terça-feira, 28 de junho de 2016

O RECADO DO ESTADO ISLÂMICO - Flavio Morgenstern

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Leitor, há uma coisa tão chocante, estarrecedora e impensada que convido-o antes a tomar um dedo de conhaque e vestir um capacete ou se agarrar a algo bem pesado antes de ler tal verdade. O risco é alto e isso vai virar do avesso tudo o que você pensa sobre o mundo. É o seguinte: o Estado Islâmico não gosta de você.
Sério. Não gosta. Talvez você possa pensar que ele, assim, a depender das circunstâncias, quem sabe acabe até gostando de você. Mas ele não gosta e não vai gostar.
“Ah, mas eu votei no Jean Wyllys e não gosto do Bolsonaro!” Cara, eu sei que é chocante, mas é provável que o Estado Islâmico passe a gostar ainda menos de você por isso. Não sei se você fisgou a extremamente complexa, avançada, difícil, arcana e danbrowniana lógica aqui.
“Mas eu sou contra o Trump!” Então, meu chapa, mas se você é ateu, curte happy hour com cerveja, come bisteca, usa relógio no braço esquerdo, é pró-aborto, é pró-casamento gay, não reza voltado para Meca 5 vezes por dia, não pratica a jihad, não mata cristãos, judeus, ateus, esquerdistas, direitistas, xiitas e aqueles sunitas que não aceitam o califado, então há uma leve chance de que o Estado Islâmico ainda assim continue não indo muito lá com a sua cara de bolacha.
refugees-welcome-gayPorque o único motivo pro Estado Islâmico (ou melhor: para os muçulmanos) preferirem os Democratas aos Republicanos é que os primeiros compram essa ladainha de “Welcome, Refugees!” Só. Tão somente isso. Ou acha que muçulmanos adoram casamento gay, feminismo, banheiro transgênero, Planned Parenthood, aborto, marxismo, ateísmo, sex lib, “não ensine as mulheres a usar roupas longas, ensine os homens a não estuprar”? Não, camarada: muçulmano só apóia a esquerda pra chegar no Ocidente sem resistência, com todo ocidental desarmado. Só. . Depois de chegar aqui, é shari’ah, burca, proibir biquini, apedrejar estuprada por ter feito sexo fora do casamento.
O Estado Islâmico te odeia, cara. “Ah, mas eu sou #refugeeswelcome e prego tolerância e diversidade!” Eles só vão adorar você deixá-los ficarem mais perto de você para te matarem depois. “Ah, mas eu li Orientalismo de Edward Said e agora acho que judeus são nazistas e sou a favor da causa palestina!” Então, companheiro, isso aí não te vale nem a honra de morrer por último. “Ah, mas eu sou a favor do diálogo e da tolerância e da coexistência!” Pois é, criatura, eles ainda não vão querer andar com você na hora do recreio. Volte à lição número 1.
Chocante, não é? Contrário a tudo o que você pensa. Algo tão longe do óbvio que só é possível falar cochichando, escondido, nas frinchas da clandestinidade. Não diga nunca isso alto: os intelectuais da USP, os especialistas da Globo News, a Dilma Rousseff, o Barack Obama, a esquerda mundial, a isentosfera – pra não falar do movimento LGBT. Esse aí vai ter uma síncope se descobrir.
isis-stonewall-orlandoUm membro do Estado Islâmico nesta semana entrou numa boate gay em Orlando com uma Sig Sauer MCX Carbine, abriu fogo geral, matou 49 pessoas e deixou dezenas de outras feridas. Antes de entrar na boate gay, o terrorista, Omar Siddiqui Mateen, ligou para a polícia para jurar lealdade ao Estado Islâmico. A arma, que não é um AR-15, foi comprada com background check, o controle que vendedores de armas fazem com a polícia, para não vender armas para suspeitos de crimes. Mesmo Omar Mateen sendo um investigado, o FBI não fez nada, pela política de evitar grandes investigações contra muçulmanos (ver o imprescindível artigo de Elise Cooper, Who Is to Blame for the Latest Terror Attack?, no American Thinker).
O Estado Islâmico não é apenas um grupo terrorista: é um califado (ler nosso artigo O Estado Islâmico é um Estado? É islâmico? para entender o que ninguém entendeu). É salafismo: uma versão ultra-ortodoxa do islam, seguindo à risca os mandamentos de Maomé. Se pratica o que hoje chamamos de “terrorismo” é só pelo método: o que promove de fato é a jihad, a guerra santa contra infiéis, para enfraquecer os inimigos e, posteriormente, dominar suas cidades e países e subjugá-los à shari’ah.
Terrorismo, nas palavras de Lenin, é propaganda armada. Se há a propaganda convidativa (do “Bom dia, gostaria de ser Testemunha de Jeová?” até os comerciais do Super Bowl), também há a propaganda que ameaça. A idéia de que ou você se converte, ou você morre. O Estado Islâmico cresce incrivelmente quando não apanha militarmente, o que mostra o peso e valor deste tipo de convite ao califado muçulmano.
world-trade-center-attackEm outras palavras, os assassinatos do Estado Islâmico, ao contrário, por exemplo, de boa parte dos atentados do Hamas ou do H’zbollah, querem significar algo, até mesmo simbolicamente. Quando a al-Qaeda derrubou o World Trade Center, não queria apenas matar com precisão cirúrgica exatamente aquelas pessoas que matou: queria uma marca na história a na geografia do Ocidente, uma nódoa gigantesca num grande símbolo do capitalismo. E conseguiu.
Se Hobsbawm definiu o século XX como tendo começado com a Primeira Guerra e terminado com a queda do Muro de Berlim, o século XXI começou mais cedo, com o atentado às Torres Gêmeas. É propaganda armada: o Ocidente, do dia para a noite, passou a se preocupar com o islamismo. E o islamismo só cresceu no mundo e no Ocidente desde então.
Quando um jihadista muçulmano, salafista e leal ao califado do Estado Islâmico, vai até um dos outros principais símbolos do capitalismo, a Disneyland, e, depois de desistir de enfrentar o armamento dos seguranças, abre fogo contra uma boate gay, talvez, talvez, talvez o recado, o significado, a mensagem que o Estado Islâmico queira passar seja: “Nós não gostamos muito de vocês, ocidentais. E, enquanto seus líderes buscam diálogo e dizem que não somos islâmicos, estamos seguindo a lei islâmica ipsis litteris e, a propósito, entre os ocidentais que gostamos menos, encontram-se estes gays, pervertidos que arderão no inferno!”
Alguém entendeu o recado? Eles não gostam da gente. Eles não gostam de gays. Porque (segurem-se nas cadeiras) ele é islâmico.
Aí, o que faz a esquerda progressista, a esquerda socialista, a esquerda pró-Palestina, a esquerda “Uhuuuu, refugiados, que amor! Pura diversidade!”?
O Levante Popular da Juventude (sic), aquele do “Sou do Levante, tô com Maduro” (ditador que negocia com todo escol de grupo terrorista islâmico), faz um protesto contra… a Igreja Católica, na Catedral da Sé, em São Paulo. Como se ela tivesse alguma coisa a ver com um muçulmano (turma defendida pelo Levante) matando gays, seguindo o Corão.

