terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

A epidemia secreta

A epidemia secreta

Veja - 03/02/2014
 

O governo de Brasília escondeu os casos de dengue durante a Copa das Confederações. Pior: a contaminação pode ser ainda maior em plena Copa do Mundo
Em junho do ano passado, as atenções do planeta estavam voltadas para Brasília. Palco da abertura da Copa das Confederações, a capital federal recebeu autoridades e milhares de torcedores dos mais variados países. O evento serviria de ensaio para a Copa do Mundo deste ano — um teste no qual a cidade acabou aprovada, mas sem muitos méritos. Marcada por confrontos entre polícia e manifestantes, a festa, sabe-se a gora, aconteceu em meio a uma epidemia de dengue. O problema é que ninguém dentro ou fora do Estádio Mané Garrincha sequer desconfiava dos riscos de contaminação porque o governo do Distrito Federal simplesmente decidiu esconder os relatórios técnicos que alertavam sobre o avanço da doença. Uma decisão que teve dois objetivos: evitar um monumental constrangimento aos organizadores e omitir a negligência dos administradores públicos. O vexame, porém, pode ter sido apenas adiado. Sem ações concretas de prevenção, é muito grande o risco de a dengue ressurgir com força às vésperas da Copa do Mundo.
O desaparecimento dos relatórios foi descoberto pelo Ministério Público do Distrito Federal em abril, quando os casos de dengue atingiam o pico (veja o quadro na pág. ao lado) e já representavam um aumento de 500% em relação aos números registrados no mesmo período do ano anterior. Investigando o episódio, a promotoria de Defesa da Saúde soube, através de funcionários do próprio governo do Distrito Federal, que houve uma ordem informal para embargar a divulgação das ocorrências de dengue notificadas. Os mapas epidemiológicos produzidos pelos técnicos, antes disponibilizados na internet, passaram a receber um carimbo de "circulação restrita" e sumiram da rede a partir de janeiro, mês em que os casos da doença começam a aumentar por causa das chuvas. "Essa omissão foi criminosa. A Secretaria de Saúde escondeu esses dados para não comprometer a imagem do governo, justamente às vésperas da Copa das Confederações", acusa o promotor Jairo Bisol.
A dengue é transmitida pela picada do mosquito Aedes aegypti, que se reproduz em focos de água parada. A moléstia provoca febre alta, dores no corpo, dor de cabeça e pode até matar. A forma mais eficiente de combater a proliferação do mosquito é conscientizar a população a eliminar os pontos de reprodução do vetor. Um trabalho de campo que só pode ser feito adequadamente por meio da divulgação e do estudo dos dados sobre o avanço da doença. Em 2013, o Distrito Federal registrou 11594 ocorrências de dengue — oito vezes mais em relação aos 1437 casos verificados em 2012. O número de infectados por grupo de 100 000 habitantes atingiu níveis que caracterizam uma epidemia, segundo o Ministério Público. Para evitar que o problema voltasse a se repetir em plena Copa do Mundo, o governo precisaria ter investido em ações de prevenção. Mas nada foi feito — ou melhor, quase nada. No fim do ano passado, o governador Agnelo Queiroz anunciou a liberação de cerca de 40 milhões de reais para a realização de campanhas publicitárias para orientar a população sobre as maneiras de combater a doença.
Segundo o Ministério Público, nos últimos dois anos o governo investiu apenas 8 milhões de reais em ações de publicidade contra a dengue. Já os recursos aplicados no combate direto à moléstia foram praticamente irrisórios. "E aí o governo chega agora e diz que vai gastar 40 milhões apenas em publicidade? Não deixa de ser estranho esse descompasso justamente num ano eleitoral", critica o promotor, que vai entrar nesta semana com uma ação de improbidade contra os responsáveis pelo repasse de verbas. A Promotoria da Saúde também conseguiu fazer com que o governo voltasse a publicar os relatórios epidemiológicos sobre as ocorrências de dengue. E os mapas atualizados mostram um cenário não muito diferente do que se viu em 2013. O monitoramento fechado na semana passada revela que os casos da doença em Brasília já quadruplicaram em relação à primeira semana do ano. Indagada sobre as acusações de manipulação, a subsecretária de Vigilância em Saúde, Marília Coelho, negou qualquer irregularidade ou mesmo negligência, mas não soube explicar por que ainda hoje os dados da epidemia do ano passado continuam inacessíveis na página do governo.

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