sexta-feira, 28 de agosto de 2020

O mais jovem (e o pior) presidente da história do STF - Augusto Nunes

O mais jovem (e o pior) presidente da história do STF



Leia o texto de Dias Toffoli e dê uma nota de zero a dez, convida Augusto Nunes, via Oeste:


Em 30 de setembro de 2009, a sabatina que duraria sete horas ainda não chegara à metade quando Gilmar Mendes, então presidente do Supremo Tribunal Federal, repetiu a frase declamada dias antes daquela arguição ao fim da qual o Senado decidiria se José Antonio Dias Toffoli, indicado pelo presidente Lula, merecia ou não tornar-se titular do Timão da Toga: “Seguramente, é uma pessoa qualificada”. O sempre douto parecer foi emitido por Gilmar Mendes caprichando na imitação de Gilmar Mendes: o lábio inferior estufado e o queixo pronunciado desenham em parceria uma segunda boca, o olhar enviesado de quem desconfia de alguma coisa que está logo ali mas ninguém mais vê, as orelhas de longo alcance sitiando os óculos, a sisudez dos que se acham predestinados a virar estátua. Ele nunca explicou o que o convencera de que merecia ser promovido a ministro do Supremo o bacharel em Direito que, aos 41 anos, tivera como único cliente o PT.

Toffoli queria ser juiz desde os tempos de estudante na escola do Largo de São Francisco. Com um diploma na mão e pouca munição na cabeça, foi reprovado duas vezes no concurso para ingresso na magistratura paulista. Conformado com o status de bacharel, seria nos anos seguintes advogado do PT, assessor jurídico de campanhas eleitorais do PT, advogado de Lula, assessor jurídico da Casa Civil comandada por José Dirceu e chefe da Advocacia-Geral da União. A fidelidade ao partido e a devoção ao deus da seita o transformaram em candidato natural a superjuiz quando Lula entendeu que o escândalo do Mensalão não escaparia do julgamento no Supremo. Era hora de ampliar a bancada formada por ministros incapazes de resistir à tentação de mostrar que são capazes de tudo para defender o indefensável.

Essas sabatinas no Senado se assemelham a um chá de senhoras em que a longa sequência de rapapés e louvações é interrompida por algumas perguntas só aparentemente incômodas. Todas começam com um respeitoso Vossa Excelência e terminam com recomendações à família. O que parece provocação é só o passe que deixa o sabatinado na boca do gol. Sejam quais forem as respostas, soam satisfatórias aos ouvidos de inquisidores encarregados de averiguar se o candidato ao STF, conforme exige a Constituição, tem reputação ilibada e é provido de notável saber jurídico. Sua Excelência poderia explicar aquele punhado de complicações judiciais no Amapá?, quis saber um senador. Outro perguntou se não lhe causavam constrangimento as duas bombas que explodiram o sonho de ser juiz no interior paulista. Um terceiro ficou intrigado com a inexistência de livros ou artigos de jornal assinados por Toffoli. Essas e outras dúvidas foram dirimidas por palavrórios tão rasos que, na imagem de Nelson Rodrigues, uma formiguinha poderia atravessá-los com a água pelas canelas.

Foi assim que Toffoli contornou a desconfiança provocada por seu tórrido caso de amor com o PT. Essa paixão não influenciaria as decisões do futuro ministro quando o banco dos réus fosse ocupado por velhos companheiros? Confira trechos da discurseira do candidato a ministro, pinçados da transcrição da sabatina arquivada no Senado e publicados em negrito, com observações do colunista entre parênteses:

“Aquilo que eu fazia na Advocacia-Geral da União, que era uma imparcialidade, vai ser uma imparcialidade absoluta.” (Como assim?, poderia ter replicado algum senador. Um juiz é parcial ou imparcial. Não existe juiz meio parcial ou meio imparcial. E nenhum juiz é parcialmente imparcial. Nem imparcialmente parcial.)

“A advocacia que é passado para mim, no momento em que fui para a Advocacia-Geral da União, a advocacia privada virou passado. Em nada isso vai refletir na impessoalidade para julgar qualquer causa que seja, de qualquer assunto que seja.” (Deixemos de lado os socos e pontapés no idioma. O que não pode ser esquecido é que em 2012, no julgamento do Mensalão, Toffoli absolveu todos os companheiros do PT, começando pelo ex-chefe e eterno amigo José Dirceu.)

“Estou dizendo a respeito do meu compromisso de aplicar a lei de impedimento e suspeição e também no caso de suspeição da minha consciência nos episódios que envolverem julgamentos que estão em tramitação no Supremo.” (A legislação considera sob suspeição um juiz que seja amigo íntimo de qualquer das partes. Toffoli era amigo íntimo de Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares, fora o resto. Mas participou do julgamento do Mensalão com o semblante sereno do único coroinha que nunca roubou o vinho do padre.)

Uma reportagem da revista Época descreveu o método utilizado pelos atuais juízes para a elaboração dos seus votos. O trecho reservado a Toffoli resume seu estilo: “Ele gosta de conversar com os assessores, mas não com todos juntos. Normalmente, cada um fica responsável por um tipo de processo, sob a orientação do ministro. Quando um processo é trivial, seus assessores redigem o voto, e cabe a Dias Toffoli apenas revisar o texto. Quando o assunto é muito impactante, escreve tudo sozinho”. Quem leu um texto em estado bruto produzido pelo paulista de Marília que aos 51 anos se tornou o mais jovem presidente do STF, e nos dois anos seguintes consolidaria a imagem de pior entre os piores, não consegue acreditar na última frase. Depois da posse, ele efetivamente redigiu sozinho dois ou três votos. Ganhou dos colegas o apelido de “Estagiário” e foi aconselhado a repassar a algum assessor a elaboração do texto final.

Em dezembro de 2009, o site Consultor Jurídico publicou sem revisão o voto em que Toffoli supliciou a língua portuguesa no esforço para explicar por que achava que devia ser mantida a censura imposta ao Estadão pelo desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que fora presenteado com o emprego pelo então senador José Sarney. Estava em julgamento um recurso do jornal contra a decisão de Vieira, que proibira a publicação de qualquer notícia sobre a Operação Boi Barrica, montada para investigar bandalheiras envolvendo Fernando Sarney, filho do padrinho do censor disfarçado de juiz. Três trechos reproduzidos sem correções são suficientes para avaliar-se a intimidade de Toffoli com a escrita, o raciocínio lógico e o mundo do Direito:

“[…] Assim, se entendermos que caberá a reclamação mesmo fora das hipóteses constante da parte dispositiva, qual seja, caso o fundamento da decisão reclamada seja lei ou dispositivo outro, que não a finada lei de imprensa, passará o STF a julgar diretamente, afrontando o sistema processual recursal, toda causa cuja matéria seja a liberdade de imprensa ou de expressão, como se o decidido na ADPF 130 tivesse esgotado a análise de compatibilidade de toda e qualquer norma infraconstitucional que trate do tema da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão.”