Os partidos do Levante (o Popular, não o Levante do Oriente Médio, que o Estado Islâmico considera seu território), mormente PCdoB e PT, por desastrosa coincidência, são os mesmíssimos que aparecem com bandeiras da Palestina, pró-imigração muçulmana (a famosa hijrah islâmica) e criticando Israel, que até possui Parada Gay, tratando como vítimas coitadinhas todos os países muçulmanos da região e do mundo.
Só faltaram enfiar o dedo na cara de Dom Odilo Sherer e gritar: “Nós somos contra o califado!!”, puxando-o peço pescoço. Seria a demonstração non plus ultra do pensamento de esquerda sobre o mundo.
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Belos, recatados e do lar.
O Estado Islâmico quer explicar umas coisas para essas pessoas. Que, por exemplo, o islamismo não gosta deles. No Corão, a grande cidade representativa do mal no mundo, espécie de Sodoma ou Gomorrah, é Roma, justamente com sua Santa Sé. É contra ela que muçulmanos matam gays, considerando que a Igreja Católica os protege e é impura por seu materialismo (sic) e hábitos não-islâmico. Hoje comumente a “Grande Roma” é interpretada como sendo os Estados Unidos da América.
Claro, isso exigiria estudo, o que Levante Popular da Juventude, Hillary Clinton, New York Times, petistas, Folha de S. Paulo, feministas, comentaristas de telejornais, membros do Orgulho LGBT e defensores da causa Palestina (se podem ser diferenciados um do outro) nunca farão.
levante-popular-se2Mas… será que não dá pra entender essa obviedade nem se o Estado Islâmico atira gays de prédios, filma e põe no Youtube para amedrontar o Ocidente? (será que querem amedrontar católicos heterossexuais com isso?) Será que não dá pra perceber que o Estado Islâmico mata por causa do islamismo, e não de braços dados com a religião cristã, nem quando grita“Allahu akbar!” ([Meu] Deus é melhor [do que o seu])?
Qual a dificuldade em perceber que não foi “a homofobia”, essa com RG e CPF, que entrou numa loja, comprou um fuzil, ligou para a polícia dizendo “Meu nome é Homofobia Siddiqui Mateen, e juro fidelidade ao Estado Islâmico! Alá é o melhor, mas também Jesus Cristo consubstanciado na hóstia!” e saiu matando gays em nome de Maomé e Jesus para transformar a América numa teocracia.
Não, caceta. Ou devo ir agora pintar o arco-íris num templo budista para demonstrar meu repúdio ao crime em Orlando? Que tal gritar contra os Seicho-no-ie por não aprovarem o casamento gay? Qual será a serventia de sitiar uma sinagoga em desprezo ao cara do Estado Islâmico? Que tal a recusa ao jihadismo pichando um terreiro de umbanda? E a rejeição à Sra. Homofobia Anwar Malik Radhwa num centro espírita ou numa seita do Santo Daime?
Será que esse povo assim nem cogitou descer no Brás, duas estações de metrô depois, e fazer a tal manifestação numa porra duma mesquita?!

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Leon Trotsky, aliás, Bronstein (Winston Churchill)

Genial artigo de Churchill sobre Trotsky (enquanto este ainda estava vivo) – Fotos

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 1900 – Foto de Trostky nos arquivos da polícia do Czar
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 1915 – Na França com sua fiha Nina
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1916 – Documento da expulsão de Trotsky da França
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1918 – Trotsky uniformizado
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1928 – Trotsky matando o víbora do reacionarismo

Leon Trotsky, aliás, Bronstein

(Winston Churchill)


