quinta-feira, 5 de março de 2015

JOSÉ PAULO CAVALCANTI FILHO - A MORTE VALE A PENA?

A MORTE VALE A PENA? (UM COMPLEMENTO)
Perguntaram: “E se a estuprada fosse sua filha”?
Respondi: “E se o estuprador fosse seu filho? E se ele, olhando em seus olhos, dissesse Papai, sou inocente”?
Diálogo real ocorrido em um debate, no Recife.
Como o último texto que enviei ao Editor do JBF (A Morte Vale a Pena?) levantou comentários muitos, faço umas poucas observações complementares. E começo dizendo que, em certo sentido, a civilização sempre hesitou entre o crime e o castigo. Em convivência que sofre as influências de um diversificado conjunto de circunstâncias. E que depende, fundamentalmente, da maior ou menor importância que se confira a dois valores básicos, e freqüentemente contraditórios, da vida social – segurança e justiça. Desde muito.
No Brasil. Primeiros textos penais estavam nas Ordenações Filipinas, com a pena de morte sendo aplicada “segundo a classe social do autor e da vítima”. Vigoraram até 1830, quando foram substituídos pelo Código Imperial. Nosso primeiro executado, em 1635, foi Domingos Calabar. De triste memória.
Já o último, Manoel de Motta Coqueijo – do município de Macabu (Rio de Janeiro) -, é um caso exemplar. A mulher morreu. As más línguas disseram ter sido envenenada. Pelo marido, que estava perdidamente apaixonado por uma filha menor do colono Francisco Benedito. Pouco depois da viuvez, procurou o colono vizinho e pediu a mão da filha em casamento. Foi posto para fora da propriedade a chibatadas. Francisco Benedito foi morto, em seguida. E aquele, a quem a opinião pública passou a denominar Fera de Macabu, acabou preso. Tudo indicava ter sido ele. Sendo afinal executado, em 4 de maio de 1855. Apesar do clamor popular, e de todos estarem tranquilos por o saberem (no íntimo) culpado, morreu jurando inocência.
Passa o tempo e em 1876, no seu leito derradeiro, um padre foi atender caboclo que as crônicas da época consideravam esquisito. Chamava-se Herculano. A esse padre, em confissão, disse que o colono Francisco Benedito lhe negou pão, de maneira grosseira. Que o matou, por raiva e ter bebido cachaça demais. E que se escondeu na caatinga, certo que seria preso. Só que, em seu lugar, respondeu pela morte Motta Coqueijo. Pediu perdão, por se considerar responsável pelas duas mortes – a do que matou, e a do que foi enforcado no seu lugar. Queria morrer em paz.
O padre lhe deu a extrema-unção e passou viver um drama de consciência. Por não dever tornar pública uma confissão. E por não poder silenciar sobre o que ocorreu. Por fim, reconhecendo que a família de Motta Coqueijo tinha direito à verdade, relatou a confissão ao próprio Imperador Pedro II – que, depois desse erro judiciário, entrou em depressão. E passou a, sistematicamente, comutar a pena de capital pela de trabalhos forçados. O risco de executar mais um inocente era demais, para ele. E nunca houve outra morte assim no Brasil, depois disso.
A pena foi proscrita, entre nós, pelo Decreto 774, de 20 de setembro de 1890. E não constou do Código Penal da República, de 1890. Ao fim sendo proibida pela Constituição Federal de 1891, art. 72, (§ 21). Hoje, a regra está no art. 5º (XLVII, a) da Constituição de 1988. Que veda a pena de morte, salvo em casos de guerra declarada. Para muitos autores consagrados, clausula petrea da Constituição. Que não pode ser alterada.
O tema nos leva à própria etiologia do ato de perdoar. André Frossard observa: “Eu temo que esta estranha doçura que perdoa tão facilmente os outros não seja senão uma forma medicamentosa de indiferença”. Ou talvez se pudesse dizer, como Vladimir Jankelevitch, que “perdão é morte no campo da morte”. Seja como for, é indispensável uma reflexão madura sobre a prática do perdão em espaços socialmente desequilibrados, como o nosso, onde invariavelmente estará a serviço das elites.
No mais, e para uma adequada compreensão do problema, algumas questões precisam ser previamente enfrentadas. Entre elas, com predominância, a da crise no sistema penitenciário. O Congresso de Direito Criminal da ONU, em Beijin, reconheceu haver, hoje, uma progressiva diminuição da maturidade biológica. Produzida pela competição profissional. E por estímulos ao consumo. Sobretudo a partir das televisões. O jovem rouba e mata porque deseja um tênis da Nike. Ou viver a vida como o pessoal da Skol. A idade média dos criminosos cai, cada vez mais. Em toda parte. E o congresso de Havana concluiu que cadeia não regenera. Nem ressocializa. Que só alimenta a criminalidade organizada. E que é problema. Mas, nesse caso, onde está a solução?
Por tudo, então, a aceitação da pena de morte ainda exigiria uma definição prévia de limites. Assim, aceitando-se a pena de morte, como recusar a tortura, que permite a sobrevivência da sua vítima? Se os valores sociais se deslocam para o resultado, por que não institucionalizar grupos de extermínio, esquadrões da morte ou justiceiros? E por que não legitimar a eliminação de portadores de moléstias contagiosas e doentes incuráveis ou terminais? É preciso examinar tudo isso com menos emoção, senhores. Para findar, volto a insistir em um ponto. Nos Estados Unidos, em 80 anos, 23 inocentes foram mortos. O Governo enviou às famílias, depois, cartas pedindo desculpas. É suficiente?

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