tribunal Militar. O novo ministro é juiz-auditor, tomou posse e já ocupa a cadeira destinada aos magistrados da Justiça Militar.


Pensando bem...

...o deputado petista sai-não-sai André Vargas tem algo em comum com Tiradentes: ambos acabaram com a corda no pescoço.


PODER SEM PUDOR

Mr. Quadros, o tio

Jânio Quadros, governador de São Paulo, viajou à Europa, deixando no seu lugar o vice, general Porfírio da Paz. O interino recebeu a visita de um antigo professor de direito:

- Mestre, mas que honra recebê-lo aqui!

- Vim fazer-lhe uma visita, meu general. Muito trabalho?

- Nossa! Jânio me deixou uma papelada que Deus me livre. Mas faço questão de entregar o gabinete do jeito que ele deixou. Não mexo em nada: livros, cinzeiros, o retrato do tio na parede... deixo tudo no lugar.

- Mas que quadro, Porfírio? - interessou-se o antigo professor.

O governador em exercício apontou o retrato de Abraham Lincoln.

- Porfírio, aquele é o retrato de Lincoln, o grande presidente americano!

- Ah... é mesmo? Que coisa! Pois me haviam dito que esse homem aí se chamava Lincoln, um tio do governador que mora no Mato Grosso...