“[…] Acaso a decisão reclamada estivesse fundada na Lei de Imprensa, não teria dúvida nenhuma em conhecer da reclamação constitucional como ação constitucional apta a fazer valer o quanto decidido pelo STF na ADPF 130. Mas se disso não se trata, não cabe reclamação. E, no modelo de constitucionalidade brasileiro, todo juiz e Tribunal têm competência para analisar a compatibilidade de uma Lei em face do ordenamento constitucional vigente, aplicando-se ao caso concreto a lei, desde que compatível com a Constituição, ou afastando-a, caso incompatível. Trata-se como todos sabemos — nesta hipótese — do controle difuso de constitucionalidade, que é feito diante de uma demanda concreta e subjetiva posta em juízo por alguma parte interessada.”

“[…] Mas, na hipótese do julgamento da ADPF nº 130, houve nos diversos votos proferidos fundamentos múltiplos. Muito embora a conclusão majoritária seja em dado sentido, isso não significa que as ‘razões’ ou ‘fundamentos, tenham obtido a maioria, muito menos que foram elas submetidas a escrutínio. A segurança jurídica e a responsabilidade devem pautar e ser características a todo o Poder Judiciário. Tratando-se de uma Suprema Corte, que julga em última instância, a cautela, a responsabilidade e a segurança jurídica devem ser ainda mais presentes.”

Um advogado de Taquaritinga, fosse qual fosse o caso em julgamento, assombrava os integrantes do júri com a frase famosa na cidade: “Nem tudo é nada nem nada é tudo em matéria de principalmente”. Ninguém jamais entendeu o que queria dizer, mas todos achavam que quem berrava aquilo era um doutor e tanto. Se o meu conterrâneo tivesse a idade de Toffoli, talvez fosse ministro do Supremo. E presidente da Corte.

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Um clássico da roubalheira - J. R. Guzzo

Quando os ministros querem anular a sentença de condenação de um réu condenado em três (3) instâncias, e por nove (9) magistrados diferentes, e caso ele se chame “Lula”, basta declarar que o primeiro juiz não foi “imparcial” e pronto - a sentença é anulada. J. R. Guzzo, via Estadão:


Um dos aspectos mais curiosos dos casos de corrupção maciça nas altas esferas da República, atividade que foi elevada à categoria de arte nos treze anos e meio dos governos dos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff, é a natureza das desculpas que os acusados usam em sua defesa. Está acontecendo de novo neste instante. O ministro Vital do Rêgo Filho, do Tribunal de Contas da União – logo o de contas, para se ter uma ideia de onde foram amarrar o nosso burro – foi denunciado pelo Ministério Público pelo recebimento de ao menos R$ 3 milhões em propinas. E então, doutor Vital? Como é que fica? A resposta do ministro é aquela mesma, mais uma vez, que se transformou num grande clássico da roubalheira nacional: a investigação, diz Rêgo, já tem cinco anos, ou algo assim, e como até agora a Justiça não fez nada de prático a respeito, então está na cara que ele não tem culpa de coisa nenhuma.

É realmente um achado. A Justiça não anda por uma única e singela razão: os advogados criminais deitam e rolam no vasto facilitário de benefícios que a lei brasileira, escrita justamente por eles e por seus clientes, oferece a criminosos com milhões de reais no bolso ou com poder de mando na máquina do Estado. Ou seja: os acusados impedem que o sistema judiciário funcione, com todo tipo de truque e trapaça legal, e daí dizem que têm de ser declarados como inocentes porque a Justiça “não achou nada” contra eles. Não achou porque os corruptos não deixaram que achasse – e quando a acusação, enfim, consegue de um jeito ou de outro superar anos a fio de bloqueio jurídico e apresentar uma denúncia formal, eles se defendem com o extraordinário argumento de que a história é “velha”.

O que o ministro Vital do Rêgo Fº. e tantos outros acusados de ladroagem estão dizendo é o seguinte: os fatos desaparecem por decurso de prazo. Têm período de validade fixo; vencem, como um pote de maionese, depois de ter passado um certo tempo. No seu caso, há uma espetacular quantidade – e variedade – de detalhes em torno da acusação, mas mesmo que haja vídeo, foto, fita gravada e sabe lá Deus o que mais, vão dizer que ele não tem culpa de nada. Todos estarão mais ou menos de acordo: seus colegas de TCU, a maioria dos senadores (que, aliás, o indicaram para o cargo), deputados e, se for preciso um dia, até do Supremo Tribunal Federal. Está sendo criada ali, neste instante, uma nova doutrina do direito universal: quando os ministros querem anular a sentença de condenação de um réu condenado em três (3) instâncias, e por nove (9) magistrados diferentes, e caso ele se chame “Lula”, basta declarar que o primeiro juiz não foi “imparcial” e pronto – a sentença é anulada. Não importa o que o Código de Processo Penal estabelece, com a maior clareza possível, sobre o que é suspeição de um juiz. O que vale é o que dois ou três ministros do Supremo dizem que vale.

quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Joel Silveira: os conselhos da Víbora para um mundo antiofídico.




Em sua coluna na Gazeta, Paulo Polzonoff Jr. recorda o encontro com Joel Silveira, que detestava ser chamado de "Víbora":


Sou mesmo um afortunado. E foi nessa condição que me coube conhecer ninguém menos do que um dos ídolos da minha juventude: Joel Silveira. Ao entrar naquele apartamento cheirando a mofo na divisa entre Ipanema e Copacabana, eu era um jornalistinha de 26 anos com fama de virulento. Ao sair de lá, algumas horas mais tarde, tinha me transformado num escombro em vias de reconstrução (que levaria uns dez anos).

O convite me foi feito pelo saudoso Geneton Moraes Neto, que estava gravando um documentário sobre Joel. Subimos eu, ele e o cinegrafista num elevador apertado. A porta se abriu para um corredorzinho ladeado por livros e quadros com lembrancinhas políticas. Lembro-me claramente de um bilhete assinado por Jânio Quadros, com mesóclise e tudo.

Enquanto o cinegrafista montava o equipamento, ficamos conversando. Joel Silveira já estava com a saúde debilitada. Sua vozinha aguda de timbre metálico expressava cansaço. Suas pernas inchadas e cheias de feridas ajudavam a compor um quadro de decadência. De repente, saiu da cozinha a esposa de Joel Silveira com uma bandeja na mão. Foi o pior café que já bebi na vida, mas bebi com gosto, porque estava diante de uma lenda.

Até que surgiu na conversa a palavra que viria a definir Joel Silveira: víbora. Ele recebera essa alcunha por causa de seu estilo ácido e sua capacidade de destruir alguns dos personagens de suas matérias. Foi graças a essa agressividade, aliás, que ele acabou enviado à Europa a fim de cobrir a Segunda Guerra Mundial, tema da maioria dos livros que se acumulavam naquela sala. “E não me morra!”, teria aconselhado Assis Chateaubriand ao seu melhor repórter.

O problema é que Joel Silveira odiava o apelido. Ele o considerava um insulto. Ali na conversa pré-entrevista, ele se virou para mim, jornalistinha virulento da província, e me explicou por que rejeitava a alcunha. Nunca me esqueci da lição que trago até hoje comigo.