QUANDO O USURPADOR E TIRANO se reduz a controvérsia literária, quando o comunista, em vez de bombas, produz derramamentos de estilo para a imprensa capitalista, quando o refugiado senhor da guerra trava de novo suas batalhas na lembrança e o carrasco demitido fica prosa e tagarela ao pé da lareira, podemos comemorar os sinais de que dias melhores estão chegando. Tenho à minha frente um artigo que Leon Trotsky, aliás, Bronstein, publicou recentemente ao John o’ London Weekly, no qual se refere a meus comentários sobre Lênin, à Intervenção aliada na Rússia, a Lord Birkenhead e a outros tópicos sugestivos. Escreveu este artigo de seu exílio na Turquia, enquanto suplicava à Inglaterra, à França e à Alemanha para acolhê-lo nas civilizações cuja destruição tem sido — e continua a ser — o objetivo de sua vida. A Rússia — sua própria Rússia vermelha, a Rússia que ele montou e preparou conforme seus desejos íntimos, não importando o sofrimento de outros e os riscos para si mesmo — o expulsou. Toda a sua conspiração, toda a sua ousadia, toda a sua literatura, todas as suas arengas, todas as suas atrocidades, todos os seus feitos levaram-no simplesmente a isso — outro “camarada,” seu subordinado na hierarquia revolucionária, seu inferior em capacidade mental e conhecimento, embora talvez não em crimes, governa em seu lugar, enquanto ele, o outrora triunfante Trotsky, que, com um simples franzir de sobrancelhas, mandava milhares à morte, se acomoda em desconsolo. Uma crosta de maldade encalhou por algum tempo nas praias do Mar Negro e agora se despejou no Golfo do México.
Homem difícil de satisfazer deve ter sido. Não gostava do Czar, então assassinou-o e a sua família. Não lhe agradava o governo imperial, então o fez pelos ares. Não gostava do liberalismo de Guchkov e Miliukow, então os derrubou. Não podia suportar a moderação “social revolucionária” de Kerensky e Savinkov, então tomou seus lugares. Quando, afinal, o regime comunista, pelo qual lutara com todas as suas forças, estava estabelecido em toda a Rússia, quando a ditadura do proletariado dominava, quando a “nova ordem da sociedade” passara das visões à realidade, quando as odiosas cultura e tradições do período individualista tinham sido erradicadas, quando, em uma palavra, sua “utopia” foi alcançada, ele ainda estava descontente. Ainda se irritava, resmungava, rosnava, mordia e conspirava. Levantara os pobres contra os ricos. Levantara os miseráveis contra os pobres. Levantara os criminosos contra os miseráveis. Tudo acontecera como ele queria. Entretanto, os vícios da sociedade humana exigiam, ao que parece, novos castigos. No mais profundo dos abismos, ele buscava desesperadamente energia para afundar mais ainda. Mas — pobre infeliz — já tinha atingido o fundo rochoso. Não se podia encontrar nada mais baixo que a classe criminosa comunista. Voltou em vão sua atenção para as bestas selvagens. Os macacos não puderam apreciar sua eloquência. Não conseguiria mobilizar os lobos, cujo número aumentou tão significativamente durante sua administração. Então os criminosos que ele instalara no governo se aliaram e o depuseram.
Daí, esses artigos prolixos do jornal. Daí o ulular vindo do Bósforo. Daí essas súplicas para ser autorizado a visitar o Museu Britânico e estudar seus documentos, ou a beber as águas de Malvern para seu reumatismo, ou de Nauheim para seu coração, ou de Homburg para sua gota, ou de algum outro lugar para algum outro achaque. Daí o remoer nas sombras da Turquia, vigiado pelos olhos penetrantes de Mustafa Kemal. Daí suas partidas da França e da Escandinávia. Daí seu último refúgio no México.
É espantoso que um homem com a inteligência de Trotsky não fosse capaz de compreender o flagrante desgosto dos governos civilizados com os expoentes do comunismo. Ele escreve como se isso se devesse nada mais que a um preconceito intolerante contra novas ideias e teorias políticas rivais. Mas o comunismo não é apenas um credo. É um plano de ação. Um comunista não é somente o detentor de certas opiniões; é o adepto comprometido com um bem pensado instrumento para impor essas opiniões. A anatomia da insatisfação e da revolução foi estudada em cada fase, em cada aspecto, e um verdadeiro manual de treinamento foi preparado com espírito científico para ensinar a subverter todas as instituições existentes. O método de implantação forçada é parte do credo comunista, tal como sua própria doutrina. Inicialmente, são invocados os sempre nobres princípios de liberalismo e democracia, para proteger o nascente organismo. Liberdade de expressão, direito de reunião e todas as formas de manifestação política legítima são anunciadas e defendidas. Buscam aliança com qualquer movimento popular que tenda para a esquerda.
O primeiro marco é criar um moderado regime liberal ou socialista em algum período de convulsão. Mas este, tão logo criado, é deposto. As aflições e as carências resultantes da confusão devem ser exploradas. Confrontações entre os agentes do novo governo e as classes trabalhadoras, se possível com derramamento de sangue, devem ser preparadas. Mártires devem ser arranjados. Uma atitude de arrependimento dos dirigentes pode ser explorada positivamente. Uma propaganda pacífica pode ser a máscara de ódios jamais conhecidos entre os homens. Não é necessário, na verdade não pode ha0pver, qualquer compromisso com não comunistas. Qualquer gesto de boa vontade, tolerância, conciliação ou compaixão por parte de governantes ou estadistas dever ser usado para arruiná-los.
Então, quando chega a hora e o momento é oportuno, todas as formas de violência mortal, desde a revolta popular até o assassinato seletivo, devem ser usadas sem restrição ou remorso.  A cidadela será assaltada sob as bandeiras de liberdade e democracia. Uma vez que o aparato de poder esteja em mãos da Irmandade, toda a oposição e todas as opiniões contrárias devem ser extintas pela morte. Democracia não passa de um instrumento a ser usado e depois destruído; liberdade, apenas uma bobagem sentimental indigna de um lógico. A regra absoluta de um sacerdócio por livre escolha, de acordo com os dogmas aprendidos pelo hábito, deve ser imposta à humanidade, sem contemplação, progressivamente, mas de uma vez por todas. Tudo isto, sacramentado em tediosos livros didáticos, escritos também com sangue na história de muitas nações poderosas, constitui a crença e o propósito comunista. Para evitar a tempo, armar-se de antemão.
Escrevi este trecho há quase sete anos, mas acaso não é um relato exato da conspiração comunista que atirou a Espanha na atual terrível confusão, contra a vontade da esmagadora maioria de espanhóis de ambas facções?
É provável que Trotsky nunca tenha compreendido a doutrina marxista, mas foi o incomparável mestre de seu manual de treinamento. Possuía, inatos, todos os atributos exigidos pela arte da destruição cívica: o comando organizador de um Carnot, a fria e distante inteligência de um Maquiavel, a oratória de massa de um Cleon, a ferocidade de Jack, o estripador, e a dureza de Titus Oates. Nenhum resquício de compaixão, nenhum sentido de solidariedade humana, nenhum temor espiritual enfraqueceu sua elevada e infatigável capacidade de ação. Qual um câncer, cresceu, nutriu-se, torturou e matou para satisfazer sua natureza. Encontrou uma esposa que compartilhava a fé comunista. Ela trabalhava e conspirava a seu lado. Estiveram juntos em seu primeiro exílio na Sibéria, nos tempos do Czar. Deu-lhe filhos. Ajudou-o a fugir. Ele a abandonou. Encontrou outra mente irmã em uma moça de boa família, expulsa da escola em Kharkov por persuadir os alunos a se recusarem a comparecer às orações e a ler a literatura comunista no lugar da Bíblia. Com ela, formou outra família. Como diz um de seus biógrafos, Max Eastman: “Se você observa o aspecto estritamente legal, não se trata da mulher de Trotsky, pois ele nunca se divorciou de Alexandra Ivovna Sokolovski, que ainda usa o sobrenome Bronstein.” Sobre sua mãe, Trotsky escreve em termos frios e indiferentes. Seu pai, o velho Bronstein, morreu de tifo em 1920, foi deixado para afogar-se ou nadar no dilúvio russo e nadou imperturbavelmente para o fim. Que mais poderia fazer?
