quinta-feira, 29 de outubro de 2020

A incompatibilidade entre o Islã e os valores ocidentais - Roger Scruton

 

A incompatibilidade entre o Islã e os valores ocidentais


Em função dos últimos atos terroristas do islamismo, republico ensaio do filósofo Roger Scruton (publicado aqui em 2016). No artigo "O Islã e o Ocidente" - publicado inicialmente em Dicta&Contradicta - ele analisa as conturbadas relações entre o mundo islâmico e o mundo ocidental. Os islâmicos, de fato, não escondem seu ressentimento contra a cultura secular do Ocidente, que precisa defender seus valores e princípios "sem concessões àqueles que desejam trocar a cidadania pela submissão, a nacionalidade pela conformidade religiosa, a lei secular pela sharia, o patrimônio judaico-cristão pelo Islã, a ironia pela solenidade, a autocrítica pelo dogmatismo, e o alegre beber por uma abstinência censurante. Devemos desprezar todos os que exigem tais mudanças e convidá-los a viver onde a forma política que preferem já esteja estabelecida. E devemos reagir à sua violência com toda força necessária para contê-la". Segue o texto na íntegra:

O Islã e o Ocidente


por Roger Scruton

O Ocidente hoje está envolto num conflito violento e dilatado contra as forças do radicalismo islâmico. Esta luta é sumamente difícil, tanto pela dedicação do nosso inimigo à sua causa, como – talvez principalmente – pela enorme desconjunção cultural por que passaram Europa e América desde o fim da guerra do Vietnã. Em termos simples, os cidadãos do Ocidente perderam o seu apetite por guerras estrangeiras; perderam a esperança de conquistar qualquer vitória que não fosse temporária; perderam a confiança no seu modo de vida. De fato, não têm mais certeza sobre as exigências que esse modo de vida lhes faz.

Ao mesmo tempo, viram-se diante de um novo oponente, um oponente que crê que o modo de vida ocidental é profundamente defeituoso e que talvez seja mesmo uma ofensa a Deus. Num “acesso de desatenção”, as sociedades ocidentais permitiram que esse oponente ganhasse espaço no seu próprio seio; nalguns casos – como a França, o Reino Unido e a Holanda -, em guetos que apenas mantêm relações tênues e hostis com a ordem política que os circunda. E tanto na Europa como na América há um crescente desejo de apaziguamento: uma contrição pública habitual; uma aceitação, ainda que pesarosa, dos editos censuradores dos mulás; e um conseqüente passo em direção ao repúdio do nosso patrimônio religioso e cultural. Há vinte anos, seria inconcebível que o arcebispo de Canterbury pronunciasse um discurso em favor da incorporação da lei religiosa islâmica (a shariá) ao sistema legal inglês. Hoje, contudo, muitas pessoas julgam essa uma proposta razoável, talvez um avanço rumo a uma contemporização pacífica.

Tudo isso indica que nós ocidentais estamos à beira de um perigoso período de concessão, em que as conquistas legítimas da nossa própria cultura serão ignoradas ou subestimadas na tentativa de provar as nossas intenções pacíficas. Demorará um pouco até que se permita à verdade desempenhar o seu importantíssimo papel de emendar os nossos erros presentes e preparar caminho para os futuros. Isto quer dizer que nos é mais necessário que nunca estar familiarizados com a verdade e ter uma compreensão clara e objetiva daquilo que está em jogo. É meu desejo, portanto, listar algumas das características-chave do nosso patrimônio ocidental, que devem ser compreendidas e defendidas no atual confronto. Cada uma delas está em contraste e, possivelmente, em conflito, com a visão islâmica tradicional da sociedade, e cada uma delas desempenhou um papel fundamental na criação do mundo moderno. A beligerância islâmica brota do fato de a sua cultura não ter lugar seguro nesse mundo e da conseguinte busca de refúgio em preceitos e valores divergentes do modo de vida ocidental. Isto não significa que devemos repudiar ou renunciar aos traços distintivos da nossa civilização, como muitos gostariam que fizéssemos. Ao contrário, significa que devemos estar ainda mais vigilantes na sua defesa.

A primeira das características que tenho em mente é a cidadania. O consenso entre as nações ocidentais de que a lei é legitimada pelo consentimento daqueles que a devem acatar. Esse consentimento é dado por meio de um processo político de que cada cidadão participa, criando e seguindo a lei. O direito e dever da participação é o que chamamos de “cidadania”, e a diferença entre as comunidades políticas e as religiosas resumem-se ao fato de que as primeiras são formadas por cidadãos, ao passo que as últimas são formadas por indivíduos que “se submeteram” (e eis o significado principal da palavra islã). Se quisermos uma definição simples do que é o Ocidente hoje, seria acertado escolher o conceito de cidadania como o nosso ponto de partida. De fato, é o que os milhões de migrantes vagando pelo mundo procuram: um ordenamento que garanta segurança e liberdade em troca de consentimento.

A sociedade islâmica tradicional, em contrapartida, vê a lei como um sistema de mandamentos e recomendações estabelecidos por Deus. Esses editos não podem sofrer emendas ainda que a sua aplicação em casos particulares possa envolver uma argumentação baseada na jurisprudência. A lei, conforme o Islã a entende, exige a nossa obediência e o seu autor é Deus. O que é o oposto do conceito de lei que nós ocidentais herdamos. A lei é para nós uma garantia das nossas liberdades. Não é feita por Deus, mas pelo homem, segundo o instinto de justiça inerente à condição humana. Não é um sistema de mandamentos divinos, mas o resíduo de acordos humanos.

Isso é particularmente claro para os cidadãos britânicos e americanos, que desfrutam do benefício inestimável da common law – um sistema que não foi imposto por algum poder soberano, mas construído nas cortes, que tentavam fazer justiça em litígios individuais. A lei do Ocidente é, portanto, um sistema construído de baixo para cima, que fala ao soberano com o mesmo tom de voz com que fala ao cidadão. Enfatiza que é a justiça, e não o poder, que prevalecerá. Daí o porquê de ser evidente desde a Idade Média que a lei, ainda que dependa do soberano para ser implementada, pode depor o mesmo soberano caso ele tente desafiá-la.

À medida que a nossa lei desenvolveu-se, permitiu a privatização da religião de grande parte da moral. Para nós, por exemplo, uma lei que castigue o adultério não é apenas absurda, mas também opressiva. Desaprovamos o adultério, mas também pensamos não ser assunto da lei punir um pecado simplesmente por ele ser pecado. Na shariá, porém, não há distinção entre moral e lei. Ambas vêm de Deus, e são impostas por autoridades religiosas obedientes à vontade revelada dEle. A dureza da situação é em certa medida mitigada pela tradição que prevê tanto as recomendações como as obrigações dentro da lei sagrada. Todavia, a shariá não comporta a privatização da moral e, menos ainda, dos aspectos religiosos da vida.

Claro, a maioria dos muçulmanos não vive sobre a shariá. Apenas alguns locais isolados – Irã, Arábia Saudita e Afeganistão, por exemplo – tentam fazê-la valer à força. Noutros lugares, foram adotados códigos civis e penais do Ocidente, na esteira de uma tradição iniciada nos começos do século XIX pelos otomanos. Mas essa aceitação da civilização ocidental pelos estados muçulmanos tem os seus perigos. Ela desperta inevitavelmente o pensamento de que a lei dos poderes seculares não seria uma lei real; de que, de fato, tal lei não teria qualquer autoridade real e seria mesmo um tipo de blasfêmia. Sayyid Qutb, antigo líder da Fraternidade Muçulmana, defendia exatamente esta idéia na sua obra seminal, Milestones. De fato, é fácil justificar rebeliões contra os poderes seculares quando a lei é vista como uma usurpação da autoridade divina.

Assim, desde as suas origens o Islã encontrou dificuldades para aceitar que a humanidade necessita de qualquer lei ou qualquer governo que não os revelados no Corão. Daí o grande cisma que seguiu à morte de Maomé, separando os xiitas dos sunitas. Do ponto de vista do governo secular, as questões acerca da sucessão ao poder, tais como a que dividiu esses dois grupos, são resolvidas pela mesma constituição que governa o funcionamento diário da lei. Noutras palavras, são em última análise uma questão de acordo humano. Mas uma comunidade que crê ser governada por Deus, de acordo com os termos postos pelo seu profeta, vê-se diante de um problema real quando o mensageiro morre: quem assume o poder e como? O fato de os governantes das comunidades islâmicas correrem um risco de assassinato acima da média não é alheio a essa questão. Os sultões de Istambul, por exemplo, cercavam-se de uma guarda pessoal composta de janízaros selecionados dentre os seus súditos cristãos precisamente porque não confiavam em que algum muçulmano fosse perder a oportunidade de retificar qualquer insulto a Deus representado pela pessoa de um reles governante mortal. O próprio Corão toca esse ponto, na Sura 3, versículo 64, ordenando judeus e cristãos a não aceitar quaisquer deuses que não o único Deus e também a não aceitar qualquer senhor (ârbâbân) dentre os seus iguais.

Em poucas palavras, a cidadania e a lei secular caminham de mãos dadas. Somos todos participantes do processo de criação das leis; por isso podemos ver uns aos outros como cidadãos livres, cujos direitos devem ser respeitados e cuja vida privada é da nossa própria conta. O que possibilitou a privatização da religião nas sociedades ocidentais e o desenvolvimento de ordens políticas nas quais os deveres do cidadão predominam sobre os escrúpulos religiosos. Explicar como isso é possível mostra-se uma questão profunda e difícil de teoria política; o fato de isso ser possível é provado pelo testemunho inapelável da civilização ocidental.