Ortodoxia do Veneno

Evoco a figura de Joel Silveira por causa de uma reflexão que tenho feito com frequência nos últimos tempos: qual o objetivo de tanto veneno no debate público? Não que uma dosezinha de cicuta de vez em quando não seja até divertido – para quem escreve e para quem lê. Mas o que há de virtuoso nesse ímpeto destruidor, nessa linguagem que se pretende a objetiva e purificadora, seca e letal, sem qualquer sinal de um humor misericordioso?

Por algum motivo que me escapa no momento, fomos levados a acreditar que a função da escrita (jornalismo, literatura e até aquele seu post despretensioso nas redes sociais) é eliminar do debate aqueles que percebemos como maus. Numa época em que valores subjetivos como honra valiam mais do que o sucesso nas urnas, Joel Silveira fez isso como ninguém. Ele realmente sabia contar histórias e conduzir entrevistas de modo a destruir o perfilado ou entrevistado da vez.

Assim, um tanto quanto inadvertidamente, Joel Silveira criou toda uma escola de narrativa jornalística que se baseia na ideia do “desagrado geral” como forma de consolidar uma suposta credibilidade isenta de paixões ideológicas. O que, evidentemente, não faz sentido nenhum quando o objetivo real é usar essa mesma paixão para aniquilar o adversário.

Beberam dessa fonte todos os grandes jornalistas do século XX, de Millôr Fernandes a Paulo Francis. O próprio Geneton Moraes Neto dizia que, ao entrevistar alguém, sempre se perguntava “por que esse bastardo [ele realmente falava “bastardo”] está mentindo para mim?”. Assim, Joel Silveira deu origem a uma verdadeira “Ortodoxia do Veneno”.

E o pior é que, com o tempo, o veneno das víboras foi perdendo a beleza para dar lugar ao ritual cotidiano de apedrejamento verbal. A tal ponto que hoje temos todo um serpentário orgulhoso de sua condição e que simplesmente não entende como pode existir algo fora dessa ortodoxia. São, pois, tratados como hereges todos os que buscam um tom mais conciliador – visto como sinal de submissão e bajulação.

Dedo carinhosamente em riste

Naquele dia, voltei para casa andando pela praia. O gosto do café ruim não me saía da boca. Assim como estavam impressas na minha retina as pústulas nas pernas inchadas de Joel Silveira. Que, com o dedo carinhosamente em riste, me deu o melhor conselho que um jornalistinha virulento de província poderia receber.

A vontade de restabelecer a justiça no mundo (um conceito bastante subjetivo) não pode ser maior do que a busca pela verdade. Porque, em nosso ímpeto justiceiro, não é raro tropeçarmos na injustiça da vingança. Mais do que isso, o objetivo de encontrar o que entendemos por verdade por meio da destruição do outro (dos ricos e dos poderosos, como Joel fazia tão bem) não passa de uma perversão do intelecto.

Da posição estranhamente privilegiada de quem já contemplava a própria morte e seu legado, Joel Silveira se arrependia de ser visto como alguém que, por paixão ao texto e por causa de ideia distorcida da própria intelectualidade, muitas vezes passou por cima de seus semelhantes – independentemente da culpa ou inocência deles.

[Se você gostou deste texto, mas gostou muito mesmo, considere divulgá-lo em suas redes sociais. Agora, se você não gostou, se odiou com toda a força do seu ser, considere também. Obrigado.]

domingo, 23 de agosto de 2020

'Na visão do STF, impedir o governo de funcionar é salvar a democracia', escreve J.R. Guzzo


 "Salvando a democracia"

Por ordem do Supremo Tribunal Federal, baixada pelo ministro Edson Fachin e apoiada por oito dos seus colegas de plenário, a polícia está proibida de fazer voos de helicóptero sobre as favelas do Rio de Janeiro e de montar operações de combate ao crime em torno de escolas e de postos de saúde. 
Na prática, então, ficamos assim: a partir de agora, os bandidos estão legalmente autorizados a circular nessas áreas, mas os agentes que a população paga para cumprir a lei não podem frequentar o mesmo espaço. 
É uma aberração, talvez única no mundo. 
Mas, no Brasil, esse tipo de depravação social vai se tornando cada fez mais comum, em consequência direta da militância política cada vez mais agressiva daquilo que deveria ser a sua suprema corte de Justiça. 
A maioria dos ministros do STF está convencida de que o seu dever principal é ficar contra tudo o que o atual governo faz, ou pretende fazer; como o combate ao crime é um dos seus objetivos, o tribunal toma decisões que vão na direção contrária, imaginando com isso formar a “vanguarda da oposição” no Brasil. 
Pouco lhes importa o preço que a população está pagando por isso. 
Paciência, dizem eles. Impedir o governo de funcionar, na sua visão de mundo, é salvar a democracia brasileira – e salvar a democracia, o estado de direito, as “instituições”, etc., etc. é “mais importante” que qualquer outra coisa. 
O resultado são anomalias como a que o STF acaba de criar no Rio de Janeiro. 
O direito constitucional do cidadão a ser defendido pelo Estado, por meio da polícia, não está em vigor nas favelas cariocas. 
As únicas garantias constitucionais que o Supremo reconhece ali são as que beneficiam os criminosos.

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Sede do Supremo Tribunal Federal, em Brasília Foto: Dida Sampaio/Estadão
Não vale a pena perder mais do que 30 segundos avaliando o argumento oficial – a decisão seria para salvar os moradores das favelas dos perigos que existem em operações policiais armadas. 
\É hipocrisia em estado puro. 
Quem coloca em risco a segurança dos cidadãos são os criminosos, não a polícia. 
A ideia de que a população das favelas vive em paz e em harmonia com os traficantes de drogas e toda a cadeia de bandidos que vem junto com eles só existe na cabeça dos que não moram lá – intelectuais, artistas de novela, responsáveis por telejornais do horário nobre e agora o STF, por ser de sua conveniência política. 
Na vida real, o inimigo é a bandidagem. 
É dali que vêm, todos os dias, a violência, os estupros, a extorsão, o abuso das crianças, o roubo e tantos outros horrores que as famílias têm de pagar pela ausência da autoridade e pelo governo dos criminosos.
O crime, por decisão do STF, tem agora direitos extraterritoriais nas favelas do Rio de Janeiro. 
Ali não é mais território nacional, sujeito à lei brasileira – como acontece com as embaixadas estrangeiras e as reservas indígenas, a autoridade pública não pode entrar. 
O que o cidadão comum vai pensar disso? Os ministros não podem ficar reclamando, depois, do fato de estarem hoje entre os homens públicos mais desmoralizados e malquistos do Brasil. 
Queriam o que, agindo desse jeito? Não podem cobrar respeito, nem “apreço pela democracia”, se o seu comportamento não pode ser respeitado e se a democracia é isso que eles montaram aí. 
Já era ruim quando o STF funcionava, e continua funcionando, como um escritório de advocacia para corruptos capazes de pagar honorários acima dos R$ 10 milhões. 
Consegue ficar ainda pior quando age abertamente como facção política.
“O STF está sendo utilizado pelos partidos da oposição para fustigar o governo”, disse dias atrás o ministro Marco Aurélio Mello. 
“Isso não é sadio. Não sei qual será o limite.” 
Ninguém sabe.