Ainda a respeito de Trotsky, neste ser humano tão destituído dos sentimentos e afeições próprios da natureza humana, tão elevado, por assim dizer, acima do rebanho, tão esplendidamente qualificado para sua tarefa, havia um componente de fraqueza particularmente importante, segundo o ponto de vista comunista. Trotsky era ambicioso, e ambicioso no sentido mais comum e mundano do termo. Todo o coletivismo do mundo não seria capaz de livrá-lo de um egoísmo que ia ao ponto da doença, uma doença fatal. Queria não apenas arruinar o estado queria, depois, governar a ruína. Todo sistema de governo do qual ele não fosse o chefe, ou quase o chefe, era-lhe abominável. A Ditadura do Proletariado, para ele, significava ele ser obedecido sem perguntas. Ditaria ele em nome do proletariado. As “massas trabalhadoras,” os “Conselhos ou Sovietes de Trabalhadores, Camponeses e Soldados,” o evangelho e a revelação de Karl Marx, a União Federal das Repúblicas Socialistas Soviéticas etc., para ele, soletravam-se em uma única palavra: Trotsky. Isso criou problema. Camaradas enciumaram-se. Ficaram desconfiados. Como chefe do Exército Russo, que reconstruiu em meio a indescritíveis dificuldades e perigos, Trotsky aparecia muito perto do trono vago dos Romanovs.
As fórmulas comunistas que usara com devastadora eficiência contra os outros agora não o atrapalharam. Descartou-se delas, tão prontamente quanto abandonou sua esposa ou seu pai ou seu nome. O exército deve ser refeito; a vitória deve ser alcançada; e Trotsky é quem deve fazê-lo, Trotsky é quem deve tirar proveito. Para que outro fim revoluções são feitas? Empregou sua excepcional perícia ao máximo. Os oficiais e praças do exército do novo modelo eram alimentados, vestidos e cuidados melhor que ninguém na Rússia. Oficiais do velho regime czarista foram trazidos de volta aos milhares. “Para o inferno com a política, vamos salvar a Rússia.” A continência foi reintroduzida. Os distintivos de posto e privilégio foram restaurados. Refez-se a autoridade dos comandantes. O alto comando viu-se tratado pelo arrivista e comunista com uma deferência jamais recebida dos ministros do Czar. O abandono pelos aliados da causa da Rússia legalista coroou aquelas iniciativas com uma vitória fácil e completa. Em 1922, era tão grande o apreço dos militares pela atitude pessoal e pelo sistema de Trotsky, que ele poderia perfeitamente ter se tornado ditador da Rússia pela mão das forças armadas, não fosse um obstáculo fatal.
Ele era judeu. Ainda era judeu. Nada podia superar isso. Destino ingrato, quando você abandonou a família, repudiou sua raça, cuspiu na religião de seus pais e juntou judeus e não judeus na mesma malignidade, ver-se privado de tão grande prêmio por uma razão tão insignificante! Tal intolerância, tal trivialidade, tal fanatismo eram realmente difíceis de aturar. E este desastre trazia arrastado outro maior. Na esteira da decepção, surgiu a catástrofe.
Pois entrementes, os camaradas não ficaram de braços cruzados. Também tinham ouvido a conversa dos oficiais. Também viram as possibilidades de um exército russo reconstituído em seus antigos elementos. Enquanto Lênin vivesse, o perigo parecia remoto. Lênin realmente via em Trotsky seu herdeiro político. Procurou protegê-lo. Mas, em 1924, Lênin morreu; e Trotsky, ainda ocupado com seu exército, ainda apreciando a rotina de administrar seu departamento, ainda recebido com aclamações anteriormente só dirigidas a Nicolau II, voltou-se para encontrar uma oposição pesada firmemente organizada contra ele.
Stalin, o georgiano, era uma espécie de secretário geral do aparato do governo. Administrava a vida do partido e manipulava os incontáveis comitês. Juntou pacientemente os fios e começou a puxá-los de acordo com um projeto muito claro. Quando Trotsky avançou esperançoso, na realidade confiante, para aceitar a sucessão de Lênin, viu que a máquina do partido orientava-se noutra direção. Na arena estritamente política das atividades comunistas, Trotsky foi rapidamente ultrapassado. Viu-se acusado, com base em seus volumosos escritos, de “antileninismo.” Parece não ter percebido que Lênin substituíra Deus no imaginário comunista. Por algum tempo, tivera a impressão de que essa correta substituição fora feita por ele, Trotsky. Reconheceu sua heresia e ansiosamente explicou a soldados e trabalhadores as irrefutáveis razões que o levavam àquela expectativa. Suas declarações foram recebidas com absoluto espanto. A GPU foi acionada. Oficiais sabidamente simpáticos a Trotsky foram afastados de suas funções. Depois de um período de silenciosa tensão, ele foi aconselhado a entrar em férias. Essas férias, depois de algumas interrupções, continuam até hoje.
Stalin usou seu sucesso para ter outro ainda maior. O Politiburo, sem o feitiço de Lênin e a força de Trotsky, foi por sua vez expurgado de seus elementos de poder. Os políticos que tinham feita a revolução foram dispensados, castigados e reduzidos à impotência pelo gerente do partido. A máquina engoliu o Gabinete e, com Stalin à testa, tornou-se o atual governo da Rússia. Trotsky foi atirado numa ilha pelos próprios amotinados que levara com tanta audácia a tomarem o navio.
Qual será seu lugar na história? Apesar de todos os seus horrores, uma luz brilhante dança sobre a cena e os atores da Revolução Francesa. A trajetória e a personalidade de Robespierre, de Danton, mesmo de Marat, projetam-se lúgubres através de um século. Mas as figuras esquálidas, sem graça dos bolcheviques russos não despertam maior interesse, nem mesmo pela dimensão de seus crimes. Forma e ênfase perderam-se num vasto processo de liquefação asiática. Mesmo a matança de milhões e o sofrimento de muitos outros milhões não atrairão gerações futuras para suas feições vulgares e seus nomes exóticos. Agora, em sua maioria, eles já pagaram por seus crimes. Surdiram de suas celas na Cheka para fazer ao mundo insólitas e monstruosas confissões. Tiveram a morte em segredo a que submeteram tantos homens mais bravos.
Mas Trotsky sobrevive. Permanece em cena. Esqueceu seus esforços, que Lênin via com restrições, para continuar a guerra contra a Alemanha, em vez de submeter-se aos termos de Brest-Litovsk. Esqueceu sua própria carreira de guerreiro e reconstrutor oportunista do exército russo. Em desgraça, voltou à ortodoxia bolchevique.
É de novo o expoente do mais puro sectarismo comunista. Em torno de seu nome, juntam-se os novos extremistas doutrinários da revolução mundial. Sobre ele cai todo o peso da perversidade soviética. A mesma propaganda vil que usou com tanta impiedade contra o velho regime agora se concentra sobre ele próprio, dirigida por seu único antigo camarada sobrevivente. Toda a Rússia, de Polônia à China, do Polo Norte ao Himalaia, é ensinada a vê-lo como o supremo canalha, que tentava, de uma ou outra forma, criar novos grilhões para os trabalhadores e trazer o invasor nazista para o meio deles. O nome de Lênin e a doutrina de Karl Marx são invocados contra ele, no instante em que se empenha freneticamente em explorá-los. A Rússia está recuperando forças, à medida que a virulência do comunismo diminui em seu sangue. O processo pode ser cruel, mas não é mórbido. É uma necessidade de sobrevivência o que impede o governo soviético a extrair Trotsky e seus venenos recém-destilados.
Em vão, ele se esganiça contra um vendaval de mentiras: em vão, denuncia a tirania burocrática da qual foi tão alegremente o chefe; em vão, tenta reunir o submundo da Europa para subverter o Exército Russo, que outrora se orgulhou de ter animado. A Rússia largou dele, e largou dele para sempre.
Talvez ele tenha ócio para contemplar o que fez. Ninguém pode lhe desejar castigo maior que uma vida longa, e que sua aguda inteligência e seu espírito inquieto possam atormentar um ao outro pela impotência e pela frustração. Em verdade, podemos prever o dia em que suas teorias, totalmente reprovadas na aplicação, cessem de incomodar o dinâmico e esperançoso mundo exterior; o dia em que a ampla tolerância que vem com a sensação de segurança permita que ele desacreditado e extinto, rasteje de volta para os lugares na Europa e na América onde passou tantos de seus primeiros anos. Pode ser que, nesses anos futuros, venha a encontrar tão pouca ajuda no trabalho que realizou quanto seu pai teve do filho que o gerou.
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1919 – A Guerra civil: Cartaz dos russos brancos dizimados pelo judeu comunista
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1919 – Trotsky com Lenin e L.B.Kamenev – Segundo Congresso da Internacional Comunista
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1920 – Parada na Praça Vermelha
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1920 – Retrato do Comandante do Exército Soviético ( na época os comunas haviam abolido as insígnias)
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1921 - Terceiro Congresso Mundial da Internacional Comunista
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1928 – Exilado na Turquia
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1940 – No México, pouco antes de seu assassinato ordenado por Stalin
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domingo, 26 de junho de 2016