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Isso me leva à segunda característica que julgo ser central na identidade da civilização européia: a nacionalidade. Nenhum ordenamento político pode atingir a estabilidade se não convocar uma lealdade compartilhada, uma “primeira pessoa do plural” que distinga aqueles que compartilham os benefícios e as cargas da cidadania daqueles que estão fora do aprisco. A necessidade dessa lealdade compartilhada fica evidente nos tempos de guerra, mas é igualmente necessária nos tempos de paz, caso as pessoas queiram que a sua cidadania defina as obrigações públicas. A lealdade à nação põe de lado a lealdade à família, ao clã e à fé; põe o foco do sentimento patriótico do cidadão não numa pessoa ou num grupo, mas em um país. Esse país é definido por um território, e também por uma história, por uma cultura e uma lei que tornaram o território nosso. A nacionalidade consiste em terra mais a narrativa da sua posse.

Foi esta forma de lealdade territorial que permitiu às pessoas nas sociedades ocidentais existir lado a lado, respeitando mutuamente os seus direitos de cidadão apesar das diferenças radicais de fé e da ausência de laços familiares, afetivos ou de qualquer costume local de longa data que sustentasse a solidariedade entre elas.

A lealdade à nação é desconhecida em muitas partes do globo e, especialmente, nos lugares onde o islamismo arraigou-se. Às vezes, por exemplo, a Somália é definida como um “estado que falhou” por não possuir um governo central capaz de tomar decisões em nome de todo o seu povo ou de impor qualquer tipo de ordenamento legal. O verdadeiro problema da Somália, no entanto, não é ser um estado que falhou, mas sim uma nação que falhou. Nunca desenvolveu o tipo de ordenamento secular, territorial e baseado na lei que possibilita que um país se estabeleça como estado-nação, não meramente uma assembléia de tribos e famílias em competição.

O mesmo vale para muitos outros lugares onde nascem islamitas. Mesmo quando, como no caso do Paquistão, tais países funcionam como estados, sempre subsistem neles falhas como nação. Não obtiveram sucesso em criar o tipo de lealdade que permite a pessoas de diferentes credos, afinidades e clãs viver pacificamente lado a lado e, também, lutar lado a lado por sua terra natal. A história recente desses países leva-nos a perguntar se não há um autêntico e profundo conflito entre a concepção islâmica de comunidade e as concepções que nos conduziram até a nossa idéia de governo nacional. Talvez a idéia de estado-nação seja de fato uma idéia anti-islâmica.

Esta observação, claro, tem muito a ver com a situação do Oriente Médio hoje, em que vemos os resquícios de um grande império islâmico divididos em estados-nação. Com poucas exceções, essa divisão é resultado da demarcação de fronteiras por potências do Ocidente, especialmente França e Grã-Bretanha por meio do acordo Sykes-Picot de 1916. Não devíamos ficar surpresos, portanto, com o fato de o Iraque possuir uma história tão artificial para um estado-nação, dado que só esporadicamente é que foi um estado e que nunca foi uma nação. Pode até ser que curdos, sunitas e xiitas cheguem a reconhecer-se mutuamente como iraquianos. Mas essa identidade nacional seria frágil e gretada; no primeiro conflito que surgisse, os três grupos iriam definir-se como contrários uns aos outros. Somente os curdos parecem ter desenvolvido uma autêntica identidade nacional, que é oposta ao estado em que estão inseridos. Os xiitas, por sua vez, prestam lealdade inicialmente à religião e, nos momentos de turbulência, vêem a terra natal do xiismo – o Irã – como modelo.

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É verdade que nem todos os estados nacionais formados a partir dos restos do Império Otomano são tão arbitrários quanto o Iraque. A Turquia, o filé mignon do Império, teve sucesso em recriar-se como um autêntico estado-nação – não sem antes massacrar ou expulsar as suas minorias não turcas. Desde meados do século XIX, o Líbano e o Egito gozam de uma espécie de semi-identidade nacional sob a proteção do Ocidente. E, claro, Israel estabeleceu-se com uma forma de governo nacional inteiramente ocidental sobre um território que é alvo de disputas precisamente por isso. Estes exemplos, contudo, não são suficientes para diminuir a suspeita de que o Islã não vê com bons olhos a idéia de lealdade à nação e muito menos a idéia de que, em momentos de crise, são os vínculos nacionais, não os espirituais, que devem prevalecer.

Vejamos o caso da Turquia. Atatürk criou o estado nacional turco pela imposição de uma constituição secular; pela adoção de um sistema legal baseado nos modelos francês e belga; proibindo as vestes muçulmanas; expulsando os tradicionais mestres da lei islâmica (“ulemá”) dos cargos públicos; tirando as palavras de origem árabe do turco e adotando o alfabeto ocidental, de maneira a arrancar a língua dos seus antecedentes culturais. Conseqüência dessas mudanças revolucionárias foi o sucesso em lançar para segundo plano o conflito entre o islã e o estado secular. E por muito tempo parece que houve uma tolerância estável de um para com o outro. Hoje, porém, o conflito irrompe novamente por toda a parte: os secularistas tentaram invalidar o governo do partido islâmico (o AKP) que ganhou as eleições com uma votação massiva. Já o governo tentou processar os secularistas por terrorismo num julgamento de legalidade bastante duvidosa.

O Líbano, para darmos outro exemplo, deve a sua condição única no mundo árabe a uma antiga maioria cristã e à duradoura aliança entre maronitas e drusos contra o sultão otomano. A sua atual fragilidade é em grande medida culpa dos islamitas do hezbollah, que se uniram à Síria e ao Irã e que rejeitam o Líbano como uma entidade nacional a que se deva qualquer lealdade. Também o Egito apenas sobreviveu como estado-nação por ter tomado medidas radicais contra a Fraternidade Muçulmana e por ter levado à frente uma herança política e legal que provavelmente seria rejeitada por sua população muçulmana – mas não pela minoria cristã copta – em qualquer plebiscito. Já Israel foi condenado por seus vizinhos a viver num permanente estado de sítio.

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A terceira característica central da civilização ocidental é o cristianismo. Não tenho qualquer dúvida de que os muitos séculos de predomínio cristão na Europa lançaram as bases da lealdade à nação como um tipo de lealdade acima da que é devida ao credo e à família e sobre a qual pôde erguer-se um ordenamento de cidadania. Pode parecer paradoxal apontar a religião como a maior força por trás de um governo secular, mas devemos lembrar as circunstâncias peculiares pelas quais o cristianismo entrou no mundo. Os judeus da Judéia do século I eram uma comunidade fechada, unida por uma apertada teia de legalismos religiosos, mas governada desde Roma por uma lei que não fazia referência a qualquer Deus e que oferecia um ideal de cidadania a que todo o súdito livre do Império poderia aspirar.

Jesus viu-se em conflito com o legalismo dos seus colegas judeus e simpatizou com a idéia de um governo secular. Daí a famosa frase na parábola sobre o dinheiro dos impostos: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. Depois da sua morte, a fé cristã foi moldada por Paulo tendo em vista comunidades dentro do Império Romano que buscavam apenas liberdade de culto, sem intenções de desafiar o poder secular. Essa idéia de dupla lealdade continuou após Constantino e foi endossada no século V pelo Papa Gelásio na doutrina das duas espadas dadas à humanidade para o seu governo: uma que guarda o corpo político e outra que guarda a alma individual. Essa ratificação da lei secular pela Igreja primitiva foi responsável pelos desenvolvimentos seguintes na Europa, desde a Reforma e o Iluminismo até a lei puramente territorial que predomina no Ocidente hoje.

Durante os primeiros séculos do islamismo, vários filósofos tentaram desenvolver a teoria do estado perfeito, mas a religião era sempre o seu ponto central. Al-Fârâbî, um sábio do século X, chegou mesmo a tentar reformular a República de Platão de acordo com o pensamento islâmico, sendo o profeta o rei-filósofo. Quando tal discussão cessou, no tempo de Ibn Taymiyya no século XIV, estava evidente que o Islã voltara as costas ao governo secular e tornara-se então incapaz de desenvolver qualquer coisa remotamente similar a um vínculo nacional oposto ao religioso. De fato, o mais importante advogado do nacionalismo árabe dos últimos tempos, Michel Aflaq, não era muçulmano, mas um cristão ortodoxo nascido na Síria, educado na França e falecido no Iraque, desiludido com o Baath, partido que ajudara a fundar. Se a lealdade à nação surgiu no mundo muçulmano ultimamente, foi apesar do Islã que surgiu – e não por causa dele. E não deveria causar espanto o fato de essas lealdades serem particularmente frágeis e rebeldes, como nos casos das tentativas palestinas de ganhar coesão nacional e da complicada história do Paquistão.