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

"STF, um partido político", por J.R. Guzzo

José Roberto Guzzo sai de Veja e critica a revista | Poder360"STF, um partido político", por J.R. Guzzo

Na vida real, o Supremo atua como agremiação partidária. Persegue os amigos do governo e protege os seus inimigos

O Supremo Tribunal Federal do Brasil é hoje um partido político. Abandonou, já há um bom tempo, as aparências de uma corte de Justiça, e no momento funciona praticamente em tempo integral como um escritório de despachantes que se dedica a servir os interesses ideológicos, pessoais e partidários dos seus onze ministros. 
O ministro Edson Fachin acha que as eleições de 2018 para presidente não foram “legítimas”, e que as de 2022 também não vão ser, porque o seu candidato não ganhou a primeira e, a menos que seja dado um golpe jurídico, não vai ganhar a segunda. 
O ministro Gilmar Mendes sustenta que é preciso reduzir os poderes que a lei dá ao presidente da República, como se o país estivesse num regime parlamentarista — e que é possível fazer isso sem um plebiscito ou qualquer outro tipo de aprovação popular. 
O ministro Luís Roberto Barroso quer escolher o sistema econômico que o Brasil deve seguir; o “liberalismo”, segundo ele, tem de ser eliminado.
Não importa saber, realmente, se as eleições de 2018 vão ser mesmo anuladas e se o STF vai declarar vago o cargo de presidente da República. 
Também não vem ao caso perder tempo tentando adivinhar se o Brasil vai acabar com o regime presidencialista no tapetão — ou se os ministros baixarão uma liminar mandando adotar o socialismo na economia nacional. 
Nada disso está no mundo das coisas que são possíveis na prática e neste momento. 
O que é preciso registrar é a interferência aberta, abusiva e inconstitucional do STF na política brasileira, e o uso das suas funções legais como tribunal de Justiça para favorecer os propósitos das forças que hoje se colocam contra o governo federal. 
Essa conduta não sai de graça. Agride diretamente o Estado de direito, o império da lei e a democracia no Brasil. 
Como resultado, a principal corte de Justiça brasileira é hoje, pela deformação patológica que lhe está sendo imposta por seus ministros, o principal fator de instabilidade política, econômica e social deste país.
“O STF está sendo utilizado pelos partidos de oposição para fustigar o governo”, disse dias atrás o ministro Marco Aurélio Mello. “Isso não é sadio. Não sei qual será o limite.” 
Quem está falando isso não é nenhum “blogueiro de direita” ou militante “contra a democracia”, desses que o ministro Alexandre de Moraes persegue com batidas policiais, apreensão de celulares e censura do que dizem nas redes sociais. 
É um ministro; supõe-se que o presidente Dias Toffoli e seus outros colegas não vão abrir uma investigação secreta contra o homem. Se ele, Marco Aurélio, não sabe qual é o limite, imagine-se então nós outros. 
Onde vai parar esse negócio? 
Não há precedentes, na história brasileira, de um tribunal supremo que tenha se comportado de forma tão abertamente ilegal quanto esse, nem abusado tanto dos poderes que a lei lhe confere, nem agido como uma organização política. 
Nunca tendo acontecido isso antes, também não dá para saber o que vai acontecer agora.
Fachin, como a maioria dos outros dez ministros, não aceita o Brasil como ele é

O que se tem de concreto são os fatos. O mais recente deles é o surto de manifestos do ministro Fachin a respeito de como o Brasil deveria ser governado, e por quem — e as suas sentenças de condenação contra o povo brasileiro, que ele considera uma gente insatisfatória, desprovida de virtudes cívicas e incapaz de votar direito para presidente da República. De acordo com o ministro, a eleição de 2018, que escolheu o atual governo, está com problemas. 
O ex-presidente Lula, segundo Fachin, tinha de ter sido candidato; o sujeito oculto da frase é que ele não participou porque foi uma vítima de “perseguição política”. 
A candidatura de Lula, que na ocasião estava preso num xadrez da Polícia Federal em Curitiba, cumprindo pena por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, teria “feito bem à democracia” e reforçado “o império da lei”. 
Como assim — “império da lei”? É o contrário: Lula não foi candidato, justamente, porque naquela ocasião a lei estava valendo. No caso, a Lei da Ficha Limpa, que proíbe que condenados pela Justiça em segunda instância como Lula (que, na verdade, acabaria sendo condenado em três) se candidatem a cargos públicos.
O que o ministro Fachin faz é mais do que uma falsificação da realidade. Ele está dizendo, simplesmente, que a eleição presidencial de 2018 não foi legítima. Se um candidato, de acordo com a sua opinião, foi “impedido” de concorrer, então a eleição não vale. 
Fachin não apresentou nenhuma sugestão prática sobre o que fazer a respeito desse problema. Tira o presidente do palácio? Deixa, uma vez que ele está lá mesmo? Não se sabe. 
Mas o ministro já avisa que a eleição de 2022 também pode estar “comprometida”. Pelo que se pode deduzir do que falou, Jair Bolsonaro teria laços “com milícias”, não condenou “atos de violência cometidos no passado” e faz a democracia viver “riscos”. 
Na sua opinião, o governo estaria fazendo nas intenções o que o STF faz todos os dias na prática: valer-se da legalidade para destruir o Estado de direito. Para completar, o ministro diz que o povo brasileiro é culpado de “alienação eleitoral”. 
Nas últimas pesquisas de opinião, o presidente teve índices de aprovação muito altos — e Fachin acha que ser a favor de Bolsonaro é ser alienado. 
O eleitorado, em suma, não tem qualificação para eleger o presidente da República e se Bolsonaro ganhar em 2022 a eleição não pode valer.
É um espetáculo simultâneo de autoritarismo, pregação a favor de um golpe de Estado e desprezo explícito pelo povo brasileiro — a quem Fachin acusou de apatia e de contribuir para o que considera ser uma “bárbara progressão de desconfiança no regime democrático”. 
Não ocorre ao ministro perguntar por que, afinal, existe essa desconfiança em relação à democracia — e, especialmente, se a sua conduta, e a conduta dos seus colegas de STF, não tem nada a ver com isso. 
Como poderia ser diferente? Fachin, como a maioria dos outros dez ministros, não aceita o Brasil como ele é; quer, na condição de “editor” que lhe foi dada pelo colega Dias Toffoli, criar um modelo de país e encaixar nele o Brasil que existe; quer escolher o que o povo deve pensar, e em quem ele deve votar. 
Gente assim é capaz das coisas mais esquisitas. As presentes lamentações de Fachin têm como fato gerador a decisão de um comitê da ONU, que não tem autoridade para mandar num carrinho de pipoca, decretando que a Lei da Ficha Limpa não valia e que Lula tinha de ser candidato em 2018. 
O ministro ficou a favor desse disparate — e perdeu por 6 a 1 na reunião que manteve a validade da lei brasileira no Brasil e o veto a uma candidatura ilegal. Pior que isso, num plenário de sete votos, só mesmo perdendo de 7 a 0; mas Fachin acha que todos os outros estão errados e só ele está certo.
Em matéria de desrespeito por parte da população, o STF não pode piorar

