quinta-feira, 26 de março de 2015

As quatro lições de Jouvenel Por João Cesar de Melo, publicado no Instituto Liberal


As quatro lições de Jouvenel

Por João Cesar de Melo, publicado no Instituto Liberal
Num dos capítulos de seu livro A Ética da Redistribuição, o escritor francês Bertrand de Jouvenel esclarece sobre o papel da desigualdade na distribuição de riqueza e as consequências de políticas de nivelamento intelectual e econômico. Para tanto, o autor identifica quatro pontos que devem ser considerados: Primeiro, “Necessidades pessoais para indivíduos de gostos originais”; segundo, “A perda, para a sociedade, do esforço especial que essas pessoas fariam a fim de satisfazerem suas necessidades especiais”; terceira, “A perda, para a sociedade, da variedade de estilos de vida resultantes de esforços bem sucedidos para satisfazer desejos especiais”; quarta, “A perda, para a sociedade, daquelas atividades que são sustentadas pela demanda das minorias”. Entendamos o que cada um desses pontos significa.
1° – Cada indivíduo carrega em si um conjunto de características próprias, moldadas pela genética e potencializadas pela família, cultura, religião, sociedade e economia, o que torna absurda qualquer medida genérica do Estado visando atender “demandas sociais” − cada indivíduo tem necessidades próprias!
Numa mesma família, filhos de um mesmo casal, criados num mesmo ambiente, apresentam interesses, gostos e desejos diferentes, independentemente da vontade dos pais. Essa obviedade tão ignorada pelo socialismo − que tenta incansavelmente formatar todas as pessoas num único arquétipo intelectual − é o principal fomentador do desenvolvimento humano. O sucesso de qualquer país está vinculado ao nível de liberdade que cada cidadão tem para desenvolver-se em função de suas próprias características. Para cada indivíduo que se utilizará da liberdade para roubar ou matar, haverá muitos outros utilizando esta mesma liberdade para trabalhar, produzir, criar novos procedimentos e tecnologias e também para ajudar outras pessoas. O socialismo justifica seus métodos dizendo que é necessário coibir a violência e a ganância em suas origens − família e mercado −, porém, tais métodos acabam penalizando todos os indivíduos indiscriminadamente, muito antes da identificação dos “malfeitores”. A burocracia representa isso muito bem – o Estado impondo um conjunto de formalidades na esperança de impedir fraudes, o que acaba criando o ambiente perfeito para os fraudadores desenvolverem, junto a alguns agentes do próprio Estado, formas de se burlar tais formalidades. Ou seja: O Estado enxerga todos os cidadãos como picaretas – “as exceções que provem o contrário!”. Não por acaso, a burocracia é uma das principais características dos regimes mais à esquerda.
2° – Numa sociedade livre, a quase totalidade dos indivíduos tentará atingir seus objetivos por meio do trabalho. Quanto maiores as ambições de cada indivíduo, maior é seu esforço em realizá-las; e o conjunto dos esforços de outros indivíduos alimenta a competição, que aumenta a qualidade dos produtos e serviços oferecidos a todos. O operário que quiser um carro melhor ou uma casa maior que a de seus colegas terá que se esforçar mais ou demonstrar alguma capacidade especial para ganhar um salário melhor. Neste ambiente, até os preguiçosos e incapazes ganham, já que terão acesso a produtos e serviços melhores e mais baratos produzidos por outras pessoas, afinal, numa economia rica e dinâmica, todos são consumidores de todos.
Nas economias subjugadas aos caprichos socialistas, esforços tendem a não ser recompensados. A principal razão da ineficiência da agricultura cubana é a ausência de recompensas individuais, já que todos os esforços devem ser destinados ao “bem comum”, esta entidade abstrata, sempre descrita poeticamente pelos socialistas, cobrada com fervor nos discursos − desde que o “bem comum” absorva apenas os esforços dos outros.
3° – A variedade de estilos de vida resultantes de desejos especiais gera uma incontável gama de produtos e serviços que interagem com a economia de massa. Até pouco mais de um século atrás, o ato de se alimentar era uma questão de sobrevivência diária para a grande maioria da população. Escolher o que comer era privilégio dos ricos. Hoje, esta mesma parcela de pessoas escolhe, por prazer, o que almoçar ou jantar. Até mesmo um favelado brasileiro tem um cotidiano alimentar muito superior a de um cidadão de “classe média” do final do século XIX. Favelado faz churrasco!
Não foram as “boas intenções” socialistas que promoveram a diversificação e massificação da produção de alimentos no mundo. Foram as excentricidades e as ambições dos mais ricos; pessoas desejando alimentos melhores e diferentes − e, por que não, mais baratos −, financiaram o desenvolvimento do setor, cujas empresas enxergaram que poderiam aproveitar o know-how para produzir alimentos também para as camadas mais baixas da população. Hoje, quase não há diferença entre o que o Presidente dos Estados Unidos e o cidadão comum americano ou brasileiro comem. O mesmo podemos dizer a respeito de higiene pessoal, da saúde e do vestuário. Até o século XVIII, na Europa, “o que distinguia o homem de classe média do de classe baixa era o fato de o primeiro ter sapatos, e o segundo não”, como já disse Ludwig von Mises. Sapatos era um luxo, sua fabricação era voltada para atender os mais ricos, porém, os próprios fabricantes destes sapatos começaram a perceber que poderiam criar produtos voltados para as camadas mais baixas, principalmente depois que elas começaram a ter rendas maiores por conta da nova atividade econômica, a indústria. Imaginemos, então, o que teria acontecido se algum governo tivesse imposto que… “se todos não podem ter sapatos, ninguém os terá”.
Todo produto de luxo financia, direta ou indiretamente, o mercado popular. Um playboy, qualquer que seja suas excentricidades, gera mais benefícios públicos do que a maioria dos engajamentos sociais. Para atender aos caprichos de cada playboy, diversos profissionais especializados oferecem produtos e serviços especiais, recebendo remunerações especiais. Cada produto e serviço, por mais especial que seja, depende de uma gama de fornecedores que, de uma forma ou de outra, também atendem as massas.
Sem as excentricidades privadas, também não teríamos uma arte tão diversificada. Quem encomendaria quadros para embelezar a casa? Quem se disporia a produzir algo “diferente” para uma massa de clientes com os mesmos gostos e rendas? Ninguém. Novamente, nos basta dar uma olhada em Cuba, onde a produção cultural é riquíssima de coisas iguais, afinal, como diz o artigo 38 da constituição do país: “És libre la criación artística siempre que su contenido no sea contrario a la Revolución”.
4° – Se uma das funções da democracia é salvaguardar a liberdade das minorias, e se “a menor das minorias é o indivíduo”, como já disse Ayn Rand, toda e qualquer excentricidade deve ser respeitada. A excentricidade faz parte da alma do ser humano. Do mais rico ao mais miserável, todos têm as suas. O mendigo da esquina mantém consigo um ou outro objeto que achou na rua. Na maioria das vezes, algo sem valor ou função, mas para ele representa alguma coisa. Um automóvel de um milhão de dólares, por mais sem sentido que seja para muitas pessoas, para outras é algo desejável, e esse desejo movimenta toda uma cadeia de esforços individuais, distribuindo renda numa cascata de vasão espontânea e legítima.
“É difícil dizer o que teria sido do desenvolvimento econômico do Ocidente caso as coisas essenciais tivessem sido colocadas em primeiro lugar”, reflete Jouvenel, apontando para a realidade de que são desejos muitas vezes extravagantes que acabam alimentando uma gigantesca cadeia produtiva que, uma hora ou outra, beneficia até a pessoa mais miserável. A maioria dos produtos que abarrotam os supermercados e das tecnologias que tornam nossas vidas confortáveis têm suas origens na vaidade e na excentricidade de uma minoria de indivíduos.
Discriminar os mais ricos é um dos piores erros que uma sociedade pode cometer contra si mesmo. Em vez de rejeitá-los, devemos criar o ambiente para que eles se interessem em gastar suas fortunas consumindo nossos produtos e serviços, não os dos outros.
Jouvenel finaliza: “A história nos mostra que cada ampliação bem sucedida das oportunidades de consumo estava vinculada à distribuição desigual dos meios de consumir”.

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