sexta-feira, 8 de março de 2019

A ESPOSA É COMO O FOGO - CHESTERTON

A esposa é como o fogo

A esposa é como o fogo



Ou, melhor dizendo, o fogo é como a esposa

Trecho do capítulo “Feminismo ou erro em relação à mulher” do livro “O Que Há de Errado com o Mundo”.
A tradição decidiu que somente metade da humanidade precisa ser monomaníaca. Decidiu que em cada lar há de haver um comerciante e um faz-tudo. Mas também decidiu, entre outras coisas, que esse faz-tudo deve ser uma faz-tudo. Acertadamente, ou não, decidiu que essa especialização e esse universalismo deveriam ser divididos entre os sexos, que se deveria deixar a inteligência para os homens e a sabedoria para as mulheres; pois a inteligência mata a sabedoria, e essa é uma das poucas coisas certas e tristes.
Mas esse ideal de capacidade compreensiva (ou senso comum), que é próprio das mulheres, deve ter se esvaído há muito, deve ter derretido nas pavorosas fornalhas da ambição e do ávido tecnicismo. Um homem tem de ser, até certo ponto, um homem de uma só idéia, visto que é um homem de uma só arma — e é lançado nu à luta. As demandas do mundo chegam diretamente a ele; a sua mulher, chegam indiretamente. Em suma, ele tem de dar “o melhor de si” (como pregam os livros de receita de sucesso); e que pequena parte de um homem é “o melhor de si”! Seu segundo e seu terceiro “melhor” são frequentemente muito melhores. Se ele é o primeiro violino, terá de tocá-lo a vida inteira; não precisará se lembrar que é um ótimo quarta gaita-de-foles, um razoável quinquagésimo taco de bilhar, um florete, uma caneta-tinteiro, uma mão no uíste, uma arma e uma imagem de Deus (…).

(…) Mas há somente uma forma de conservar no mundo aquela elevada leveza e aquela perspectiva mais calma que corresponde à antiga visão do universalismo; e esta consiste em permitir que exista uma metade da humanidade parcialmente protegida, uma metade a que as agressivas demandas da indústria decerto afligem, mas apenas indiretamente. Em outras palavras, em cada núcleo da humanidade é essencial a presença de um ser humano apoiado num plano mais amplo, alguém que não “dê o melhor de si”, mas que se dê por inteiro.
Nossa antiga analogia do fogo continua sendo a mais funcional. O fogo não precisa luzir como a eletricidade ou ferver como a água; importa que ilumine mais do que a água e aqueça mais do que a luz.
A esposa é como o fogo, ou, colocando as coisas em sua devida proporção, o fogo é como a esposa.


Como o fogo, é de esperar que a mulher cozinhe, e cozinhe melhor do que seu marido, enquanto ele lhe obtém o coque à custa de conferências sobre botânica ou quebrando pedras. Como o fogo, espera-se que a mulher conte a filhos histórias- nãos histórias que primem pela originalidade ou sejam obras de arte, mas simplesmente histórias, histórias mais interessantes do que contaria um chefe de cozinha. Como o fogo, espera-se que a mulher ilumine e ventile — não com alarmantes revelações ou com os mais selvagens sopros de pensamento, mas que o faça melhor que um homem faria depois de quebras pedras ou fazer prelações.
O que não se pode esperar de uma mulher é que suporte algo como esse dever de cunho universal, quando tem igualmente de suportar a crueldade direta de um trabalho competitivo ou burocrático. A mulher deve ser cozinheira, mas não uma cozinheira competitiva; professora, mas não uma professora competitiva; decoradora de interiores, mas não uma decoradora competitiva; costureira, mas não uma costureira competitiva. Ela não deve ter um ofício, mas vinte hobbies. E, ao contrário do homem, ela pode-se permitir desenvolver todas as qualidades em que alcançaria um modesto segundo lugar.
Isto é o que na verdade se pretendia com aquilo a que chamam “reclusão, ou mesmo “opressão” da mulher. As mulheres não foram mantidas nos lares par conservá-los estreitos; ao contrário, foram mantidas nos lares para conservá-los amplos. Do lado de fora do lar, o mundo era uma massa de exigüidades, um labirinto de vias estreitas, um manicômio de monomaníacos. E foi somente com limitá-la e protegê-la parcialmente, que ela se fez capaz de desempenhar cinco ou seis profissões e, com isso, aproximar-se tanto de Deus quanto a criança quando brinca de cem coisas diferentes. Mas as ocupações da mulher, ao contrário das da criança, eram todas verdadeiramente — e quiçá terrivelmente — frutíferas; tão tragicamente reais que nada as impediria de se tornarem meramente mórbidas, não fosse a universalidade e o equilíbrio da mulher. Isso é o que há de substancial na discussão que proponho sobre o papel histórico das mulheres.
Não nego que mulheres foram prejudicadas ou mesmo torturadas. Mas duvido que em algum momento tenham sofrido tortura maior do que esta que lhes impõe a absurda tentativa moderna de fazer delas a um só tempo imperatrizes do lar e funcionárias competitivas.
Não nego que, mesmo sob a antiga tradição, as mulheres tiveram vidas mais árduas que os homens; e é por esse motivo que lhes tiramos nossos chapéus. Não nego que todas essas variadas funções femininas foram exasperantes; mas afirmo que havia algum fim e sentido em conservar tal variedade. Tampouco nego que a mulher tenha sido uma serva; mas ela, ao menos, era uma serva faz-tudo. (…)