Não adianta nada ficar dizendo que “respeita” a decisão; se ele de fato respeitasse não estaria dizendo por aí as coisas que diz. Mas o Supremo de hoje é isso mesmo. 
O que esperar de uma corte de Justiça presidida por um cidadão que foi reprovado duas vezes seguidas no concurso público para juiz de direito e, portanto, considerado oficialmente incapaz de ocupar um cargo de magistrado? 
Esse mesmo tribunal parece envolvido em atingir a meta de 100% de aproveitamento nas sentenças que dá para tirar bandidos ricos da cadeia. 
O ministro Moraes conduz há quase um ano e meio um inquérito inteiramente ilegal contra militantes políticos e jornalistas de direita; mas a ministra Cármen Lúcia não quer que o Ministério da Justiça investigue suspeitos de praticar banditismo político de “esquerda”. 
Quer dizer: o STF, na vida real, persegue os amigos do governo e protege os seus inimigos. É o modelo de imparcialidade da Justiça em vigor no Brasil contemporâneo.
O Supremo Tribunal Federal é hoje a entidade pública mais desprezada do país. Em matéria de desrespeito por parte da população, não pode piorar, da mesma forma que o morto não pode morrer mais do que já morreu. Como diria o ministro Marco Aurélio: “Não é sadio”.

Revista Oeste

domingo, 16 de agosto de 2020

"Oposição a Bolsonaro é gritaria de arquibancada, que xinga o juiz, mas não muda o placar do jogo", afirma J.R. Guzzo


J.R. Guzzo sobre a eleição presidencial: “Nunca vi nada parecido ...

 "Arquibancada"

Os adversários do presidente Jair Bolsonaro estão fazendo tudo o que podem para garantir sua reeleição em 2022, caso ele seja mesmo candidato e caso haja mesmo eleição – coisa que em condições normais de temperatura e pressão parece muito difícil de se evitar, pelo menos segundo o panorama visto de hoje. 
O tempo passa, o mundo gira, as sociedades são agredidas por uma calamidade sanitária sem paralelo na memória recente e as forças que deveriam ser a oposição deste governo continuam cometendo todos os erros necessários para conseguir o que pode haver de pior na atividade política – ficar do lado que perde. 
Começaram a errar logo nos primeiros dias de governo. 
De lá para cá, vêm dobrando a aposta a cada 24 horas. 
O resultado concreto deste esforço continuado para cravar sempre nas alternativas políticas erradas, entre todas as que são disponíveis, é que Bolsonaro tem hoje os melhores índices de aprovação que já conseguiu em seu governo. 
Deveria cair, com as desgraças que são anunciadas todos os dias, mas está subindo. 
Acaba de chegar aos 37%, cinco pontos acima do que tinha no fim de junho – números que, na aritmética das pesquisas de opinião, nenhum político quer que os inimigos tenham. 
A covid-19, desde o início, foi a grande esperança da confederação anti-Bolsonaro; tinham certeza, ali, que seria uma grande ideia jogar a culpa da epidemia nas costas do presidente. 
Hoje, 105 mil mortos depois, constata-se que aconteceu o contrário do que imaginavam. 
Churchill costumava dizer que não existe sensação melhor nesta vida do que atirarem em você e errarem o alvo – e é assim, possivelmente, que os inimigos de Bolsonaro estão fazendo com que ele se sinta. 
Atiram de todos os lados, sem parar, e não acertam uma. A aposta no vírus foi talvez a pior de todas as que já fizeram – uma ideia bichada desde o começo, porque fica difícil fazer o público entender que o governo federal tenha culpa numa tragédia que foi administrada com exclusividade pelos governadores e prefeitos, por decisão do Supremo Tribunal Federal. 
Acharam, a oposição e os 11 ministros, que tinham feito um lance de gênio; na prática, tudo o que conseguiram foi um gol contra. 
Tem sido assim, faça sol ou faça chuva, o tempo todo. 
Por algum motivo que até agora continua obscuro, os adversários vêm insistindo em atacar Bolsonaro por culpas que o homem não tem, em vez de ir atrás das culpas que ele realmente poderia ter – coisa que é muito mais difícil, dá um trabalho danado e não se resolve com manchetes na mídia ou caras de espanto no telejornal do horário nobre. 
O presidente, nessa balada, é acusado de ser contra os negros, as mulheres, os índios, os gays, os quilombolas, os povos árabes, os estudantes, os professores, a ciência e a quarentena. 
Dizem que ele incentiva a destruição da Amazônia, prega o ódio entre as pessoas e prejudica as exportações de frango. 
É condenado por não fazer política e por fazer política. 
A última acusação que lhe fizeram é a de praticar genocídio. 
A grande dificuldade nisso tudo é que os inimigos do governo não apresentaram, até agora, nenhum fato objetivo, coerente e indiscutível para convencer o cidadão de que algum dos delitos mencionados acima foi realmente cometido. 
Qual deles? 
Quando?
Como? 
Onde? 
Agir desse jeito não é fazer oposição – atividade que exige a apresentação de propostas concretas de governo, a demonstração de que essas ideias são melhores que as do adversário e a presença de um candidato capaz de conseguir pelo menos 70 milhões de votos em 2022. 
Sem isso é só gritaria de arquibancada, que xinga o juiz, mas não muda o placar do jogo.

O Estado de S.Paulo

sábado, 15 de agosto de 2020

Gilmar Mendes e os 40 bandidos soltos - Ana Paula Henkel

Gilmar Mendes e os 40 bandidos soltos

Como explicar a atuação do libertador-mor do STF a norte-americanos acostumados a uma Suprema Corte técnica e conservadora? Em texto publicado pela Oeste, Ana Paula Henkel explica o problema:


Há mais de uma década morando nos Estados Unidos, sempre que vou ao Brasil meus amigos perguntam sobre frases e expressões que os norte-americanos usam no cotidiano, ditados ou jargões como “agora só preciso da sua John Hancock”, ou “John Hancock na linha e está tudo certo”, expressões muito usadas quando nos referimos à assinatura de algum documento. John Hancock, um dos Pais Fundadores dos Estados Unidos, foi uma das figuras importantes da Revolução Americana e o primeiro a assinar a Declaração de Independência em 1776. Sua assinatura não foi apenas a primeira, mas é a maior e mais visível no importante documento.

