Na minha ignorância de comunista juvenil, não entendia porque
meu ídolo Darcy Ribeiro, nunca falava mal de Gilberto Freyre, o “representante
das casas grandes”, ou seja, das históricas e nefastas oligarquias da nossa
história. Pelo contrário, Darcy sempre cobria Freyre de elogios. Sempre
exaltava as características mestiças da nossa formação. Sobretudo, como
salienta Freyre em sua obra, a mestiçagem cultural. O velho e bom Darcy sempre
dizia que se não fosse a desigualdade, seríamos uma das nações mais exuberantes
do mundo.
Politicamente, Darcy era de esquerda, e apostava no populismo
nacionalista messiânico, tipo Vargas, que seria o mentor brasileiro. Já
Gilberto Freyre, era conservador, apesar de ter sido comunista na juventude. O
primeiro era ligado ao brizolismo, e o segundo apoiou o regime militar, e os
governos conservadores de sua província, de onde nunca saiu.
Ao ler Casa Grande Senzala, e depois Sobrados e Mocambos me
dei conta da minha ignorância provida de ideologia, como convém boa parte a
muitos ignorantes. Não lia autores considerados conservadores, que estavam num
certo “index” de obras não recomendáveis, digamos assim. Assim como Darcy,
Freyre ressaltava nossas características mestiças, e descrevia nossa história
através desta miscigenação. O branco amorenado pela dominação árabe, o
português, com os indígenas e negros. De negros com indígenas, e por aí vai.
Claro, ambos eram radicalmente contrários ao racismo e sempre apoiaram as leis
brasileiras neste sentido.
Só que, com o tempo, naturalmente reconheci o óbvio. Gilberto
Freyre é bem maior do que Darcy, sem querer fazer comparações, mais isto hoje é
mais do que claro, digamos assim. Gilberto Freyre foi escanteado pelos
intelectuais uspianos, notadamente marxistas, tratado como um intelectual
menor. Meramente descritivo, chegado ao pitoresco, tendo sua obra ,
psicologicamente falando, como saudosa da sociedade patriarcal escravocrata.
Que era anti-semita e brando em relação à opressão escravocrata sobre os negros
africanos. Hoje ele é cada vez mais estudado, e suas obras são sempre
reeditadas. Até Fernando Henrique, que fazia parte dos intelectuais marxistas
ou próximos ao marxismo uspiano, pediu desculpas pelas bobagens que
compartilhou durante décadas sobre a obra feyreana.
Hoje assistimos arautos do racialismo no país. Os negros são
pouco mais de 4% da população. Já os mestiços, a grande maioria. Aí vem essa
turma com a história de cotas para negros e outras bobagens. Incitando os
negros ou mestiços a brigar com os brancos. Aliás, qual a verdadeira
porcentagem de brancos no país?
Nas escolas, nos livros de história incluíram história
africana. Mas como, se a África é um grande mosaico das mais variadas culturas,
onde, em muitos casos, ainda impera o tribalismo? A própria escravidão negra era
praticada, bem antes da chegada dos europeus, há séculos, pelos próprios negros
africanos, sobretudo os muçulmanos. Aqui no Brasil, milhares de negros, quando
libertos, tornavam-se severos senhores de escravos, afinal, todos tinham
escravos. Os ricos para tocarem suas plantações, minerações, e serviços
domésticos. Os pobres, com os chamados escravos de ganho. Que faziam pequenos
serviços como vender doces nas ruas, ou mesmo os antigos serviços de
prostituição, trazendo os lucros para o seu dono de ocasião. Em outras
palavras, a questão da escravidão era um fato muito mais complexo do que uma
briga entre europeus maus contra negros escravizados bons, sobretudo pela sua
condição, deplorável incontestavelmente, de escravos.
O que temos mesmo é seguir a orientação de Darcy, que foi
também um grande participante na cena política nacional há mais de cinquenta
anos. Temos que fazer uma ótima escola para o nosso povo. Deveria haver uma
verdadeira mobilização nacional neste sentido. Uma escola com bons, porque bem formados
professores, e com salários dignos, claro. Com códigos de disciplina rígidos,
sem essa de bagunça. Com a alfabetização essencialmente fonética, como no
passado, e participação efetiva das comunidades e das famílias no processo
educacional.
O chamado “sócio construtivismo” ao tirar do professor a
centralidade do processo educacional, desmontou completamente nossa educação.
Tiraram a autoridade dos professores, e a colocaram nas mãos de crianças e
adolescentes, naturalmente cruéis e impetuosas, mimadas e autoritárias.
Resultado: Temos já mais do que uma geração de pessoas bem nutridas, mas
ignorantes. Sem educação familiar, e religiosa, temos a química perfeita para o
desastre. Ou seja, a maior causa de morte de jovens no país hoje é a violência.
Hoje os jovens nem respeitam os pais, estes cheios de culpas em limitar os
ímpetos maléficos dos filhos, nem os professores, nem tampouco as religiões, as
quais sempre tiveram sólidos princípios morais, construídos milenarmente:
resultado: são mortas pelas gangues, pela polícia e tudo o mais. A
criminalidade nunca chegou a estes limites de uma verdadeira guerra civil.
Aonde os homens de bem, defensores da família e das instituições, são tratados,
sobretudo pela mídia como “conservadores e caretas”. Enquanto escrevo, tenho
muita pena dos professores, hoje, UMA DAS PIORES PROFISSÕES DO BRASIL. Tem-se
que aguentar perorações de pedagogos claramente equivocados, e o barbarismo de
crianças e adolescentes nas salas de aulas, sem ter quem os defenda. Por essas
e outras todos fogem das salas de aula. É triste passar a vida sendo insultado
por jovens impetuosos e naturalmente ignorantes, em que os pais “despejam”
diariamente nas escolas sem a devida contrapartida de uma pelo menos razoável
educação doméstica. Pobre país...
Hoje, nem temos mais , digamos, intelectuais. Até os anos
setenta ainda os tínhamos, e podíamos nos deleitar com suas posições e
controvérsias. Na falta de uma elite intelectual, segue-se a pobreza cultural.
Na falta de paradigmas, até a classe média segue a subcultura do antigamente
chamado lumpesinato. Vide as porcarias que hoje assistimos nas mídias. Dá
vontade de chorar. Hoje, mais do que nunca, reina a imbecilidade, como diria o
finado Nélson Rodrigues. Que deve tremer no seu túmulo diante das idiotices do
nosso “universo” cultural que ele criticava com humor e sarcasmo nos anos
sessenta. Que para nós hoje, era um mundo iluminado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário