segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

A onça e o bode, fábula brasileira, texto de Luís da Câmara Cascudo


3022012
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Ilustração M&V Editores
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A onça e o bode
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O Bode foi ao mato procurar lugar para fazer uma casa.  Achou um sítio bom.  Roçou-o e foi-se embora.  A Onça que tivera a mesma ideia, chegando ao mato e encontrando o lugar já limpo, ficou radiante.  Cortou as madeiras e deixou-as no ponto.  O Bode, deparando a madeira já pronta, aproveitou-se, erguendo a casinha.  A Onça voltou e tapou-a de taipa.  Foi buscar seus móveis e quando regressou encontrou o Bode instalado.  Verificando que o trabalho tinha sido de ambos, decidiram morar juntos.
Viviam desconfiados, um do outro.  Cada um teria sua semana para caçar.  Foi a Onça e trouxe um cabrito, enchendo o Bode de pavor.  Quando chegou a vez deste, viu uma onça abatida por uns caçadores e a carregou até a casa, deixando-a no terreiro.  A Onça vendo a companheira morta, ficou espantada:
– Amigo Bode, como foi que você matou essa onça?
– Ora, ora… Matando!… Respondeu o Bode cheio de empáfia.  Porém, insistindo sempre a Onça em perguntar-lhe como havia matado a companheira, disse o Bode:
– Eu enfiei este anel de contas no dedo, apontei-lhe o dedo e ela caiu morta.
A Onça ficou toda arrepiada, olhando o Bode pelo canto do olho.  Depois de algum tempo, disse o Bode:
– Amiga Onça, eu lhe aponto o dedo…
A Onça pulou para o meio da sala gritando:
– Amigo Bode, deixe de brinquedo…
Tornou o Bode a dizer que lhe apontava o dedo, pulando a Onça para o meio do terreiro.  Repetiu o Bode a ameaça e a onça desembandeirou pelo mato a dentro, numa carreira danada, enquanto ouviu a voz do Bode:
– Amiga Onça, eu lhe aponto o dedo…
Nunca mais a Onça voltou.  O Bode ficou, então, sozinho na sua casa, vivendo de papo para o ar, bem descansado.
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Em: Contos tradicionais do Brasil (folclore), Luís da Câmara Cascudo, Rio de Janeiro, Edições de Ouro: 1967
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Este conto foi arrebanhado por Câmara Cascudo do volume de J da Silva Campos,Contos e fábulas populares da Bahia, em Folk-Lore no Brasil, Ed. Basílio de Magalhães, Rio de Janeiro, 1928.
Câmara Cascudo lembra que esta variante do conto, [popular no Brasil inteiro, com versões também de origem indígena], “tem reminescência africana, resquício religioso dos negros do Congo Zambese“, da região Bantu.

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