O mesmo acontece aqui na América. Meus amigos sempre perguntam quais as expressões populares que usamos no Brasil, aquelas que caem na boca do povo e são faladas no cotidiano. Alguns deles, fãs de esporte como eu, incorporaram o “fulanão da massa” que usamos no Brasil quando nos referimos a atletas que em algum momento mágico de uma partida fizeram a diferença no jogo. Confesso que é impagável ver meus amigos norte-americanos dizendo “Lebronzão da massa”, enaltecendo as incríveis jogadas de LeBron James, astro da NBA, ou quando se referem a Tom Brady, marido de Gisele Bündchen para os brasileiros, mas lenda e ídolo do futebol norte-americano para os ianques, como “Tomzão da massa”.

E, nessa troca quase diária de experiências, minha vida fica complicada quando me pedem para explicar aspectos da política brasileira. Quando o assunto é o STF então… forget about it.

Nesta semana, depois de TENTAR explicar mais uma vez o inquérito das fake news e Alexandre de Moraes a amigos, um deles me perguntou se todos os ministros da mais alta corte do Brasil eram tiranetes como ele. Eu disse que não, nem todos. Alguns adoram legislar, outros adoram editar e há os que preferem soltar bandidos e investigados com lama até o pescoço. Me perguntaram então quem era esse ministro da Suprema Corte brasileira, e eu, usando uma boa e velha expressão norte-americana que quer dizer “bem, vamos lá…”, disse: hold my beer.

Comecei pela mais recente estripulia dele. Comentei que o ministro Gilmar Mendes tinha decretado a soltura do secretário de Transportes de São Paulo, Alexandre Baldy, preso por suspeita de fraudes em contratos da área de saúde e de receber pelo menos R$ 1,4 milhão em propina.

Aí fiz um parêntese e contei que a Justiça havia condenado a União a pagar R$ 59 mil por ofensas do ministro ao coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Paraná, Deltan Dallagnol. Não bastassem as caras de espanto como se estivessem montando um quebra-cabeça mental sobre um ministro zombando e ofendendo um homem da lei, parte da operação (e que meus amigos conhecem muito bem!) que deu um banho de justiça no Brasil, alguém na mesa indagou: “But wait… Mas ‘a Justiça condena a União a pagar’ não quer dizer que vocês contribuintes vão pagar essa conta?!”. Yep, eu respondi.

Curiosos e apaixonados pelo Brasil, essa foi a faísca para alguém puxar o telefone enquanto conversávamos e fuçar o Google. Não demorou para o dono do aparelho, curiosamente um bisneto de um tenente que lutou na 2ª Guerra Mundial contra os nazistas, indagar com os olhos fitados na tela do celular: “Ele o quê? Ele disse que o Exército brasileiro se associou a um genocídio?”, referindo-se às declarações de Gilmar Mendes sobre a atuação de militares no Ministério da Saúde durante a pandemia.

Pronto, o papo na mesa agora era o excelentíssimo ministro da Corte mais alta da nação brasileira e suas mais baixas ações. E, como nossos magnânimos tiranetes ainda não conseguiram amordaçar o Google, a pesquisa não demorou a mostrar a pesada realidade jurídica brasileira. Ali, diante de nós em números e palavras, o festival de hipocrisia e o verdadeiro genocídio contra o progresso e a ordem.

Are you ready?

Gilmar Mendes mandou soltar Marcos Valério, nome-chave do Mensalão e acusado de facilitar a fabricação de inquérito falso na Operação Avalanche, preso por suspeita de ter intermediado uma negociação para corromper policiais federais e favorecer uma cervejaria.

Gilmar Mendes mandou soltar o médico estuprador Roger Abdelmassih.

Gilmar Mendes mandou soltar Sérgio Côrtes, ex-secretário de Saúde do Rio de Janeiro na gestão de Sérgio Cabral, acusado de fraudes milionárias em licitações para fornecimento de próteses para o Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia e para a Secretaria de Saúde do Estado.

Gilmar Mendes mandou soltar Eike Batista, ignorando o fato de que sua mulher trabalhava no escritório que defendia os interesses do empresário. Eike foi preso na Operação Eficiência, desdobramento da Lava Jato no Rio, acusado de repassar US$ 16,5 milhões em propina ao ex-governador Sérgio Cabral por meio de contratos fraudulentos com o escritório de advocacia da mulher de Cabral, Adriana Ancelmo.

Gilmar Mendes mandou soltar Adriana Ancelmo, condenada a 18 anos de prisão por associação criminosa e lavagem de dinheiro.

Gilmar Mendes mandou soltar — três vezes — o empresário Jacob Barata Filho. O Rei do Ônibus, como é conhecido, foi preso na Operação Cadeia Velha, que expôs um esquema de propina entre empresas de ônibus e políticos do Rio de Janeiro em uma teia que envolvia também o ex-governador Sérgio Cabral.

Gilmar Mendes mandou soltar Hudson Braga, ex-secretário de Obras do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, preso na Operação Calicute, braço da Lava Jato no Rio, que investigou o desvio de recursos públicos federais em obras realizadas pelo governo de Cabral.

Gilmar Mendes mandou soltar José Riva, conhecido como o “maior ficha-suja do país”. Riva responde a mais de cem ações na Justiça por corrupção e improbidade. É acusado de participar de um esquema de licitações fraudulentas que desviou R$ 60 milhões. Foi preso na Operação Ararath, que apurava crimes contra o sistema financeiro e lavagem de dinheiro. Ele tinha como advogado Rodrigo Mudrovitsch. Por incrível coincidência, Mudrovitsch foi advogado do ministro Gilmar Mendes em alguns processos e é professor no Instituto Brasiliense de Direito Público, ligado a Gilmar.

Gilmar Mendes mandou soltar o ex-governador do Rio Anthony Garotinho, preso na Operação Chequinho, que apurou crimes de corrupção, organização criminosa e fraudes na prestação de contas eleitorais.

Not done yet.

Em 2008, com dois habeas corpus em 48 horas, Gilmar Mendes tirou da cadeia o banqueiro Daniel Dantas, acusado de envolvimento nos crimes investigados pela Operação Satiagraha — anulada pelo STJ em 2011 e que já mostrava alguns caminhos que a Lava Jato vem desvendando. Naquela mesma semana, em 2008, o ministro concedeu habeas corpus em favor do ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta, do investidor Naji Nahas e de outras oito pessoas também presas durante a finada operação que poderia ter sido o início da Lava Jato. Além de gestão fraudulenta e uso de informações privilegiadas, o grupo solto por Gilmar respondia por formação de quadrilha, evasão de divisas e lavagem de dinheiro.

Até meados de 2018, Gilmar Mendes já havia libertado quase 40 presos da Operação Lava Jato. Presos e investigados por crimes graves que envolviam quantias estratosféricas de dinheiro.

Entre um café e outro, meus amigos ianques liam, estupefatos, o que nos deixa inquietos e atônitos no Brasil. Bem ali, diante da tela de celular de todos, as manobras toscas de quem deveria zelar pela ordem jurídica no país. Descobriram que o ministro que defendeu o uso de mensagens hackeadas contra a Lava Jato e Sergio Moro não apenas defendeu a soltura do presidente-bandido do Brasil, Lula, mas votou contra a prisão em segunda instância, concedendo liberdade a milhares de criminosos e ao bandido imaculado e ilibado de estimação da Corte.