(…) Elas possuem a propriedade de, como o remédio, varias sua atuação de acordo com a doença. Para o marido mórbido, há que ser uma otimista; mas uma pessimista salutar para o marido tomado de uma alegria irresponsável e cega. Ela tem de impedir que o Dom Quixote seja pisado e que o brigão pise os outros. O rei da França escreveu: “A mulher sempre varia / louco o que nela se fia”. Que a mulher sempre varia é fato; porém, é exatamente tal fato que justifica sempre confiarmos nela.
Corrigir toda a aventura e extravagância ministrando o antídoto do senso comum não é — como os modernos parecem pensar — estar na posição de um espião ou de um escravo; é estar na posição de Aristóteles ou — baixando ao mais rasteiro dos níveis — de Herbert Spencer, é ser uma moral universal, todo um sistema de pensamento. O escravo bajula, o moralista integral censura. Em suma, é ser um trimmer, no sentido primeiro e verdadeiro deste ilustre termo — o sentido de “estivador” — que por alguma razão é sempre empregado numa acepção exatamente contrária — a de oportunista, vira-casaca. De fato, parecem supor que um trimmer seja uma pessoa covarde que sempre passar para o lado mais forte, quando, na verdade, o termo originalmente faz referência a um homem altamente cavalheiro que sempre passa para o lado mais fraco, tal como aquele que redistribui a carga de um barco indo sentar-se onde poucos estão sentados. A mulher é um trimmer, um estivador, e seu ofício é generoso, perigoso e ao mesmo tempo romântico.
(O que há de errado com o mundo —G.K. Chesterton)

terça-feira, 5 de março de 2019

A diferença básica entre globalismo e globalização econômica: um é o oposto do outro - Thorsten Polleit