Flavio Morgenstern - BREXIT: O QUE VOCÊ DEVE SABER E A GLOBO NEWS NÃO CONTA

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O referendo Brexit, que definiu que a Grã-Bretanha não faz mais parte da União Européia, causou um choque nas hostes do jornalismo mundial. O Brasil, crente manjado de qualquer coisa que saia no editorial do New York Times, levou um susto com o resultado: os ingleses não querem fazer parte da UE.
Durante a cobertura do Brexit na Globo News, comentava-se com entusiasmo que a decisão de permanecer era praticamente certa. Que até mesmo Nigel Farage, o líder do UKIP, o partido eurocético a transformar a Inglaterra em um sistema de quatro partidos principais, que nunca é citado sem as palavras mentirosas “xenófobo”, “populista” ou “de extrema-direita”, teria admitido a derrota. Que Financial Times, The Guardian, Telegraph e tantos outros davam como certa a permanência do Reino Unido na zona de mando de Bruxelas.
A Inglaterra foi o país que inventou o governo mediado e vigiado pela imprensa – seus paparazzi e sua imprensa marrom de tablóides até hoje é famosa por expor os podres e a privacidade de governantes, da nobreza e de celebridades.
Quando o primeiro referendo britânico a respeito da União Européia foi aventado na década de 70, simplesmente todos os jornais das Ilhas Britânicas advogaram pelo voto pró-União Européia, exceto dois: The Morning Star e The Spectator. Para este Brexit, um outro jornal se uniu ao time: o Daily Mail.
Quando foi a última vez que uma revista com mais de um século de idade como a Spectator, com os maiores nomes do país que mais espalhou cultura e civilização pelo mundo, foi citada como fonte no jornalismo brasileiro?
spectator-brexit-crackupNas últimas quatro mais importantes eleições do Reino Unido, a Spectator adivinhou o resultado de todas, enquanto o país e o mundo inteiro apostavam no contrário. Que a Escócia permaneceria no Reino Unido. Que David Cameron seria reeleito (afirmavam que as chances eram pequenas, Cameron foi o Primeiro Ministro com mais votos para reeleição desde ninguém menos do que Winston Churchill). Que o Brexit teria como resultado a saída da União Européia. Nos três casos, apostaram na vitória da esquerda. Perderam, para padrões britânicos, de lavada. Na única vitória (óbvia) da esquerda, a Spectator já exibia na capa de seu site que não havia surpresa, pois fora fácil antever os resultados com acampanha catastrófica do concorrente Zac Goldsmith.
Quantos brasileiros ouvem o nome da melhor revista semanal do Reino Unido? Quantos sabem da sua existência? Para o tupiniquim, mesmo (ou especialmente) o universitário pesquisador bilíngue, é praticamente uma certeza de que o único jornal lido e respeitado na Terra de Sua Majestade é o The Guardian, que até no formato tenta copiar os tablóides de fofoca The Sun e The Mirror, com conteúdo ideológico de mesmo jaez. Um jornal tratado pelos ingleses com a mesma confiança que o Brasil tem pelos piores colunistas da Folha de S. Paulo. Ou pela Carta Capital. É só ver o quanto conseguiu influenciar no Brexit.
Segundo a visão de sumidades do pensamento mundial como Cristiana Lôbo e J. K. Rowling, aqueles que não votaram por subjugar a Inglaterra aos burocratas não-eleitos da União Européia seriam “de extrema-direita”, racistas, xenófobos e radicais. Será uma visão válida? A globalização era criticada, justamente, pela esquerda na década de 90. Não há algo historicamente constituído que parece termos esquecido e que precisamos resgatar para interpretar os fatos?