Pedimos a conta de nossos muitos cafés e, na despedida, um amigo não poderia ter sido mais feliz no retrato do ministro: “Excelência, ministro… nada disso. Gilmar Mendes é o Gilmarzão da massa com a John Hancock que adora soltar bandido”. Touchdown.

As universidades e suas mentes cativas - Joanna Williams

As universidades e suas mentes cativas



Novo relatório comprova: a ideia de que existe censura nas universidades não é um mito da direita, escreve Joanna Williams na Spiked, artigo traduzido para a Oeste. Como alguém que viveu em universidades por quase 40 anos, como aluno e professor, assino embaixo do artigo. Hoje vejo as universidades - com as raras exceções por áreas de conhecimento - como antros ideológicos, sem distinguir entre públicas, privadas ou confessionais:


A censura no câmpus, de acordo com alguns, é apenas um mito da direita. Reivindicações de petições, protestos e boicotes à liberdade de expressão de estudantes são simplesmente um pânico moral. Nessa fantasia, a liberdade de expressão está viva e em uma universidade perto de você. Pode ser o caso, admitem esses acadêmicos e comentaristas, que a historiadora Selina Todd, de Oxford, precise ser acompanhada por um guarda de segurança nas palestras. Pode ser verdade, eles reconhecem a contragosto, que a professora de direito Rosa Freedman, da Universidade de Reading, teve a porta de seu escritório coberta de xixi. Mas esses exemplos estão fora de proporção, argumentam e, além disso, foram mal interpretados — fazer ameaças de morte e urinar nas portas são na verdade formas de liberdade de expressão, não tentativas de encerrar o debate. Ufa!

Um novo relatório do Policy Exchange ataca os negacionistas da censura. A Academic Freedom no Reino Unido vai além de uma contagem direta de petições e convites rescindidos. Em vez disso, explora uma cultura de câmpus moldada por “amplo apoio à discriminação por motivos políticos na publicação, contratação e promoção”. Uma pesquisa encomendada pelos autores do relatório mostra que “apenas 54% dos acadêmicos disseram que se sentiriam confortáveis sentados ao lado de um conhecido apoiador do Brexit no almoço”. Apenas 37% se sentiriam confortáveis sentados ao lado de alguém que, em relação aos direitos dos transgêneros, defende pontos de vista feministas críticos de gênero. “Isso é importante, eles nos dizem, porque um clima de intolerância política ameaça a liberdade acadêmica e provavelmente resulta em autocensura”, aponta o relatório.

Muitas vezes, aqueles que argumentam que não há crise de liberdade de expressão no câmpus veem as ameaças à liberdade acadêmica de maneira estritamente formal. De acordo com essa visão, a menos que os coordenadores das universidades — ou, melhor ainda, os ministros do governo — evitem especificamente que as palestras continuem ou os artigos sejam publicados, tudo está bem. O último relatório do Policy Exchange é útil porque mostra que as ameaças à liberdade de expressão não vêm devidamente sinalizadas. Mais frequentemente, emanam de um contexto cultural mais amplo do câmpus e envolvem a autocensura dos indivíduos, em vez de correr o risco de se tornarem alvo de petições públicas.

Infelizmente, os negacionistas da crise não veem nada de errado com a cultura do câmpus como ela é atualmente. Para eles, acreditar que o sexo não é atribuído no nascimento, que a Grã-Bretanha é melhor na União Europeia, que o aquecimento global é a maior ameaça que o planeta enfrenta e que o racismo estrutural é endêmico, tudo isso é simplesmente bom senso. Esses não são tópicos para debate político, mas valores que todas as pessoas decentes têm. Às vezes, esses valores são formalmente articulados em declarações de igualdade e diversidade ou esclarecidos por meio de workshops de inclusão obrigatória. Porém, com mais frequência, a suposição de uma visão moral compartilhada fica clara por meio de piadas, comentários no intervalo para o café, cartazes pregados nas portas e petições que circulam entre os funcionários. Questione essa decência de senso comum e — como indica o relatório do Policy Exchange — não são apenas os convites para almoço que acabam, mas também as promoções, publicações e oportunidades de financiamento.

A censura do câmpus não é um mito de direita, mas, da mesma maneira, a conformidade ideológica não é uma conspiração de esquerda. Ao longo de um período de muitas décadas, professores com uma compreensão particular do que significava ser um acadêmico — com dedicação à busca do conhecimento e um compromisso com o rigor intelectual e a objetividade — foram substituídos por uma geração mais jovem que vê a erudição como mais explicitamente vinculada ao compromisso com a justiça social. Eles são mais propensos a ver acenos de objetividade como, na melhor das hipóteses, hipócritas e, na pior, uma pretensão perigosa. A justiça social exige o recrutamento de grupos historicamente sub-representados ao escolher novos funcionários e alunos, resultando em câmpus que parecem diversos, mas são cada vez mais ideologicamente homogêneos. Os alunos que se encaixam tendem a ser aqueles que compartilham as preocupações políticas e intelectuais de seus professores. Então se tornam a próxima geração de acadêmicos. Ao mesmo tempo, aqueles que não se enquadram frequentemente optam por sair completamente da academia.

O domínio de um grupo de pessoas de pensamento semelhante não se restringe às universidades. A mesma visão progressista do mundo, reproduzida por mentes aprisionadas, agora é compartilhada por aqueles que dirigem a BBC, ramos do serviço público, muitas ONGs e instituições de caridade, altos escalões da polícia, agências de publicidade e empresas de mídia social. Isso, por sua vez, dá peso à percepção de que os valores da elite não são políticos, mas simplesmente moralmente corretos. Por essa razão, aqueles que nunca tiveram uma visão que de alguma forma desafia o consenso não veem problema com a liberdade de expressão nas universidades. Jo Grady, secretária-geral da University and College Union, foi rápida em descartar as conclusões do relatório do Policy Exchange: “A ideia de que a liberdade acadêmica está ameaçada é um mito”.

O Policy Exchange deve ser elogiado por levantar o problema das ameaças atuais à liberdade de expressão, que muitas vezes são experimentadas individual e subjetivamente. Uma questão muito mais difícil é como mudar a cultura no câmpus. O Policy Exchange propõe que um diretor nacional para a liberdade acadêmica seja nomeado pelo secretário de Estado da Educação e estabelecido dentro do Office for Students (órgão regulador da educação superior no Reino Unido).

Fazer valer a liberdade acadêmica é tentador, ainda que se corra o risco de emprestar justificativa moral para aqueles que reivindicam perseguição. Pouco é feito para contestar o clima no câmpus. Almoços forçados da equipe não farão com que os colegas gostem uns dos outros ou mesmo farão com que deem opiniões opostas a uma audiência justa. Piadas, petições e cartazes poderiam ser proibidos, mas isso restringiria, e não aumentaria, a liberdade de expressão. Crucialmente, as universidades fazem parte — não estão separadas — da sociedade. Precisamos defender a liberdade de expressão em todos os lugares e desafiar o domínio que uma elite inabalável exerce sobre todas as nossas instituições. Mais do que novas nomeações políticas, isso requer atos individuais de coragem. Em vez de nos autocensurarmos ou lamentarmos a autocensura, a responsabilidade deve recair sobre todos nós para dizer o que pensamos.