   
A diferença básica entre globalismo e globalização econômica: um é o oposto do outro
Defender o segundo não implica defender o primeiro
Com a ascensão do populismo nos países desenvolvidos, a globalização econômica caiu em descrédito. Cada vez mais pessoas estão rejeitando a globalização com o argumento de que ela não apenas é injusta como também representa a fonte de todos os males — sendo inclusive a fonte de crises econômicas e imigrações em massa.
Esse tipo de condenação generalizada e abrangente da globalização, porém, apresenta dois erros graves: ela não só é factualmente errada — a globalização econômica comprovadamente aumentou o padrão de vida da população mundial — como também é conceitualmente errada.
Existe o globalismo e existe a globalização. O globalismo é um conceito político. Já a globalização é um conceito econômico.
Globalização econômica
A globalização econômica significa "divisão do trabalho em nível mundial".
A população de cada país se especializa naquilo em que é boa, adquirindo assim uma vantagem comparativa em relação às outras: faço aquilo em que sou melhor que os outros e vendo para eles; e compro dos outros aquilo que eles fazem melhor do que eu. Todas essas transações econômicas devem ser feitas o mais livremente possível, sem a intervenção de governos na forma de tarifas protecionistas e de outras barreiras alfandegárias. (Veja aqui um exemplo prático).
A consequência deste arranjo foi, é e sempre será um aumento no padrão de vida de todos os envolvidos.
Hoje, nenhum país é capaz de viver em autarquia, produzindo absolutamente tudo de que sua população necessita para viver decentemente. Caso um país realmente tentasse produzir tudo o que consome, isso não apenas seria um monumental desperdício de recursos escassos, como também levaria a custos de produção e, consequentemente, preços exorbitantes, afetando drasticamente o padrão de vida da população.
Pense em uma simples camisa. Fabricada na Malásia utilizando máquinas feitas na Alemanha, algodão proveniente da Índia, forros de colarinho do Brasil, e tecido de Portugal, em seguida sendo vendida no varejo em Sidney, em Montreal e em várias cidades dos países em desenvolvimento (ao menos naqueles que são mais abertos ao comércio exterior), a camisa típica da atualidade é o produto dos esforços de diversas pessoas ao redor do mundo.  E, notavelmente, o custo de uma camisa típica é equivalente aos rendimentos de apenas umas poucas horas de trabalho de um cidadão comum do mundo industrializado.
Obviamente, o que é verdadeiro para uma camisa vale também para incontáveis produtos disponíveis à venda nos países capitalistas modernos.
Como é possível que, atualmente, um trabalhador comum seja capaz de adquirir facilmente uma ampla variedade de bens e serviços, cuja produção requer os esforços coordenados de milhões de trabalhadores? A resposta é que cada um desses trabalhadores faz parte de um mercado tão vasto e abrangente, que faz com que seja vantajoso para muitos empreendedores e investidores ao redor do mundo organizarem operações de produção altamente especializadas, as quais são lucrativas somente porque o mercado para seus produtos é de escala global.
Esta especialização tanto do trabalho quanto da produção, ao longo de diferentes setores industriais ao redor do mundo, é exatamente o fenômeno da globalização econômica.
(Recentemente, um homem resolveu fabricar, do zero, um simples sanduíche. Ele plantou o trigo para fazer o pão, retirou o sal da água do mar, ordenhou uma vaca para fazer o queijo e a manteiga, matou uma galinha para retirar o filé de frango, fez o próprio picles e teve até de extrair o mel do favo. Seis meses e US$ 1.500 depois, o sanduíche ficou pronto. E, a julgar pela reação dele próprio, a qualidade do produto final foi medíocre).
O fato é que, hoje, nenhum país produz apenas para satisfazer suas próprias necessidades, mas também para atender a produtores e consumidores de outros países. E cada país se especializa naquilo que sabe fazer melhor.
A globalização econômica, com o livre comércio sendo seu componente natural, aumenta a produtividade de todos os envolvidos. E, consequentemente, aumenta também o padrão de vida de todos. Sem a globalização econômica, a pobreza neste planeta não teria sido reduzida com a intensidade em que foi nas últimas décadas.
Por fim, vale ressaltar que todo e qualquer indivíduo é, em si mesmo, um defensor árduo da globalização econômica, mesmo que ele não saiba disso. As pessoas acordam cedo e vão trabalhar exatamente para ganhar dinheiro e, com isso, poderem consumir o que quiserem. As pessoas trabalham e produzem para poder consumir produtos bons e baratos, independentemente de sua procedência. Eles podem ser oriundos de qualquer parte do mundo; o que interessa é que sejam bons e baratos. Isso é globalização econômica.
Impor obstáculos a esse consumo — isto é, restringir a globalização econômica — significa restringir a maneira como as pessoas trabalhadoras podem usufruir os frutos do seu trabalho. No mínimo, isso é imoral e anti-humano.
Globalismo