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O cristianismo é algumas vezes descrito como a síntese entre a metafísica judia e os ideais gregos de liberdade política. Sem dúvida que há verdade nessa afirmação, dado o contexto histórico do seu surgimento. E talvez seja a contribuição grega para o cristianismo a responsável pela quarta característica central que acredito valer a pena enfatizar numa comparação entre o Ocidente e o Islã: a ironia. Há já umas marcas de ironia na Bíblia hebraica, marcas essas que são mais fortes no Talmude. Mas há um novo tipo de ironia nos juízos e nas parábolas de Jesus, uma ironia que vê o espetáculo da loucura humana e nos mostra uma maneira “des-torcida” de conviver com ela. Um exemplo significativo é o veredicto de Jesus no caso da mulher apanhada em adultério. “Aquele que não tiver pecado”, diz, “que atire a primeira pedra”. Noutras palavras: “Vamos: vocês não queriam ter feito o que ela fez e já não o fizeram nos seus corações?” Já sugeriram que esse episódio foi uma interpolação tardia – uma das muitas que os primeiros cristãos tomaram do estoque de sabedoria tradicionalmente atribuída a Jesus após a sua morte. Ainda que isso seja verdade, só prova que a religião cristã fez da ironia parte central da sua mensagem. Essa ironia é compartilhada por grandes poetas sufi, especialmente Rumî e Hafiz, mas parece ser largamente desconhecida pelas escolas islâmicas que formam a alma dos islamitas. A religião que ensinam é incapaz de se ver a partir de fora e não pode ser criticada e muito menos alvo de risos – como diversas vezes testemunhamos recentemente.

Isso fica ainda mais claro quando lembramos aquilo que estimulou o juízo irônico de Jesus. A morte por apedrejamento ainda é uma punição para o adultério comum em muitas partes do mundo. E em muitas comunidades islâmicas as mulheres são tratadas como prostitutas assim que pisam fora da linha que os homens traçaram para o seu comportamento. O sexo, um assunto impossível de ser discutido sem uma medida de ironia, é pois um tema doloroso entre os muçulmanos, especialmente quando confrontados – e inevitavelmente são – pela moral laxa e pela confusão libidinosa das sociedades ocidentais. Os mulás vêem-se incapazes de pensar nas mulheres como seres sexuais e incapazes também de pensar muito tempo sobre qualquer outra coisa. O resultado disso é a enorme tensão que emerge nas comunidades muçulmanas dentro das cidades ocidentais, com os rapazes desfrutando das liberdades que os envolvem e as moças escondidas e aterrorizadas, a não ser que façam o mesmo.

O finado Richard Rorty via na ironia um estado de espírito intimamente ligado à visão de mundo pós-moderna [1]. É abrir mão do juízo ao mesmo tempo em que se busca um tipo de consenso, um acordo comum de não julgar. Parece-me, contudo, que a ironia, embora afete o nosso estado de espírito, pode ser mais bem compreendida como uma virtude, uma disposição voltada para a realização prática e o sucesso moral. Se eu fosse arriscar uma definição para essa virtude, diria que é o hábito de reconhecer a alteridade em tudo, inclusive em si mesmo. Não importa quão convencido alguém possa estar da justiça das suas ações e da verdade das suas idéias: deve olhá-las como as ações e as idéias de outra pessoa e reformulá-las de acordo com o que vir. Definida dessa maneira, a ironia mostra-se bastante diferente do sarcasmo. É um modo de aceitação, não de rejeição, que funciona em dois sentidos: pela ironia aprendo a aceitar tanto o outro a quem observo como a mim, o observador. Com todo o respeito a Rorty, a ironia não está livre de julgamentos. Ela simplesmente admite que aquele que julga também é julgado e julgado por si mesmo.

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A ironia está intimamente relacionada com a quinta característica notável da civilização ocidental: a autocrítica. É quase natural para nós querer ouvir a voz dos nossos oponentes assim que fazemos uma afirmação. O método antagônico de deliberação é ratificado pelo nosso sistema legal, pelas nossas formas de educação e pelos sistemas políticos que construímos para negociar os nossos interesses e resolver os nossos conflitos. Pensemos em críticos mordazes da civilização ocidental, como o falecido Edward Said e o onipresente Noam Chomsky. Said falava de maneira intransigente e às vezes venenosa em nome do mundo islâmico contra aquilo que via como a última forma do imperialismo ocidental. E por isso foi recompensado com uma cátedra numa prestigiosa universidade e com inúmeras ocasiões de manifestar-se publicamente na América e em todo o mundo ocidental. As recompensas para Chomsky foram mais ou menos as mesmas. Penso que esse hábito de recompensar os nossos críticos é peculiar à civilização ocidental. O único problema é que nas nossas universidades hoje ele foi levado tão a sério que só há recompensas para os críticos. Distribuem-se prêmios à esquerda do espectro político para alimentar a principal emoção daqueles que os conferem, a saber: que a autocrítica nos trará segurança e que todas as ameaças vêm de nós mesmos e do nosso desejo de defender as nossas posses.

O hábito de autocrítica criou outro ponto fulcral da civilização ocidental: a representação. Nós ocidentais, especialmente os anglófonos, somos herdeiros do hábito de longa data de associarmo-nos livremente, o que leva a nos juntarmos em clubes, negócios, movimentos sociais e fundações educacionais. Esse gênio associativo foi particularmente notado por Tocqueville durante as suas jornadas pela América e é facilitado por uma extensão encontrada unicamente na common law – a eqüidade e as leis de trust – que permite às pessoas juntar recursos e administrá-los sem a necessidade de pedir permissão a qualquer instância superior.

Esse hábito associativo caminha de mãos dadas com a tradição de representação. Quando formamos um clube ou uma sociedade de caráter público vamos apontar comissários que a representem. As decisões desses comissários passam, pois, a comprometer todos os membros, que não podem rejeitá-las sem sair do clube. Assim, um indivíduo isolado é capaz de falar por todo um grupo e, ao fazê-lo, compromete todo o grupo a aceitar as decisões feitas em seu nome. Para nós, não há nada de estranho nesse fenômeno, que afetou e afeta de maneira inestimável as nossas instituições políticas, educacionais, econômicas e desportivas. Afetou também o governo das nossas instituições religiosas, católicas e protestantes. De fato, foram os teólogos protestantes do século XIX os primeiros a desenvolver plenamente a teoria da corporação como uma idéia moral. Sabemos que a hierarquia da nossa igreja – batista, episcopaliana ou católica – tem o poder de tomar decisões em nosso nome e pode dialogar com instituições de todo o mundo para assegurar o espaço de que necessitamos para realizar o nosso culto.

Em contrapartida, as associações assumem uma forma muito diferente nas sociedades islâmicas tradicionais. Clubes e sociedades entre estranhos são raros e a unidade social básica não é a associação livre, mas a família. Sob a lei islâmica, as empresas não gozam de um suporte legal sofisticado; Malise Ruthven e outros já afirmaram que o conceito de pessoa jurídica não tem equivalente na shariá [2]. O mesmo vale para outras formas de associação. As entidades beneficentes, por exemplo, organizam-se de uma forma completamente distinta da ocidental: não são propriedades possuídas em conjunto para prestar ajuda aos demais, mas sim uma propriedade que foi “parada” (waqf) por motivos religiosos. Por isso, todas as entidades públicas, inclusive escolas e hospitais, são submetidas à mesquita e governadas por princípios religiosos. Por sua vez, a mesquita não é uma pessoa jurídica. Também não existe uma entidade que possa ser chamada de “a mesquita” no mesmo sentido em que nos referimos à igreja: como uma entidade cujas decisões afetam todos os seus membros, que pode negociar em nome deles e que pode ser levada a juízo por conta dos seus erros e abusos.

Como conseqüência dessa longa tradição de associar-se apenas sob a égide da mesquita ou da família, as comunidades islâmicas não têm o conceito de porta-voz [3]. Quando conflitos sérios irrompem entre as minorias islâmicas no Ocidente e o mundo ao seu redor, é difícil, quando não impossível, negociar com a comunidade muçulmana, já que não há ninguém que fale por ela ou que lhe conseguirá impor qualquer decisão. Se por acaso houver quem dê um passo à frente para falar, os membros da comunidade sentir-se-ão livres para aceitar ou rejeitar as suas decisões a seu gosto. O mesmo problema se dá no Afeganistão, no Paquistão e noutros países compostos de muçulmanos radicais. A pessoa que tenta falar em nome de um grupo dissidente muitas vezes o faz por iniciativa própria e sem nenhum procedimento que legitime a sua atuação. Muito provavelmente, caso ela concorde com a solução para um dado problema, será assassinada ou, em todo o caso, rejeitada pelos membros radicais do grupo do qual ele se imagina porta-voz.

Esse ponto leva-me a refletir mais uma vez sobre a idéia de cidadania. Uma razão importante para a estabilidade e paz das sociedades baseadas na cidadania é que os indivíduos em tal sociedade estão completamente protegidos pelos seus direitos. Estão isolados dos seus vizinhos em esferas de soberania privada onde tomam decisões sozinhos. E em conseqüência disso, uma sociedade de cidadãos pode estabelecer boas relações e criar vínculos entre estranhos. Não é preciso que você conheça o seu colega cidadão para afirmar os seus direitos diante dele ou os seus deveres para com ele; além do mais, o fato de ele ser um estranho não muda a disposição de ambos de morrer pelo território que abriga os dois e as leis de que gozam. Essa característica marcante dos estados-nação é sustentada pelos hábitos a que me referi: autocrítica, representação e vida associativa, hábitos que não são encontrados nas sociedades islâmicas tradicionais. O que os movimentos islâmicos prometem aos seus seguidores não é a cidadania, mas a “fraternidade” – ikhwân -, algo ao mesmo tempo mais cálido, próximo e satisfatório do ponto de vista metafísico.