GLOBALIZAÇÃO E GLOBALISMO

No Primeiro Mundo, quando se discute sobre os grandes blocos econômicos, sobretudo a UE e as medidas da ONU pelo mundo, é comum que se fale sobre o globalismo, a verdadeira questão do Brexit. O termo é praticamente desconhecido no Brasil, que obedece caninamente à ONU sem nem saber disso. A palavra possui o total de zero referências em nosso noticiário. Formadores de opinião, intelectuais e professores universitários, à direita ou à esquerda, não sabem o que é o globalismo, se são globalistas ou não.
O entendimento histórico comum, não só no Brasil de Paulo Freire, mas da educação voltada para a tecnicidade da sociedade, é o de que houve uma disputa entre fascismo, socialismo e capitalismo na Segunda Guerra e na Guerra Fria, e de, com a extinção militar provisória do primeiro o descrédito do segundo, hoje vivemos num mundo globalizado e multipolar, com tendências razoavelmente conservadoras ou progressistas disputando terreno em blocos de livre comércio que promovem a democracia.
Na suposição de uma hipotética multipolarizão, quais seriam de fato os vários pólos? Será que Bolívia, Grécia e Egito, ou mesmo Suíça, Qatar e Canadá, podem mesmo competir com a influência da América de Obama e da Rússia de Putin? Será que a Inglaterra tem mais poder como a Inglaterra através do Brexit ou como um voto eternamente derrotado na Comissão Européia?
merkel-erdoganAdicione-se a tal caldo o componente islâmico, que hoje pode ser considerado uma terceira força, e a massa do que nos ensinaram desanda de vez (vide o debate entre o filósofo conservador Olavo de Carvalho e “o cérebro de Putin” Alexandr Dugin sobre a Nova Ordem Mundial). Basta lembrar que, em uma lista recente das pessoas mais poderosas do mundo (da qual Dilma Rousseff saltou no abismo de 8.ª mulher mais poderosa do mundo para não comparecer entre as 100 mais), o homem mais poderoso da Europa foi considerado… Recep Erdogan, o presidente da Turquia, que mal faz parte da Europa.
A esquerda nas décadas de 80 e 90 era radicalmente contrária à globalização. Quem estudou até o início de 2000 lembra do pânico que palavras como “globalização”, “ALCA”, “FMI” e “acordo de livre comércio” causavam no que é hoje o PT, o PSOL, a Marina Silva, os professores de História, os especialistas de jornal. Por que todos inverteram o discurso e se preocupam tanto em chamar de “fascistas” e “racistas” quem possui ceticismo em relação à União Européia?
Em meados da década de 60, com a Guerra Fria no auge em diversas frentes, a intelectualidade do Ocidente já havia abandonado todas as esperanças de conter o avanço comunista. A questão não era se o comunismo seria possível globalmente, mas quando.
Para Karl Marx, a Revolução ocorreria espontaneamente, pelo materialismo histórico-dialético. Como já notara o filósofo Benedetto Croce, arqui-rival de Antonio Gramsci, em Materialismo Histórico E Economia Marxista, tal previsão nunca ocorreu, e os operários ganhavam cada vez mais a cada década no capitalismo.
fora-alca-fmiDesde a Segunda Internacional, houve um racha entre os comunistas da velha guarda, das casernas e coturnos, que queriam a Revolução, e os então intitulados socialistas. Estes últimos não acreditavam mais na Revolução, preferindo criar partidos socialistas e chegar ao socialismo pelas vias democráticas. Controlando o Estado, poderiam criar direitos trabalhistas e aumentar impostos, até a atividade econômica ser abocanhada e unificada pelo Estado. Com 51% de impostos, o Estado poderia comprar empresas privadas, se tornando o maior agente econômico de um país, até criar o socialismo sem, supostamente, derramar uma gota de sangue. Desacreditados em 1889, ganharam força com a dissolução das monarquias européias após a Primeira Guerra, e começaram a criar Partidos Socialistas por todo o Ocidente. Leis para se comprar empresas privadas são criadas. A situação e a ideologia são facilmente reconhecíveis no Brasil de 2016, mas não é levada em conta para o Brexit.
Os capitalistas se assustam e, culturalmente, capitulam, financiando a Guerra Fria no front militar, mas fagocitando o ideário socialista em sua cultura. É a era da Escola de Frankfurt atacando a base familiar da sociedade, de Antonio Gramsci transformando tudo em propaganda partidária, de Foucault, Reich, Deleuze e do sex lib, do maio de 68 e do Woodstock. O único problema seriacomo causar a Revolução em países de capitalismo avançado (e não os bananeiros de Terceiro Mundo sonhando em se tornar a China), que não aceitariam de bom grado a estatização dos meios de produção.
Um grupo de capitalistas na América traça então um programa de reação. O principal nome era o economista austríaco e futuro Nobel de EconomiaFriedrich von Hayek, que, graças a tal pragmatismo, abdica de alguns princípios mais ortodoxos da Escola Austríaca de Economia de que faz parte. Como colaboradores, não teve economistas “austríacos”, mas os Chicago Boys de Milton Friedman, da Escola de Chicago.
friedrich-von-hayekO plano foi a chamada globalização da economia, aplicando um princípio hoje básico estudado por 9 em cada 10 economistas iniciantes em obras como a de Gregory Mankiw: se ao invés de um país produzir batatas e armas, um país que produza bem armas (diga-se, a Suíça) e outro que produza bem batatas (como a Inglaterra) especializarem-se cada qual em seu setor de excelência e trocar livremente com o outro país, ambos terão uma produção maior e enriquecerão mais e mais rapidamente do que se precisassem produzir tudo.
A economia setorizada torna todos os países mutuamente dependentes. Nada de Brexit até então. Onde antes havia o ranço nacionalista e o protecionismo que gerou a Primeira Guerra, a dependência econômica gerou a paz e uma fraternidade entre os povos europeus nunca antes vista. Confirmando inversamente a tese de Frédéric Bastiat, em A Lei: por onde não passa o comércio, passam soldados. Retirados os soldados, veio o comércio.
Com uma economia globalizada e setorizada, causando hiperprodução e um enriquecimento rápido e sem igual, não havia como ganhar eleições com Partidos Socialistas e “socializar os meios de produção”. O avanço do socialismo foi barrado por Friedrich von Hayek na economia e, militarmente, pelas 26 letras do artigo quinto do Tratado de Washington, que fundou a OTAN em 1949“The Parties agree that an armed attack against one or more of them in Europe or North America shall be considered an attack against them all”. Um herói de quem seu professor de História nunca ouviu falar, mas odeia sem saber.
A história é integralmente desconhecida por aqueles que espumam “Eu estudei História!” com empáfia e bordões na internet, mas ela possui complicações que confundem nossa visão sobre o mundo hoje. Vide o Brexit.
A esquerda, que lutou contra “a globalização” até o início da década de 2000 (alguém se lembra de José Bové, que vinha ao Brasil de mãos dadas com o MST, tratorando McDonald’s pelo mundo?), mudou radicalmente (sic) o discurso contra os “neoliberais” (até hoje mal definidos), preferindo fingir que não tentou lutar contra a forma de economia que mais enriqueceu os pobres, com rapidez inacreditável até para os deslumbrados, em toda a história. E hoje pode criticar o Brexit à vontade, mesmo que o globalismo da UE não seja o Estado gigante que sempre sonhou.