Logo de início, é fácil ver que o globalismo — que também pode ser chamado de globalização política — não tem absolutamente nada a ver com a globalização econômica.
Globalização econômica significa livre comércio e livre mercado. Trata-se de um arranjo que não apenas não necessita da intervenção de governos e burocratas, como funciona muito melhor sem eles. Indo mais além, trata-se de um arranjo que surge naturalmente quando não há políticos e burocratas impondo obstáculos às transações humanas.
Já o globalismo é o exato oposto: trata-se de um arranjo que só existe por causa de políticos e burocratas. Seria impossível haver globalismo se não houvesse políticos e burocratas.
O globalismo é uma política internacionalista, implantada por burocratas, que vê o mundo inteiro como uma esfera propícia para sua influência política. O objetivo do globalismo é determinar, dirigir e controlar todas as relações entre os cidadãos de vários continentes por meio de intervenções e decretos autoritários.
Eis o argumento central do globalismo: lidar com os problemas cada vez mais complexos deste mundo — que vão desde crises econômicas até a proteção do ambiente — requer um processo centralizado de tomada de decisões, em nível mundial. Consequentemente, leis sociais e regulamentações econômicas devem ser "harmonizadas" ao redor do mundo por um corpo burocrático supranacional, com a imposição de legislações sociais uniformes e políticas específicas para cada setor da economia de cada país.
O estado-nação — na condição de representante soberano do povo — se tornou obsoleto e deve ser substituído por um poder político transnacional, globalmente ativo e imune aos desejos do povo.
Obviamente, a filosofia por trás dessa mentalidade é puramente socialista-coletivista.
Representa também o pilar da União Europeia (UE). Em última instância, o objetivo da UE é criar um super-estado europeu, no qual as nações-estado da Europa irão se dissolver como cubos de açúcar em uma xícara quente de chá. Foi majoritariamente disso que os britânicos quiseram fugir.
Ao menos para o futuro próximo, este sonho burocrático chegou ao fim. O desejo de impor uma uniformidade afundou em meio a uma dura e difícil realidade política e econômica. A UE está passando por mudanças radicais — culminando com a decisão dos britânicos de sair dela — e pode até mesmo entrar em colapso dependendo dos resultados eleitorais em alguns importantes países europeus (França, Holanda, Alemanha e possivelmente Itália) neste ano de 2017.
Com Donald Trump na presidência americana não há mais qualquer apoio intelectual dos EUA ao projeto de unificação européia. A mudança de poder e de direção em Washington diminuiu o poder de influência dos globalistas — o que permite alguma esperança de que a futura política externa americana seja menos agressiva em termos militares. Trump — ao contrário de seus antecessores — ao menos não parece querer impingir uma nova ordem mundial.
Por outro lado, os defensores da globalização econômica têm motivos para estar preocupados. O governo Trump vem ameaçando utilizar medidas protecionistas — majoritariamente na forma de tarifas de importação —para supostamente estimular o emprego e a produção nos EUA, mesmo com toda a teoria e realidade econômicas demonstrando que o efeito será o oposto.
Tamanha interferência na globalização econômica, o que representaria um retrocesso no tempo, não apenas seria um ataque à prosperidade, como também pode se degenerar em conflitos políticos, reacendendo antigas rixas e contendas. Não precisaria ser assim.
Para atacar e até mesmo aniquilar o globalismo não é necessário atacar e fazer retroceder a globalização econômica.
A globalização é Steve Jobs, Jeff Bezos e Michael Dell; o globalismo é George Soros, o CFR, a Comissão Trilateral, os Rockefeller, os Rothschilds e a ONU.
Conclusão
Ao passo que o globalismo representa o autoritarismo e a centralização do poder político em escala mundial, a globalização econômica — que nada mais é do que a divisão do trabalho e o livre comércio — representa a descentralização e a liberdade, promovendo uma produtiva e, ainda mais importante, pacífica cooperação além fronteiras.
A restrição à globalização econômica — ou seja, o protecionismo — nada mais é do que o medo dos incapazes perante a inteligência e as habilidades alheias. Tal postura, além de moralmente condenável, por ser covarde, é também extremamente perigosa. Como já alertava Bastiat, se, em vez de nos permitirmos os benefícios da livre concorrência e do livre comércio, começarmos a atuar incisivamente para impedir o progresso de outras nações, não deveríamos nos surpreender caso boa parte daquela inteligência e habilidade que combatemos por meio de tarifas e restrições de importações acabe se voltando contra nós no futuro, produzindo armas para guerras em vez de mais e melhores bens de consumo que eles querem e podem produzir, e os quais nós queremos voluntariamente consumir.
Como também disse Bastiat, quando bens param de cruzar fronteiras, os exércitos o fazem. 
Por isso é de extrema importância preservarmos a globalização econômica.