No entanto, quanto mais próxima e cálida é uma relação, menos ela se espalhará. A fraternidade é seletiva e exclusiva; não pode expandir muito sem que se exponha à rejeição violenta e repentina. Daí o provérbio árabe: “Eu e o meu irmão contra o meu primo; eu e o meu primo contra o mundo”. Uma associação entre irmãos não é uma nova entidade, não é uma corporação que pode negociar em nome dos seus membros. Ela subsiste como uma realidade essencialmente plural – de fato, ikhwân é simplesmente o plural de akh, “irmão” – e denota uma assembléia de pessoas com as mesmas idéias unidas por um fim comum, não uma instituição que possa se arrogar qualquer poder sobre elas. Esse fato possui importantes repercussões políticas. Por exemplo, o sucessor de Nasser na presidência do Egito, Anwar Sadat, reservou no Parlamento algumas cadeiras para a Fraternidade Muçulmana. As tais cadeiras foram ocupadas imediatamente por aqueles que o presidente julgava aptos para tanto, mas que foram rejeitados pela Fraternidade real, que continuou com as suas atividades violentas, culminando no assassinato do próprio Sadat. Em termos simples: irmãos não recebem ordens, mas trabalham juntos, como uma família, até discutirem e brigarem.

Isso me traz a última das diferenças vitais entre o Ocidente e o Islã. Vivemos numa sociedade de estranhos que se associam rapidamente e toleram as diferenças uns dos outros. Contudo, não temos uma sociedade de conformidade vigilante. Ela faz as poucas exigências públicas que não estão contempladas pela lei secular e permite às pessoas moverem-se com rapidez de um grupo para outro, de um relacionamento para outro, de uma religião, empresa, maneira de viver, para outra. E tudo com certa facilidade. Trata-se de uma sociedade com uma criatividade infinita para formar as instituições e associações que permitam às pessoas conviver com as diferenças e permanecer em paz umas com as outras, sem a necessidade de intimidade, fraternidade ou lealdade ao clã. Não quero dizer que isso é bom, mas é a maneira que as coisas são, e um subproduto inevitável do conceito de cidadania que descrevi aqui.

O que torna possível a vida assim? A resposta é simples: a bebida. Aquilo que o Corão promete no Céu, mas nega na terra é o lubrificante necessário para o dínamo ocidental. Podemos ver isso claramente nos Estados Unidos, onde os coquetéis imediatamente quebram o gelo entre estranhos e animam toda a reunião, estimulando um desejo coletivo para que as pessoas que instantes atrás eram perfeitas desconhecidas entrem em acordo rapidamente. Esse costume de ir diretamente ao ponto depende, claro, de muitos aspectos da nossa cultura além da bebida, mas a bebida é fundamental e todos aqueles que estudaram o fenômeno persuadiram-se de que, apesar de todo o custo do alcoolismo, dos acidentes de carro e dos lares destruídos, é em grande parte por causa da bebida que, no fim das contas, somos tão bem sucedidos. Evidentemente, as sociedades islâmicas têm a sua própria maneira de criar associações com rapidez: o narguilé, a casa de café e a tradicional casa de banho, que Lady Mary Wortley Montague louvou por criar entre as mulheres uma solidariedade sem equivalente no mundo cristão. Mas essas formas de associação são também formas de retirada, um passo para trás com relação aos negócios do governo numa postura de resignação pacífica. A bebida tem um efeito diferente: une estranhos num estado de agressão controlado, capazes e desejosos de falar sobre qualquer assunto que surgir na conversa.

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As características que elenquei não apenas explicam a especificidade da civilização ocidental; elas também explicam o seu sucesso em navegar as enormes mudanças ocasionadas pelo avanço da ciência e da tecnologia, bem como a estabilidade política e o caráter democrático dos seus estados-nação. Essas características também distinguem a civilização ocidental das nações islâmicas que geram terroristas. E ajudam a explicar o grande ressentimento desses terroristas que não conseguem superar com os seus recursos morais e religiosos a fácil competência com que os cidadãos da Europa e da América lidam com o mundo moderno.

Se as coisas são assim, como poderíamos defender o Ocidente do terrorismo? Sugerirei uma resposta breve a essa questão. Em primeiro lugar, devemos ter claro o que estamos e o que não estamos defendendo. Nós não estamos defendendo a nossa riqueza ou o nosso território; não é isso que está em jogo. Nós estamos defendendo o nosso patrimônio político e cultural, composto das sete características que destaquei aqui. Em segundo lugar, devemos ter claro que não podemos superar o ressentimento sentindo-nos culpados ou punindo a nós mesmos. A fraqueza instiga, uma vez que alerta o inimigo para a possibilidade de destruir você. Devemos, portanto, estar preparados para afirmar as nossas coisas e para expressar a nossa determinação de nos mantermos apegados a elas. Dito isto, temos de reconhecer que é o ressentimento, não a inveja, que move o terrorista. A inveja é o desejo de possuir o que os outros têm; ressentimento é o desejo de destruí-lo. Como lidar com o ressentimento? Eis a grande questão que tão poucos líderes da humanidade foram capazes de responder. Os cristãos, porém, são os felizes herdeiros da maior tentativa de respondê-la, que foi a de Jesus, apoiado na longa tradição judaica que remonta à Torá, e que foi expressa em termos similares pelo seu contemporâneo, o Rabino Hillel. Você supera o ressentimento perdoando-o. O espírito de perdão não é uma auto-acusação; é fazer um dom ao outro. E é neste ponto, parece-me, que tomamos a direção errada nas últimas décadas. A ilusão de que nós somos os culpados, de que nós devemos confessar as nossas faltas e aderir à causa do nosso inimigo apenas expõe-nos a um ódio mais intenso. A verdade é que a culpa não é nossa; que o ódio dos nossos inimigos por nós é completamente injustificado; e que a inimizade implacável deles não será desarmada por batermos no peito.

Admitir essa verdade, porém, acarreta uma desvantagem. Ela nos faz parecer impotentes. Mas não o somos. Há dois recursos de que podemos nos valer para a nossa defesa: um é público e outro é privado. Na esfera pública, podemos decidir proteger as coisas boas que herdamos. Isso significa não fazer concessões àqueles que desejam trocar a cidadania pela submissão, a nacionalidade pela conformidade religiosa, a lei secular pela shariá, o patrimônio judaico-cristão pelo Islã, a ironia pela solenidade, a autocrítica pelo dogmatismo, e o alegre beber por uma abstinência censurante. Devemos desprezar todos os que exigem tais mudanças e convidá-los a viver onde a forma política que preferem já esteja estabelecida. E devemos reagir à sua violência com toda força necessária para contê-la.

Na esfera privada, porém, os cristãos devem seguir o caminho que Jesus lhes apontou: olhar com sobriedade e espírito de perdão para as feridas que recebemos e mostrar, com o nosso exemplo, que essas feridas não fazem nada senão desacreditar aquele que as infligiu. Eis a parte difícil da tarefa: difícil de fazer, difícil de aceitar, difícil de recomendar aos outros. Contudo, é a que está ao nosso alcance e, numa batalha com coisas tão grandes em jogo, é uma tarefa em que não podemos falhar.

Artigo traduzido da revista Azure, no. 35, 5769/2009. © Roger Scruton, 2009. Todos os direitos dessa tradução reservados a Dicta&Con-tradicta.

Roger Scruton é filósofo, escritor e publicista. Este ensaio é a versão revista de uma palestra proferida no Ethics and Public Policy Center (Washington) como parte do programa para a defesa da liberdade americana.

Tradução de Cristian Clemente.

quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Roberto Campos: Verbetes de um dicionário liberal.

 

Roberto Campos: Verbetes de um dicionário liberal.


A verve e a inteligência do saudoso Roberto Campos, em textos recuperados pelo Instituto Mises:


O ex-ministro, ex-embaixador, ex-senador e ex-deputado Roberto Campos, morto em outubro de 2001, foi sem dúvida um homem de inteligência e erudição notáveis. Foi talvez o político mais preparado que o Brasil já teve. Apesar de sempre ter sido considerado um liberal, principalmente pelas esquerdas, Roberto Campos só foi se converter à Escola Austríaca no final de sua carreira política, ainda na década de 1980, quando passou a se declarar um discípulo de Mises e principalmente de Hayek, lamentando ter perdido grande parte de seu tempo lendo outros economistas.

Seu talento como frasista era algo que desconcertava e desnorteava seus rivais, que não obstante reconheciam, bem a contragosto, sua inteligência.

Eis alguns exemplos de sua mordacidade (frases ainda atualíssimas):

"O chamado 'neoliberalismo' econômico do Brasil é um ente de ficção só existente na cabeça de acadêmicos marxistas, demagogos políticos ou jornalistas desinformados. Masturbam-se com o perigo do inexistente..."

"Bom, todo mundo sabe que o dinheiro do governo é gasto para sustentar universidades ruins e grátis - duas indiscutíveis vantagens - para classes médias que podem pagar. Nada melhor. Garante comícios das UNEs da vida, ótima preparação para futuros políticos analfabetos!"

"Sou chamado a responder rotineiramente se 'haverá saída para o Brasil?'. Respondo dizendo que há três: Galeão, Cumbica e o liberalismo."

"O que certamente nunca houve no Brasil foi um choque liberal. O liberalismo econômico assim como o capitalismo não fracassaram na América Latina. Apenas não deram o ar de sua graça."

"São três as raízes da nossa cultura: a cultura ibérica, que é a cultura do privilégio; a cultura africana, que é a cultura da magia; e a cultura indígena, que é a cultura da indolência. Com esses ingredientes, o desenvolvimento econômico é uma parada..."

"Nossas esquerdas não gostam dos pobres. Gostam mesmo é dos funcionários públicos. São estes que, gozando de estabilidade, fazem greves, votam no Lula, pagam contribuição para a CUT. Os pobres não fazem nada disso. São uns chatos..."