DETURPARAM A UNIÃO EUROPÉIA

Os primeiros acordos de livre comércio entre países são feitos, como o famoso Benelux, gênese da futura União Européia, que estudamos na escola. Os Chicago Boys, liberais tout court, ainda que num nível muito mais brando do que a Escola Austríaca, ocupam as fundações que determinariam os rumos da futura União Européia. Estão até hoje no FMI, no Banco Mundial, no Banco Central Europeu, nas fundações bilionárias que dão tutano à UE.
Aqui é preciso entender uma bifurcação. Na economia liberal, quanto mais países integrados e praticando comércio (trocas livres), melhor. Na política, o exato contrário é melhor: os agentes precisam ser locais, não terem poder sobre vastos territórios, não estarem longe do povo representado, não terem poder de barganha perante muitos outros políticos em conluio.
Graças a isso, o Brexit pode aproveitar o melhor dos dois mundos: poderes políticos locais, com tratados de livre comércio (quem não quer comercializar com a Inglaterra?) com a Europa e com o mundo.
worldbankTal bifurcação confunde mortalmente os analistas até hoje, como confundiu os próprios Chicago Boys. O comércio livre pretendido funcionaria à perfeição se fosse um comércio entre indivíduos e empresas, não entre governos. A despeito da suposta promoção do “livre comércio”, a UE gera, justamente, protecionismo europeu ante a produtos estrangeiros ao bloco.
Mais: o comércio é firmado entre governos, o que é justamente o tipo de comércio pretendido por Marx, Stalin e Mao. Ludwig von Mises, maior economista do mundo e principal nome da Escola Austríaca, deu a seu magnum opus o título de Ação Humana justamente para frisar tal noção de comércio. E o próprio Mises avisa que acordos comerciais feitos por governos sempre visam a estimular as próprias exportações e a tolher as importações.
Em outras palavras, a globalização de “livre comércio” apenas mantém uma certa aparência de comércio. Apesar de todos os países da União Européia terem enriquecido no bloco (o argumento número 1 dos unionistas), quem mais cresceu foi a burocracia para gerir o próprio bloco – e, sobretudo, o poder transnacional sobre as decisões populares em cada país. É isso que gera o Brexit, não “extremismo”.
Como escrevem sobre o Brexit Ryan McMaken e Carmen Elena Dorobat noInstituto Mises:
A UE é uma organização secreta e totalmente isolada do povo europeu, o qual não detém absolutamente nenhum poder de supervisão sobre ela. A UE não é gerida por pessoas eleitas. O próprio Parlamento Europeu é totalmente impotente para impedir ou revogar os atos da Comissão Europeia (que é o corpo executivo da União Europeia). Os membros da comissão não são eleitos, mas sim designados pelos governos dos estados-membros.
Sendo um conglomerado formado por dezenas de comissões anônimas e secretas, a UE é um paraíso para um burocrata.  Pessoas extremamente poderosas permanecem praticamente anônimas, seguras para impingir seus infindáveis esquemas intervencionistas sem jamais temer qualquer punição dos eleitores.  Praticamente ninguém é capaz de citar os nomes dos mais poderosos indivíduos da UE, seja dos cinco presidentes da UEou de outros poderosos membros das organizações pertencentes à UE.
Como bem disse um observador: “De que adiantaria eu saber quem eles são?  Ninguém tem nenhum poder sobre eles.”
Como já sabiam os céticos do globalismo desde sempre, não é mera burocracia: é um Leviatã instituindo leis a serem obedecidas, sob pena de sanções, que nunca foram debatidas. Nem mesmo seus autores foram eleitos. Aliás, o povo nem sequer sabe da sua existência.
A globalização econômica, liberal, enriquecedora e libertadora de tiranias, trouxe em sua aplicação na Europa, o berço da civilização e o Primeiro Mundo par excellence, uma forma de controle político nunca antes experimentada pela Europa. O que possui uma aparência de livre mercado é o nome fantasia de um controle por engenheiros sociais não-eleitos, completamente desconhecidos do público comandado, promovendo toda a sorte de políticas alienígenas aos valores europeus, aos desejos populares, à própria noção de que a Europa que conhecemos continuará a ser a Europa, e não um puxadinho da Arábia Saudita ou do Estado Islâmico.
O Brexit, fora uma turbulência econômica ínfima inicial, faz bem aos cidadãos, e mal aos políticos. Poucas coisas são tão boas no mundo. Beira o sexo.
Graças a isso, Nigel Farage, o líder do partido da independência britânica UKIP, encurralou o presidente da União Européia na parede de maneira histórica, com um comentário que faria muito analista político que chama Nigel Farage de “extrema-direita” ou “eurofóbico” (sic) sem resposta: quem diabos é o presidente da União Européia, que manda tanto na Europa?!
Alguém aí viu algum comentário sobre as pessoas pró-União Européia (ou podemos chamá-las de “eurocrentes” ou “britanicofóbicos”?) serem “extremistas radicais”? Fanáticos adoradores de Leviatã?
O que confunde estes analistas desconhecedores do que está acontecendo um pouco escondido de seus narizes, em salas secretas da União Européia bem protegidas dos olhos do público, é que o suposto “livre comércio” (como se fosse possível entre governos) é quem está promovendo um Estado gigantesco hoje.
No dizer de Shakespeare, era um serpent’s egg: a promoção do suposto livre-comércio deu origem ao Leviatã moderno. Por isso o globalismo convive bem com os Chicago Boys no Banco Mundial, a um só tempo em que promove toda a agenda progressista através de seus órgãos de Educação, por exemplo. A antiga esquerda “anti-globalização” hoje é a esquerda nadando no FMI. E o Brexit, apoiado por alguns membros da velha guarda do Partido Trabalhista inglês, é chamado de projeto “de extrema-direita”.
Não à toa, o único brasileiro a falar do globalismo, ainda que com o antiquado nome de “Nova Ordem Mundial” (que envolve um sem número de teorias da conspiração que nada têm a ver com a seriedade do tema), o filósofo Olavo de Carvalho, é incompreendido pela esquerda e pela direita por falar de um conceito conhecido unicamente no Primeiro Mundo. Quantos “especialistas” de Globo News sabem, digamos, 20% do que vai acima? 10%? 5%?
Crendo apenas no formalismo de pactos e tratados, diminuem o poder local, próximo do povo, para entregá-lo de mão beijada a burocratas em órgãos não-eleitos que promovem agendas, ideologias, regulações, imposições, obrigações e novas formas de viver, da mais cotidiana das tarefas até a visão de mundo quase metafísica, sem que ninguém saiba sequer quem são.

