terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

A conta um dia chega

A conta um dia chega

Veja - 03/02/2014
 

O custo da energia no mercado de curto prazo bate recorde histórico, resultado da perigosa combinação de obras atrasadas, pouca chuva e planejamento falho
Seca em período de chuvas, verão excepcionalmente quente. O Sistema Cantareira, principal reservatório de água da Grande São Paulo, por exemplo, está com apenas 22% da sua capacidade preenchida, o seu mais baixo nível em quase quarenta anos. É o terceiro verão seguido de chuvas abaixo da média histórica. São Paulo e outra dezena de capitais brasileiras poderão lidar com racionamento de água, caso as chuvas não se intensifiquem nas próximas semanas. O abastecimento de energia elétrica também opera no limite. Em um período no qual as usinas termelétricas movidas a gás e a óleo deveriam estar desligadas, elas operam a todo o vapor. Como reflexo inevitável da falta de chuvas, do aumento no consumo e da utilização intensa das fontes emergenciais — e mais caras — de energia, o custo da eletricidade disparou. Ainda não na tarifa cobrada dos consumidores, mas no chamado mercado livre, no qual são negociados o fornecimento de curto prazo para as empresas que ainda não contrataram a totalidade do fornecimento de que necessitam. O preço atingiu a marca de 822,83 reais o megawatt-hora.
Trata-se de um aumento vertiginoso quando contraposto ao valor de 249.92 reais registrado na virada do ano. O preço é calculado por meio de um modelo matemático que reúne variáveis como as expectativas de chuva, a vazão dos rios, a carga e o custo de operação do sistema, entre outros fatores. O resultado dessa conta determina o preço de todo o estoque de energia contido no sistema naquele momento. Quando o preço sobe, as indústrias e os demais integrantes do mercado livre (que correspondem a 27% da demanda nacional e concentram os maiores consumidores) têm as suas tarifas reajustadas. Já os consumidores comerciais e residenciais contam com apenas um reajuste anual, e muitas vezes são beneficiados com descontos. Um exemplo disso foi a decisão da presidente Dilma Rousseff de promover no ano passado uma queda média de 20%. Vivemos a paradoxal situação de ver o preço da energia elétrica subindo mas as contas de luz permanecendo mais baratas. O prejuízo fica com as empresas distribuidoras, que compram a energia que será repassada para o destinatário final. Como forma de atenuar o problema, o governo oferece às companhias — com recursos do Tesouro, ou seja, do contribuinte brasileiro — empréstimos temporários para aliviar o baque no fluxo de caixa. A dinheirama para esse fim chegou a 13 bilhões de reais no ano passado. "O preço final da energia aos consumidores residenciais e comerciais caiu não por causa de um aumento na oferta, como seria o correto, mas por uma decisão política", afirma Cristopher Vlavianos, presidente da Comerc, a maior gestora independente do país. "Os consumidores ganharam um incentivo para gastar mais, em um período de escassez."
Os brasileiros, obviamente, não podem ser responsabilizados por terem melhorado o seu padrão de consumo. Se faz calor, eles têm todo o direito de ligar os seus aparelhos de ar condicionado. É o governo que não cumpriu seu dever de assegurar os investimentos necessários. Sem a conclusão de obras de transmissão atrasadas e a inauguração de mais usinas, o cenário ficará complicado. Segundo especialistas, só não vivemos um novo racionamento agora graças às usinas termelétricas. O custo de mantê-las operando está estimado entre 1 bilhão e 1,5 bilhão de reais por mês. Será mais uma conta pesada a ser paga no futuro pelos brasileiros, seja sob a forma de um aumento nas tarifas, mantidas hoje artificialmente mais baixas, seja sob a forma de mais subvenções para o setor, bancadas pelos impostos. O total gasto com tamanhos subsídios poderia na verdade estar alimentando investimentos em novas fontes. O governo, porém, preferiu abaixar o preço daquilo que não tinha a oferecer em quantidade suficiente — e agora torce para não ter de lidar com um novo e constrangedor apagão.

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