"Seria uma ressurreição satânica retirarmos Lula e Brizola - esse casamento do analfabetismo econômico com o obsoletismo ideológico - do lixo da história para o palco do poder."

"Os comunistas sempre souberam chacoalhar as árvores para apanhar no chão os frutos. O que não sabem é plantá-las..."

"O colapso do socialismo não foi mero acidente histórico, resultante da barbárie da União Soviética ou da perversão de carniceiros como Stalin e Mao Tsé-Tung. Era algo cientificamente previsível. Os aludidos cientistas sociais teriam certamente chegado a essa conclusão se, ao invés de treslerem a história, tivessem lido os grandes liberais austríacos."

"É enorme a brecha entre os objetivos idealizados na legislação de 1964 e as realidades de hoje. Concebido como um anjo Gabriel, o Bacen (Banco Central) virou um Frankenstein. Por isso, quando me perguntam se sou ou não a favor da 'independência' do Bacen, minha resposta é de tipo existencial: será que o monstro deve existir?"

"O imposto de renda convencional (progressivo em função da renda produzida) é uma safadeza socialista. Pune os cidadãos e empresas mais eficientes e produtivas em função de seu sucesso no mercado. Induz contribuintes a inventar meios de minimizar o confisco, gastando energia na busca de paraísos fiscais ou artimanhas de sonegação. "

"A melhor maneira de promover a eficiência no uso de recursos é a concorrência interna e externa. Donde ser a oposição à abertura econômica e à globalização - em nome do combate ao neoliberalismo - uma secreção de cabeças suicidas. Ou talvez, o perfume de flores assassinas que mesmerizam mosquitos ideológicos."

"Com o atraso das reformas estruturais e das privatizações, o Brasil fica longe de realizar seu potencial. Poderia tornar-se um tigre e se comporta como uma anta..." 

"Continuamos a ser a colônia, um país não de cidadãos, mas de súditos, passivamente submetidos às 'autoridades' - a grande diferença, no fundo, é que antigamente a 'autoridade' era Lisboa. Hoje é Brasília."

"A brutalidade confiscatória do fisco é um fator sério de retardamento econômico. É francamente de causar indignação ver nédios representantes da burocracia oficial declamando que pagar impostos é 'cidadania'. Cidadania é exatamente o contrário: é controlar os gastos do governo."

"No Brasil, a res publica é cosa nostra." (Obs: "res publica" é uma frase latina que significa "coisa pública")

"Os dois monstros gêmeos, o comunismo e o nazismo, têm vocação genocida. Naquele, o genocídio de classe; neste, o genocídio de raça."

"Pessoas sérias raramente têm tempo e estômago para as futricas e brigas para ocupar o espaço corporativo. A OAB conseguiu a façanha de ser mencionada três vezes na 'Constituição besteirol' de 1988. É talvez o único caso no mundo em que um clube de profissionais conseguiu sacralização no texto constitucional... "

"Admitir o 'liberalismo explícito', num país de cultura dirigista, é coisa tão esquisita como praticar sexo explícito em público. Não dá cadeia, mas gera patrulhamento ideológico. A etiqueta de 'socialista' ou 'centro-esquerda' dá um ar de respeitabilidade a qualquer patife ou imbecil, animais abundantes na praça..."

"Como diz Hayek, o poder sindical é essencialmente o poder de privar alguém de trabalhar aos salários que estaria disposto a aceitar."

"O mercado é apenas o lugar em que as pessoas transacionam livremente entre si. Só isso. Mas não é pouco, porque no seu espaço a interação competitiva entre os agentes econômicos equivale a um plebiscito ininterrupto, que não só permite fazer uma apuração, a todos os momentos revista, das preferências dos indivíduos, como lhes dá uma medição quantitativa, tornando possível, por conseguinte, o cálculo racional."

"É divertidíssima a esquizofrenia de nossos artistas e intelectuais de esquerda: admiram o socialismo de Fidel Castro, mas adoram também três coisas que só o capitalismo sabe dar - bons cachês em moeda forte; ausência de censura e consumismo burguês. Trata-se de filhos de Marx numa transa adúltera com a Coca-Cola..."

"Há três maneiras de o homem conhecer a ruína: a mais rápida é pelo jogo; a mais agradável é com as mulheres; a mais segura é seguindo os conselhos de um economista."

Em seu livro 'Guia Para os Perplexos', lançado em 1988, Campos apresenta um miniglossário, elaborado por ele próprio, para ajudar o brasileiro a entender alguns termos até então freqüentes na mídia. A seguir vão alguns verbetes. Fica a cargo do leitor concluir se de lá pra cá houve mudanças e quão profunda elas foram.

Com a palavra, Bob Fields.

Estou de partida para a China, na esperança de trazer um estoque de vacinas "Deng Xiaoping" para combater as epidemias de "Tupiniccocus pallidus", "Bureauccocus Planaltinus" e "Papyrococcus cartorialos ac physiologicus Brasiliensis", que grassam em Brasília. Afinal de contas, se o líder chinês - que, há pouco mais de um decênio, durante a Revolução Cultural, foi exposto à execração pública, obrigado a carregar estrume na cabeça nas ruas de Beijing, com um cartaz que dizia "traidor capitalista" - conseguiu sacudir a multimilenar burocracia chinesa, deve ser possível descartorializar nossa burocracia, esclerosada há apenas 164 anos.

Mas antes de partir, ocorreu-me que poderia dar uma contribuição ao esclarecimento das massas, se lhes facilitasse a compreensão da "novilíngua" da Nova República. Por isso preparei alguns verbetes de dicionário. 

(Obs: o trabalho lexicográfico abaixo não tem a pretensão de se equiparar aos feitos de Caldas Aulete ou do Aurélio. De volta da China, munido de paciência chinesa, procurarei converter esses verbetes despretensiosos num verdadeiro "Dicionário". Para "esclarecimento das massas", naturalmente. Mas também para ganhar direitos autorais, pois ninguém é de ferro e tenho de pagar as novas alíquotas do pacote fiscal. De leve...)

SECA, s.f. - Acidente climático, caracterizado pela falta de chuvas, que produz inflação de preços agrícolas. O antônimo é "Cheia" ou "Enchente", caracterizada pela abundância de chuvas, que também produz alta de preços agrícolas.

ESPECULADOR, s.m. - Agente econômico que só compra na baixa para vender na alta. Entra em hibernação quando não há expansão monetária, porque então inexistem altas.

PROGRESSISTA, adj. também usado como s.m. e s.f. - Denominação aplicada aos que reclamam mudanças urgentes. Não se preocupam com o endereço da mudança e muito menos com os métodos e veículos para fazê-la. O importante é manter o Governo metendo o bedelho na economia, em postura dinâmica. Os setores "progressistas" mais de vanguarda entendem por "progresso" o "regresso" à situação pré-1964.

ESQUERDISTA, adj. também usado como s.m. e s.f. - Denominação aplicada aos que não estão no centro, nem na direita, nem no alto. Habitualmente estão a Leste. Desejam distribuir a propriedade alheia e gostam de votar impostos porém não de pagá-los. De um modo geral, acham que a sociedade deve distribuir mais do que produz, desde que as esquerdas (quer dizer, eles mesmos) se encarreguem da distribuição. Donde o provérbio: "muitos dos interessados na distribuição do bolo querem sobretudo o controle da faca". A tradução latina de homem de esquerda é "homo sinistrae".

PACTO SOCIAL - Expressão usada para denominar um entendimento no qual os assalariados consentem com menores salários e os empresários com menores lucros, possibilitando ao governo continuar abiscoitando a maior parte do bolo.

CATOLICISMO DE ESQUERDA - Por pudicícia, este dicionarista se abstém de qualquer definição, recorrendo ao verbete do escritor Léon Bloy, uma das glórias do pensamento católico francês: "Catholicisme de gauche n'est que protestantisme de merde".

NEGOCIAÇÃO DURA - Expressão usada em relação à dívida externa. Indica disposição para pagar "spreads" mais altos e ter prazos mais curtos, em troca do direito de xingar os banqueiros e dizer "não" ao FMI. Permite evitar auditorias externas, habilitando o país a manter um "Caixa Dois". A vantagem principal é emitir papel moeda e aumentar o déficit público sem dar satisfação a ninguém.

INFORMÁTICA, s.f. - Aliança entre militares, esquerdistas e empresários antidarwnianos. Estes acreditam que deve sobreviver não o mais apto e sim o mais protegido da concorrência alheia. Deprecam às autoridades que o mercado seja reservado para o menor número possível (idealmente apenas três empresários, como no caso da micro eletrônica). Artifício usado para induzir a "maioria" - centenas de milhares de usuários - a se subordinar aos interesses de uma "minoria" - poucas dezenas - de industriais do setor. Também usado para garantir privilégios aos que copiaram antes dos outros. Serve frequentemente para que os filhos e netos de imigrantes (Dytz, Suaer, Brizida, Fregni, etc.) documentem seu caráter "genuinamente nacional" vetando qualquer associação com empresas dos países ancestrais. Segundo esta seita, produzir no país só é bom se o produtor tiver certificado de batismo local, sendo, em caso contrário, preferível importar.

PRIVATIZAÇÃO, s.f. - Política segundo a qual o governo guarda o que é relevante e vende o que é irrelevante. Para dificultar a venda, usa-se o critério do investimento histórico corrigido, ou do valor patrimonial contábil, sem referência à rentabilidade avaliada pelo mercado.