BREXIT: DESLIGUE A GLOBO NEWS E VÁ OUVIR IRON MAIDEN

No mundo pós-1980, justamente quando o Banco Mundial se encarregou dos ditames de toda a educação mundial, em mais uma demonstração de como o globalismo atua silenciosa e invisivelmente no mundo, embora com onipresença, onipotência e cada vez mais onisciência, tudo se reduziu a uma pitada de palavras que cabem entre os dedos para filtrar e explicar o mundo. Basta ler as análises de Pascal Bernardin sobre os documentos da ONU para a educação mundial em Maquiavel Pedagogo.
Através dos mesmos institutos de pesquisa tão confiáveis que erraram as três últimas eleições nacionais no Reino Unido, hoje todos os jornalistas que ontem juravam de pés juntos que o Brexit resultaria na permanência da União Européia aos mandos e desmandos da União Européia afirmam que quem votou pela saída foram velhos, brancos e sem escolaridade. Você acredita no que o Guardian, a Caros Amigos e a Lúcia Guimarães acreditam?
Toda a discussão sobre o Brexit está se pautando na idéia de imigração. Para ela, basta então associar a saída da União Européia não ao que os britânicos sentem na pele todo santo dia, mas a racismo. Soltando as palavras “racismo”, “nacionalismo” e “extremismo” em seus adversários e “tolerância” e “diversidade” para si próprios, nenhum jornalista, acadêmico, cientista político, historiador ou especialista de Globo News precisa saber nada sobre o que está em jogo no mundo. É dizer o que pega bem no senso comum reconstruído justamente pelo Banco Mundial e correr para o abraço da galera na Vila Madalena.
O que passa a milhas de distância de suas sinapses é que a questão imigratória não é o centro da discussão, mas uma conseqüência. Que não se trata de imigrantes, mas sim de fronteiras de poder.
Não se discute se o Reino Unido faz parte da Europa, e sim de um governo transnacional não-eleito sitiado em Bruxelas, cujo presidente, se perguntado a qualquer fanático pelo Remain que considere que o Leave é a primeira trombeta do Apocalipse, ninguém saberá o nome (dica: é Jean-Claude Juncker).
Os “inteligentes” da Globo News nem sequer descobrir que o principal nome da campanha pelo Brexit não era Nigel Farage, do UKIP, mas o conservador tradicional Boris Johnson, Tory, ex-prefeito de Londres até há pouco, intelectualíssimo e autor de uma majestosa biografia de Churchill.
Os mesmos que adoram criticar o grande poder do FMI, do Banco Mundial e dos governantes agora criticam o Reino Unido, 5.ª maior economia do mundo que ensinou o planeta a enriquecer, por se livrar dos ditames do FMI de Strauss-Kahn, do Banco Mundial de Jim Yong Kim e de toda sorte de lobistas, tecnocratas, banqueiros e burocratas corruptos para ficarem com o próprio dinheiro e a própria liberdade para si. Desde que a esquerda aprendeu a ganhar com a burocracia, nem um partido socialista e uma cafonérrima retórica anti-capitalista são necessários.
Para não falar da agência promovida pelos globalistas, lucrando com comércio, ganhando poder com o controle sub-reptício de órgãos para-estatais cada vez mais poderosos, secretos e mandando em um número cada vez mais alto de pessoas. Toda a educação que promove o aborto, o feminismo, o controle populacional, a nova eugenia, a destruição da família e das tradições como algo “normal” vem direto da Comissão Européia, do Banco Mundial e quejandos.
Como disse Elton Flaubert:
Por trás da grana, o que realmente guiava os europeístas (de direita e esquerda) era a ideia de uma união política. Por isto, o tratado determina a criação de uma Comissão Europeia, um Conselho Europeu, um Parlamento Europeu e um Tribunal de Justiça Europeu.
Era a consolidação de um sonho grandiloquente dos humanistas: a integração que homogeniza – por cima – os valores.
Bruce Dickinson The Trooper UK flagO que está em discussão no Brexit é se o Reino Unido terá leis próprias ou leis da Comissão Européia. Leis inclusive para imigração: o “Império que nunca dorme”, com colônias da América até a China, não tem imigrantes graças à União Européia, e nem deixarão de ter, a despeito do maniqueísmo reducionista de quem quer enxergar “racismo” e “xenofobia” (agora com uma modalidade mais engraçada: a “eurofobia”) em manter uma Inglaterra inglesa: pontual, cortês, bebendo pints de Guinness em bares protegidos pela Carta Magna, e não precisando obedecer a shari’ah. Isto é ser “radical de extrema-direita”?
O ideário brasileiro é contaminado, ou melhor, inteiramente determinado pela meia dúzia de palavras prontas da Globo News, cujo nome não disfarça a que veio (além do Ministério da Educação e da Câmara dos Deputados, a principal atuação pública da ONU e dos globalistas no Brasil é através do Criança Esperança).
Entendendo por que os ingleses são viciados em História – basta ler as letras do Iron Maiden – entenderemos porque do mais simples campesino a grandes intelectuais do porte de Sir Roger Scruton, a terra que primeiro trabalhou o senso comum e o empirismo não se deixa dobrar por explicações fáceis com palavrinhas mágicas como “racismo” e “integração”.
O país de Churchill (e seu “We shall never surrender!” cantado em Aces High), de Shakespeare (“multicultural” o suficiente?), de Coleridge, de Chesterton – todos musicados pelo Iron Maiden – só poderia ter em seu espírito não o servilismo brasileiro a qualquer coisa estatal com “social” no nome, mas o fogo de The TrooperThe ClansmanThe Duelists Be Quick Or Be Dead, com seu ceticismo em relação a burocratas e políticos. Basta trocar o imaginário e não precisaremos de tantos argumentos.
A Carta Magna, o primeiro grande documento conservador do mundo, foi o que tornou a Inglaterra a monarquia mais respeitada do mundo, a um só tempo em que combina a idéia de representatividade popular de maneira muito mais avançada e funcional do que as democracias modernas: uma carta que limita o poder do rei, nunca permitindo que o monarca tenha mais poder do que o reconhecido pelo povo.
A Comissão Européia, por acaso, possui uma Carta Magna? Enquanto não possuir, os britânicos estão muito mais corretos do que Globo News, Guardian e CNN em preferirem ser súditos de Sua Majestade.
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