Aberração "cultural": vítimas de estupro são acusadas de racismo


Sarah Champion, inimiga número 1 das gangues paquistanesas na Inglaterra.
Em se tratando de estupro, se a vítima for branca e o estuprador não, ela não é vítima de maneira alguma. Pior do que isso, ela é "racista" e "odienta" que, pelo sim, pelo não, mereceu e ainda foi pouco. "Jogar a culpa na vítima" está de volta com tudo e ganhando terreno em todo Ocidente. Artigo de Robert Ibrahim, publicado pelo Gatestone Institute:


Uma ideia cada vez mais difundida postula que sempre que há um conflito, só as minorias é que podem ser as vítimas. Tal noção não é de modo algum limitada aos recentes distúrbios ocorridos nos Estados Unidos. Elementos que compõem essa maneira de pensar aparecem também em outros contextos.

Senão vejamos, as britânicas por exemplo, incluindo as vítimas de estupro que chamaram a atenção para as gangues de estupradores de meninas "asiáticas" (paquistanesas e sul-asiáticas) também estão sendo atacadas pelo "zeloso" establishment.

No início do corrente mês no Reino Unido, Sarah Champion, uma política do Partido Trabalhista e parlamentar de Rotherham (epicentro do abuso e exploração sexual de menores de idade), foi acusada de "jogar lenha na fogueira do ódio racial" e de "agir como um assassino neofascista." O crime dela? Ela ousou asseverar que a "Grã-Bretanha enfrenta um problema com homens paquistaneses britânicos que estupram e exploram meninas brancas."

Os mesmos elementos que acusam Champion de ser "assassina", também tacharam o programa para combater o extremismo do Reino Unido, Prevent, de ser "construído nos princípios da Islamofobia e do racismo."

Poucas semanas antes apareceu o artigo "eu fui estuprada por uma gangue de Rotherham de abusadores e exploradores de menores de idade, agora eu ainda sofro de ataques racistas na Internet,". No artigo, uma britânica (de cognome "Ella") revelou que os muçulmanos que a estupraram a chamavam de "prostituta branca, p***a branca," enquanto, ainda moça, foi estuprada mais de 100 vezes por uma gangue paquistanesa de abusadores e exploradores de menores de idade.

"Temos que entender os crimes com agravante racial e religioso se quisermos preveni-los e proteger as pessoas e também se quisermos levar os criminosos às barras da justiça de forma correta," salientou ela em uma entrevista recente.
"Prevenção, proteção e ações penais estão sendo obstruídas porque não estamos levando a sério a adequada maneira de abordar os aspectos religiosos e racistas dos crimes de gangues de abusadores e exploradores de menores de idade... É como se estivéssemos dizendo: não tem nada de mais odiar pessoas de pele branca."
A intensão da Ella de destacar os "aspectos religiosos e racistas" dos abusos sofridos por ela e de abusos semelhantes sofridos por outras meninas resultou somente em "intermináveis injúrias de extremistas de extrema-esquerda, da comunidade acadêmica feminista radical," ressaltou ela. Esses grupos "acessam a Internet e procuram resistir a qualquer um que eles considerem nazista, racista, fascista ou supremacista branco".
"Eles não estão nem aí com o racismo contra os brancos, porque ao que tudo indica acreditam que tal racismo sequer existe. Eles querem me desconcertar e me criticar sem dar trégua e isso está assim já há alguns meses. Eles tentaram me intimidar e me calar... Nunca tinha visto tamanho ódio na Internet em toda a minha vida. Eles me acusam de 'defender pedófilos brancos' e de ser uma 'sinistra entidade demoníaca.'"
Jogar a culpa ou ao menos a responsabilidade em cima da vítima não é uma prática que se limita ao Reino Unido. Segundo um estudo realizado "na cidade sueca de Uppsala em 9 de agosto de 2019... quatro mulheres foram estupradas em quatro dias." Embora a polícia não tenha apresentado o retrato falado dos estupradores, o que denota normalmente forte indício sobre as origens dos estupradores, ela emitiu alertas às mulheres para que "atentem à maneira de se comportarem," que "sejam pró-ativas" e não "saiam de casa sozinhas."

Conselhos quanto ao consumo de bebidas alcoólicas, drogas e comportamento irresponsável seriam mais convincentes se não fossem feitos em forma de coação.

Depois que vândalos atacaram sexualmente cerca de mil mulheres na virada do ano de 2016 na cidade de Colônia na Alemanha, a prefeita da cidade, Henriette Reker, pediu às mulheres para que "estejam melhor preparadas, especialmente com a chegada do carnaval em Colônia. Para tanto iremos publicar na Internet orientações para que essas jovens possam se informar e se preparar a fim de evitar maiores problemas no futuro", salientou ela.

Na Áustria, depois que uma mulher de 20 anos que estava em um ponto de ônibus em Viena foi atacada, espancada e assaltada por quatro muçulmanos, entre eles um que "começou a passar a mão em seus cabelos e dizer que em seu meio era dificílimo encontrar mulheres loiras", a polícia respondeu recomendando à vítima para que ela tingisse os cabelos.
"Primeiro fiquei assustada, mas agora estou mais é furiosa. Após o ataque, a polícia me disse que mulheres não deveriam andar sozinhas nas ruas depois das 20h00. E ainda me deram mais dois conselhos: que eu deveria tingir os cabelos com uma cor escura e não usar roupas provocantes. Indiretamente isso significa que em parte a culpa pelo que me aconteceu é minha. Isso é um baita insulto."
Na Noruega, Unni Wikan, professora de antropologia social da Universidade de Oslo, insiste que as "norueguesas devem assumir sua parcela de responsabilidade por esses estupros," porque os muçulmanos acham provocante a maneira delas se vestirem. E o que mais dizer quanto à alegação feminista de que as mulheres são livres para se vestirem o quão sedutoras quiserem e ai daquele que entender mal, salvo se ele pertencer a um grupo minoritário racial ou religioso.

A conclusão da professora Wikan não significa que os homens muçulmanos precisam se ajustar às normas ocidentais, mas exatamente o contrário: "as mulheres norueguesas precisam entender que vivemos numa sociedade multicultural e que precisamos nos adaptar a ela."

Em se tratando de estupro, então, se a vítima for branca e o estuprador não, ela não é vítima de maneira alguma, Pior do que isso, ela é "racista" e "odienta" que, pelo sim, pelo não, ao que tudo indica, mereceu e ainda foi pouco. "Jogar a culpa na vítima" está de volta com tudo e ganhando terreno em todo Ocidente.

Raymond Ibrahim, autor do livro recentemente publicado Sword and Scimitar, Fourteen Centuries of War between Islam and the West, é Ilustre Senior Fellow do Gatestone Institute, Shillman Fellow do David Horowitz Freedom Center e Judith Rosen Friedman Fellow do Middle East Forum.