PACOTE FISCAL - Conjunto de medidas para extrair dinheiro do setor privado a fim de financiar o déficit público, cuja dimensão é sagrada. Após essa extração, os contribuintes sentir-se-ão estimulados a fazer novos investimentos, e os que estavam na economia subterrânea reconhecerão as vantagens patrióticas de pagar impostos.

COMBATE À INFLAÇÃO - Expressão que denota o engajamento do Governo na "guerra à carestia". Mais precisamente, é o combate à alta de preços provocada por acidentes climáticos, ou pelos atravessadores e especuladores, não devendo ser confundido com o combate à inflação propriamente dita, resultante da expansão monetária. A expressão abrange várias modalidades de ação. Na chamada variante "corpo-a-corpo", o Ministro da Fazenda e altas autoridades inspecionam pessoalmente e diariamente os preços da cebola e do chuchu. Na variante "estatística", o índice de preços é encurtado ou alongado durante o mês, introduzindo-se, quando oportuno, um "fator de acidentalidade". Na variante "estrutural", os preços do petróleo e tarifas de utilidades públicas são acelerados ou repassados em função do preço do feijão.

CONTROLE DE PREÇOS - Artifício anti-inflacionário tentando sem êxito desde o Código de Hamurabi (2000 anos a.C.). Foi objeto do famoso Edito de Diocleciano no ano 301 da era cristã, cujo único resultado foi a escassez de óleo, pão e sal nas províncias. Como as damas balzaquianas, de vida airada, o tabelamento de preços rejuvenesce à medida que se esquecem as experiências passadas. É a teoria dos que não têm teoria.

(02.02.86)

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Em longas viagens de trem pelo interior da China, a dois mil quilômetros de Beijing, tive tempo de adicionar alguns verbetes à minha ansiosamente esperada obra "Enciclopédia da Ignorância". Recebi propostas de vários editores, sendo que a mais atraente sugeria um nome para o "magnum opus"; - "Bagunçologia". Eis os novos verbetes que interessarão aos segmentos mais esclarecidos da sociedade.

LIVRE EMPRESA - Expressão que denota o direito de proibir o ingresso de outras empresas.

LIVRE INICIATIVA - Expressão que denota o direito de privar os outros da iniciativa.

CONGELAMENTO DE PREÇOS - Conjunto de medidas destinadas a transmitir ao mercado os sinais errados — aumentar a procura e diminuir a oferta — com o propósito patriótico de desorientar os especuladores. Na forma mais branda, o burocrata se arroga das funções do mercado e os preços são "cipados". Na versão mais radical, os preços são "congelados", o que significa o triunfo definitivo do burocrata sobre o mercado, coisa plenamente justificável à luz da melhor informação, maior sensibilidade social e superior velocidade de reação, características das entidades governamentais. Isso faz emergir uma nova classe sociológica, dotada do poder de vida e morte sobre as empresas — a dos "tabuladores" — que se sobrepõe à tetralogia medieval dos "oradores", "bellatores", "mercatores" e "fabricatores". O Professor Antonius, em sua mui consultada obra "Imitatio Delphini ad usum Novae Reipublicae" relata experiências pessoais de interferência no mercado, todas desapontadoras. Assim se expressa: "Vix aut nunquam rígidadisciplina pretiorum prodest. Hoc discimus abhinc multos anos ab Codici Hammurabi ax Diocletiani Edicto" (O congelamento de preços quase nunca adianta, conforme aprendemos com o Código de Hamurabi e o Edito de Diocleciano). Idêntica preocupação é revelada pelo Professor Paulinus, em sua obra "De effectis plethorae numismaticae" (Dos efeitos da expansão monetária), que assim doutrina: "Nisi sublata causa quae est pletora numismatica nin tollitur effectus, scilicet inflatio pretiorum" (A não ser que se extirpe a causa, que é a expansão monetária, não se remove o efeito, que é a inflação de preços). Outros autores de nomeada, entretanto, atribuem a alta de preços a causas diferentes, como a seca (siccitas), a interferência do Fundo Monetário Internacional (intromisio Panethnici Nmismatici Thesauri) ou à indexação de preços (vinculum ad preteritum pretium).

USUÁRIO, s. e adj. m. e f. - Consumidor brasileiro, misto de otário e cobaia. USUÁRIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL: designa aquele que tem o direito de contratar um seguro privado depois de ter contribuído para a Previdência Pública, dada a indisponibilidade de serviços desta última. USUÁRIO DA INFORMÁTICA: aquele que tem o direito legal de pagar três vezes mais pela cópia que pelo original. USUÁRIO DE PETRÓLEO: aquele que paga preços internos crescentes quando os preços internacionais são decrescentes. USUÁRIO FERROVIÁRIO: aquele que tem o direito a atrasos e sacudidelas para chegar ao trabalho, e também ao desvio e avaria de mercadorias.

REFORMA MINISTERIAL - Versão vernacular da expressão francesa "plus ça change, plus c'est la même chose". É de boa etiqueta que, por ocasião da reforma, os novos ministros elogiem seus antecessores conquanto acentuem, no discurso de posse, que têm um programa muito melhor. No fundo, imitando um velho ministro francês, o que pensam mesmo é que "tous nos predecesseurs sont des idiots, tous nos successeurs sont des intrigants" (todos os nossos antecessores são idiotas, todos os nossos sucessores são intrigantes). MINISTERIÁVEL (também usado na forma gerundial MINISTRANDO) é aquele que acha que a situação do governo se deteriorou tão satisfatoriamente que a Pátria em breve exigirá seus serviços. A ocasião das reformas ministeriais provoca uma proliferação de uma espécie de répteis, os "puxa-sacos". O fenômeno era conhecido desde a época dos romanos sob o nome "titillatio testiculorum" (puxação de saco). O Professor Freudius em sua obra "De peccatis occultis" aponta como evidência histórica uma inscrição queixosa encontrada sob as lavas de Pompéia: "Quandocumque mutantur proconsules arduus est veriter labor testiculos titillandi" (Quando mudam as lideranças é árduo o trabalho dos puxa-sacos). Afirma outrossim que essa prática existia também entre os gregos, pois segundo a lenda e a tradição, uma das principais razões porque o grande Arconte Solon, promulgadas as leis, retirou-se para um navio e velejou no Egeu durante dez anos, foi precisamente livrar-se do "elchtichos orchios" (puxa-saquismo).

NACIONALISMO, s.m. - Atitude que frequentemente denota um misto de complexo de inferioridade e mania de grandeza. A expressão comporta várias modalidades. NACIONALISMO AUTÊNTICO: o daqueles que, não tendo realizações objetivas a exibir, usam o nacionalismo como uma espécie de diploma dado pelas Faculdades de Demagogia. NACIONALISMO DE FANCARIA: o daqueles que usam o nacionalismo para obter privilégios do Governo, para prejudicar adversários políticos ou para se proteger da concorrência estrangeira. NACIONALISMO DE FINS: o daqueles que acreditam que o desenvolvimento nacional é um fim para qual devam ser mobilizados quaisquer capitais disponíveis - nacionais e estrangeiros. NACIONALISMO DE MEIOS: o daqueles que, dispondo de salário e renda adequados, acham que é melhor um desenvolvimento lento, puramente interno, ainda que os pobres tenham de sofrer por mais tempo. São conhecidas variadas definições de nacionalismo, por mestres eminentes. Segundo Einstein "é como um sarampo, essa doença infantil da humanidade". Segundo Vargas Llosa é "a cultura dos incultos, uma medíocre revolta geográfica contra a história". Segundo Gilberto Amado é a "forma zangada do patriotismo". Para Mussolini era uma espécie de "ódio sagrado". Segundo Albert Schweizer "é um patriotismo que perdeu sua nobreza", ao passo que o patriotismo, segundo o Dr. Johnson, é o "último refúgio dos velhacos". Para Jorge Luiz Borges "o nacionalismo é um campo minado onde só se toleram afirmações".

TERMOESTÁTICA - Conjunto de leis científicas que regem a conversão da aceleração em inércia e comprovam a originalidade do comportamento da economia brasileira. A primeira lei de termoestática - a lei inercial - assim se expressa: "Se atacados vigorosamente por sintomas de inflação, não é necessário atacar as causas, porque aqueles são dinâmicos, e esta, inercial". A segunda lei da termoestática, a "lei de preservação do déficit" é assim formulada: "Os gastos governamentais são irredutíveis porque toda a ação para reduzi-los produz uma reação política, imediata e mais do que proporcional, em sentido contrário". A terceira lei da termoestática, também chamada "lei do endividamento" tem formulação mais complexa: "Uma vez transposto o segmento exponencial da curva de endividamento e atingido o limite assimptótico, o poder do grande devedor se equipara ao do grande credor, pois ambos detêm o poder de levar o outro à falência. Nessa hipótese, os encargos da dívida variarão na razão inversa da masculinidade da negociação e menos que proporcionalmente à intensidade da lamentação".

(06.04.86)

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Prosseguindo na tarefa de esclarecimento das massas, facilitando-lhes a compreensão da "novilíngua" da Nova República, adicionei alguns verbetes ao meu "dicionário do surrealismo" brasileiro.

ASSEMBLÉIA CONSTITUINTE - Grupo de políticos que discutem as prioridades da reforma da "estrutura", quando o urgente é remendar a "conjuntura". Numa sábia divisão de funções, tratam de desenhar o futuro, enquanto o Poder Executivo se encarrega de desorganizar o presente. Entre suas várias correntes, se incluem os "xiitas", que querem destruir o capitalismo (melhor dito, o mercantilismo, pois o Brasil ainda não chegou à era capitalista), sem saber como implantar o socialismo. Alguns poucos são verdadeiros "liberais", pois acreditam que a democracia política é inseparável da liberdade econômica, traduzida esta na economia de mercado. Há também os "centristas", que gostam da liberdade política mas admitem que burocratas imperfeitos corrijam as imperfeições do mercado e que se criem cartórios econômicos, desde que sejam participantes dos benefícios. Todos os grupos são contra a cassação dos direitos políticos individuais, mas aceitam a cassação do direito econômico de produzir, sob a forma de monopólios estatais ou reservas de mercado.

FUNARONOMICS - Nova ciência econômica que, segundo o Professor Afonso Celso Pastore, não obedece às leis da lógica de Karl Popper, pois, quando falsificada pelos fatos, mudam-se os fatos. Sua implementação é feita por medidas de "centralismo democrático", isto é, decretos-leis. Sua tese central é a do voluntarismo, isto é, as coisas acontecem não por decisões voluntárias dos agentes econômicos, mas pela aceitação patriótica, por parte deles, das intenções, desejos e caprichos dos "Funaro Boys", que são "apparatchicks" modernos, instalados no Planalto.

MORATÓRIA SOBERANA - Declaração de insolvência, em nome da independência, como resultado da incompetência. Segundo alguns, deve ser levada "às últimas conseqüências", isto é, o aprofundamento da recessão interna, o embargo de navios e aviões brasileiros no exterior, a ruptura com o sistema financeiro internacional, ou seja, a transformação do país de uma "Belindia" numa "Albanindia".

ESQUERDISMO - Doutrina de grupamentos políticos especializados em distribuir propriedade alheia e propor uma adequada repartição do bolo, desde que mantenha o controle da faca.

PEFELISTA - Falso liberal, isto é, aquele que acredita simultaneamente em liberdade política e intervencionismo econômico.

PMDEBISTA - Assim designam os membros do maior partido político do ocidente. O partido é contra o desemprego e também contra os investidores estrangeiros, que criam os empregos. Reclama contra o endividamento excessivo, mas quer que os bancos estrangeiros se comprometam a fornecer "dinheiro novo", com a condição de não termos que pagar o "antigo". Contém grupos presidencialistas, parlamentaristas e imediatistas ("Diretas Já"), mas a linha predominante é a "falimentarista", a qual propõe a falência do país como tema central da ideologia partidária. É a favor dos tabelamentos de juros, sem se dar conta de que os juros são ditados pelo Banco Central e pelos bancos estaduais ao levantarem dinheiro para cobrir os déficits. É contra os déficits orçamentais, desde que não se cortem despesas e que a tributação não atinja a classe média. Deseja a preservação do salário real, por decisão governamental (mesmo através de decretos-leis), esquecidos de que o governo só pode prescrever salários nominais, os quais, se irrealistas, resultam no salário zero do desemprego. Está em perfeita sintonia com o "povo", entendido por "povo" aquela parte da sociedade que não sabe o que quer.

OPÇÃO PELOS POBRES - Expressão que, quando usada pela Igreja, significa aumentar o número de pobres pelo dificultamento das praxes anticoncepcionais usadas pelos ricos. Quando empregada pelo Governo, significa uma forma de populismo, com as seguintes conseqüências: (1) congelam-se os preços para ajudar os pobres, mas isso desencoraja investimentos, diminuindo-se o emprego para os pobres, ou provoca escassez, prejudicando os pobres que não podem pagar ágio; (2) subvencionam-se indiscriminadamente, para pobres e ricos, alguns produtos essenciais, como o trigo, com o resultado de que o nordestino, que come farinha, paga impostos ou sofre alta de outros preços, para pagar a "macarronada" do paulista; (3) cria-se uma "indústria de distribuição", de sorte que os maiores beneficiários da distribuição são os burocratas que se encarregam de fazê-la.

RECURSOS NATURAIS - Cadáveres geológicos, sob forma mineral, que só se transformam em riqueza se houver investimentos e mercado. Para exemplificar a diferença entre "recurso" e "riqueza", basta lembrar que o Brasil tem "recursos" e não tem "riqueza" e o Japão tem "riqueza" mas não tem "recursos".

(05.04.87)

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Continuo hoje meu esforço lexicográfico, na esperança de acumular credenciais literárias para ingressar na Academia Brasileira de Letras, sem conchavos humilhantes, e graças ao voto democrático, secreto e esclarecido de meus pares. Eis os novos verbetes:

CAMELO - Cavalo desenhado por um comitê de economistas. Há uma subespécie, o dromedário, que é um cavalo desenhado por um grupo de trabalho de economistas da UNICAMP e da PUC, também conhecidos pelo cognome de "país do cruzado".

BURGUÊS DE ESQUERDA - Homem rico, latifundiário ou industrial, que deseja conciliar opulência com popularidade. Adora promover medidas para que o Estado distribua a renda dos outros, preservando a sua através de incentivos fiscais. Uma variedade particularmente daninha é o genrocrata, isto é, o pobre que casa com mulher rica. Acha que sendo seu patrimônio imerecido, também o deve ser o dos que o adquiriram no eito e não no leito. Defende a justiça social e a opção pelos pobres, mas não abre mão de seus direitos mínimos - "whisky" legítimo e videocassete contrabandeado. No máximo, aceita a reforma agrária nas terras dos cunhados e concunhados. Geralmente não recolhe o INPS e o FGTS, mas não tem objeção à expansão da atividades assistenciais do Estado, em favor primordialmente dos burocratas e, secundariamente, dos pobres. Diz-se "nacionalista" e também "socialista", esquecendo-se de que as duas palavras juntas configuram o nacional-socialismo, partido muito popular na Alemanha até o fim da II Guerra Mundial.

FIDELCOCCUS - Retrovírus que está grassando no planalto brasiliense, cuja síndrome mais séria é a retrogradação mental até a década de sessenta, quando os socialistas europeus consideravam a revolução uma aventura excitante. O vírus já atacou este ano (1986) três Ministros de Estados brasileiros, que demandaram Havana, presumivelmente para tratamento do vírus pelo próprio Fidel, de acordo com a tradição da medicina homeopática - "similia similibus curantur". O último infectado, o Ministro da Justiça, inquieto com as constantes rebeliões nos presídios brasileiros, se dedicou a investigar como Fidel Castro logra manter a ordem e a disciplina nas 200 prisões cubanas (inclusive La Cabaña e Boniato). Estima-se existirem 10 a 15 mil presos políticos, alguns com penas já cumpridas de 20 a 25 anos, por inconformismo com os princípios revolucionários, sem que se tenha notícia de depredações e motins, o que comprova o avanço tecnológico de Cuba nas artes de repressão político-ideológica. Recomenda-se particularmente aos poetas e literatos que evitem contaminação pelo Fidelcoccus, pois Fidel tem especial predileção por torturar portas como Armando Valladares e Herbert Padilha. Agora que se redige a Constituinte brasileira, seria bom estudarmos o art. 52 da Constinuição cubana, que garante liberdade de expressão e pensamento, desde que na conformidade dos ideais comunistas.

FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL - Hospital financeiro, também chamado de "bode expiatório", a que recorrem países "drogados" (habitualmente em estado pré-comatoso), que exigem financiamento para continuarem vivendo acima de suas posses. Recebe vários tipos de viciados. Os países "estatizantes", por exemplo, que gastam tanto com a máquina do Estado, que a receita mal dá para pagar os funcionários, pouco restando para investimento ou pagamento das dívidas estatais. Os "nacionalizantes", que rejeitam os investidores estrangeiros dispostos a correr riscos, e mendigam dos banqueiros, que não querem correr riscos. Os "autistas", que querem a reserva de seu próprio mercado e a abertura dos mercados alheios e que decidem unilateralmente a taxa de crescimento que o mundo tem a obrigação de lhes financiar. O FMI comete a obscenidade insuportável de recomendar aos países que "ponham sua casa em ordem", isto é, que mantenham seu consumo e investimento em nível compatível com sua poupança interna mais capitais voluntários do exterior. Sua arma mais repugnante é a "auditoria" trimestral, que viola a soberania dos governos, obrigando-os a uma vergonhosa mensuração do déficit do setor público e do grau de desperdício dos tributos próprios e dos empréstimos alheios. Essas práticas configuram o que se convenciona chamar de "receita recessiva" do FMI. A experiência revela que só há uma coisa pior que a recessão com o FMI. É a recessão sem o FMI.

NEGOCIAÇÃO SOBERANA - Modalidade de negociação em que o devedor prega um sermão unilateral ao credor sobre suas necessidades de crescimento e a responsabilidade do sistema financeiro internacional de prover os recursos necessários. É baseada em duas teorias - a da "responsabilidade mútua" e a da "imprevisão". Conforme a teoria da "responsabilidade mútua", o banqueiro, proprietário da loja de bebidas, é co-responsável pelos porres da clientela. Isso porque expõe os clientes a uma tentação irresistível e, segundo os jesuítas, cair numa tentação irresistível não é pecado. Conforme a teoria da imprevisão, os contratos somente são válidos "rebus sic statibus", de modo que os juros flutuantes só são devidos e cobráveis se os juros não flutuarem. Com sua doutrina de negociação soberana, o PMDB já logrou uma substancial vitória: os credores admitiram que não pleitearão o pagamento da dívida "nem com o sangue nem com a fome do povo", pois só querem pagamento através de exportações, aceitando inclusive excedentes de que o Brasil não necessite. Há três princípios fundamentais na negociação soberana: (1) o devedor não deve submeter-se à malsã curiosidade dos credores quanto aos seus programas de recuperação de solvência, pois se trata de matéria de soberania interna; (2) só é lícito discutir os encargos da dívida, porém não o principal, por ser óbvio que a amortização do principal seria danosa aos próprios credores, que ficariam desempregados se os devedores liquidassem seus mútuos; (3) só se deve discutir dívidas de governo a governo, ainda que os contratos sejam com credores privados. A teoria da negociação soberana foi desenvolvida e tecnicamente aperfeiçoada pelos economistas do Ministério da Fazenda, com respaldo popular do PMDB. A fim de assegurar adequado suprimento de negociadores, funcionários do Itamarati estão sendo treinados na teoria da negociação soberana, também chamada de "tecnologia da confrontação".

PAÍSES CAPITALISTAS - Países cujo progresso é deixado às forças do mercado, impessoais e injustas, e cujo maior problema é impedir o ingresso de imigrantes.

REPÚBLICA POPULAR DEMOCRÁTICA - Pleonasmo usado pelos países comunistas para significar que a democracia fica com a NOMENKLATURA, e a obediência, com o povo.

(19.04.87)

Adendo: Se o inquestionável brilho e erudição lexicográfica acima revelados não me credenciarem para a Academia Brasileira de Letras, é porque não há justiça social nesse país.

domingo, 4 de outubro de 2020

A retórica inútil da oposição petista - J. R. Guzzo

 



Em São Paulo, onde estão a alma, o coração e os músculos políticos do seu marechal de campo vitalício, o ex-presidente Lula, o PT alcança apenas 1% do votos. É isso mesmo: 1%. J. R. Guzzo, via Oeste:


A um mês e meio das eleições municipais que vêm aí, o candidato do PT à prefeitura de São Paulo tem 1% das intenções de voto. Para sentir um pouco o espírito da coisa: é metade do que tem, por exemplo, um concorrente que se apresenta como Mamãe Falei. Como é possível que esteja acontecendo uma coisa dessas com o partido que há 40 anos serve como a mais sagrada estrela-guia que a esquerda brasileira já teve em toda a sua história? Justo em São Paulo, onde vive e vota a maior concentração de trabalhadores do Brasil, é isso que o Partido dos Trabalhadores tem a apresentar? Em São Paulo, onde estão a alma, o coração e os músculos políticos do seu marechal de campo vitalício, o ex-presidente Lula? É isso mesmo: 1%.

Fica difícil perceber como o PT e Lula pretendem exercer um papel decisivo no futuro do Brasil se em São Paulo, a maior, a mais popular e a mais brasileira de todas as cidades do país, 99% da população não quer saber deles. Não adianta nada dizer, como estão dizendo, que o verdadeiro candidato da esquerda é outro — um político que nunca foi eleito para nada, tem como única realização estimular a invasão de imóveis com documentação enrolada e é apresentado como o “preferido” de Lula. E daí? Se o dono do partido não quer o candidato do partido na cidade-chave para qualquer eleição brasileira, não dá para concluir que ambos estejam fortes; não se inventou ainda a divisão que seja capaz de somar. Além disso, só faria sentido agir desse jeito se fosse para ganhar a eleição. Não é perdendo em São Paulo que se vai a algum lugar na política deste país; só concorrer, e ler depois na imprensa que o seu candidato teve uma belíssima votação, mas foi derrotado, é o tipo da coisa que não resolve a vida de ninguém.

Deveria estar acontecendo justo o contrário disso aí — a esquerda, pelo que se diz todos os dias ao público, é quem teria de estar ocupando neste momento os cinco primeiros lugares de qualquer disputa política no Brasil. O governo federal, com quem vive em guerra desde a última eleição presidencial, é tido e havido como morto a cada 24 horas. O Judiciário, nos seus galhos mais altos, parece se preparar para conceder indulgência plenária, em matéria de corrupção e quaisquer outros crimes, ao ex-presidente. Há um combate diário pela “quarentena”, esforços extremos para dificultar a produção e uma lavagem cerebral permanente com a intenção de culpar “o governo” pelas 140 mil mortes e todas as demais desgraças da covid-19. São anunciadas o tempo todo “sanções econômicas” e “represálias políticas” contra o Brasil por parte dos países do Primeiro Mundo por conta dos incêndios no Pantanal e do desmatamento na Amazônia. As classes intelectuais apoiam a necessidade de “algum tipo” de intervenção internacional para salvar a parte do território brasileiro que consideram “patrimônio da humanidade”.

De acordo com o diagnóstico da esquerda, e de seus parceiros naquilo que se descreve como áreas “liberais” e “civilizadas” da “sociedade”, há problemas sem solução com o teto de gastos públicos, as propostas de renda mínima, o desemprego, a queda no investimento estrangeiro, os danos da produção rural ao meio ambiente, a “violência policial”, as transações financeiras da família presidencial, a falta de apoio aos quilombolas, à demarcação das terras indígenas e às causas que são descritas como “identitárias”, “inclusivas” ou “sociais”. Metade dos ministros está permanentemente na porta da rua. O Congresso está contra o governo. O Judiciário está contra o governo. Os artistas de novela estão contra o governo. A mídia bate recordes diários de exasperação indignada contra um presidente da República que considera o pior de toda a história do Brasil — e contra o seu governo, tido como quase tão ruim quanto ele.

Diante dessa desgraceira sem fim, o PT, no seu papel oficial de Nossa Senhora da Oposição, já deveria estar nomeando o ministério do próximo governo; em vez disso, seu candidato à prefeitura de São Paulo tem 1% dos votos. Nem o governo federal nem os problemas reais do país melhoram um miligrama com isso. Mas é justamente aí que está um dos piores bodes da política brasileira de hoje. A elite nacional, da universidade ao Magazine Luiza, da mídia que se chamava grande aos banqueiros de investimento de esquerda, detesta o presente governo como nenhum outro governo brasileiro foi detestado — mas simplesmente não consegue, não para efeitos práticos, organizar uma oposição capaz de agir com um mínimo de coerência, eficácia e força moral para oferecer alguma alternativa séria às coisas como elas são hoje. O mesmo estado de coma deixa como mortos-vivos o Congresso, os 33 partidos que hoje têm alvará de funcionamento e o resto do mundo político. O resultado é que o governo está disputando uma partida sem que haja outro time em campo.

Há muito barulho de arquibancada — mas torcida brava não muda placar de jogo, e nem xingar a mãe do juiz é fazer oposição. Oposição é trabalhar com possibilidades reais de sucesso para trocar de lugar com quem está mandando; o resto é dinheiro falso. O que se tem hoje é isso — muita nota de R$ 300. Os adversários do governo, na verdade, parecem felizes em fazer tudo o que não é importante num trabalho político que pretenda dar certo. Enchem o noticiário, dia e noite, com bulas de excomunhão contra o presidente da República. Paralisam, no Congresso, no Ministério Público e nos tribunais, o trabalho de governar — a cada vez que perdem uma votação, ou a cada vez que o governo decide alguma coisa, vão correndo pedir à Justiça que anule o que foi decidido. Mostram plaquinhas de protesto no festival de cinema de Cannes. Fazem desfile de índio em Frankfurt. Criam grupos de vigilantes para combater a “direita” no Twitter. Queimam a bandeira nacional. Estão em guerra permanente contra o racismo, o machismo, a homofobia, a degradação da atmosfera, os fertilizantes, os “agrotóxicos”, a desigualdade, a presença da polícia nas favelas. Acusam o governo dos delitos de desemprego, recessão econômica, alta do dólar, excesso de religião, não uso de máscara, genocídio, morte das onças-pintadas e só Deus sabe mais o quê.

Nada disso rende um único voto na hora da eleição, mas é muito mais fácil do que fazer trabalho político de verdade. É bem cômodo, no fundo, desligar a televisão depois de ver a sova que o governo leva diariamente no Jornal Nacional e dizer para si mesmo: “Mais um dia de vitórias na luta contra o fascismo bolsonarista”. Sai de graça, dá cartaz e não tem nenhum risco. Também é muito fácil viver na política quando existe uma alucinação chamada “Fundo Partidário”, negociata legal que transfere dinheiro dos impostos diretamente para o bolso dos políticos. Nos anos em que há eleições, eles ganham mais; neste 2020, por exemplo, o contribuinte está sendo extorquido em R$ 2 bilhões. Eis aí um ponto, talvez o único, em que o PT e o partido turbinado por Bolsonaro na última eleição estão 100% de acordo — são eles os que ficaram com as maiores verbas, cerca de R$ 200 milhões cada um. O fato é que o sujeito não precisa mais ganhar uma eleição para ganhar dinheiro; o fundo garante. Pode ser menos, é claro, mas não tem erro. Entende-se, aí, onde foram parar o espírito de combate do PT, a “militância”, as “lutas” etc. Para que esse perrengue todo? O que interessa é sair candidato. Se você, além disso, já ganhou de presente um emprego público no “aparelhamento” em massa da era Lula-Dilma, sua vida está resolvida.

O que fica faltando, no fim dessa história, é um candidato capaz de fazer sentido. Não adianta olhar para o outro lado à procura de uma alternativa para Lula. Vão achar quem? Fernando Henrique? Gilmar Mendes? Eymael, um democrata-cristão?

Faltam dois anos para a eleição presidencial de 2022. Se continuarem achando que Bolsonaro vai desaparecer por encanto na esfera celestial, só porque “não é mais possível continuar assim”, vamos continuar nessa balada até 1º de janeiro de 2027.