JACOB BURCKHARDT E A DEMOCRACIA DOS MEDÍOCRES
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Ler as Cartas de Jacob Burckhardt, escritas entre 1838 e 1897, é conhecer um homem completo. Ele não foi apenas o compulsador de arquivos empoeirados, trabalho cuja importância aprendeu com Leopold von Ranke, mas também desenhista, compositor, pianista, amante dos vinhos e da ópera, principalmente de Verdi, excelente observador dos costumes e eterno insatisfeito consigo mesmo, qualidades que nos concederam, dentre outras obras, A cultura do Renascimento na Itália.
São poucas as cartas nas quais Jacob Burckhardt não faz algum comentário a respeito de política, que acompanhava pelos jornais e se correspondendo com amigos de toda a Europa. Em muitas delas, temos a decepcionante impressão de que o historiador fala do nosso tempo.
Quando já se prenunciavam as insurreições de 1848, ele adverte: “Nenhum de vocês sabe ainda o que o povo é, e quão facilmente ele se transforma em uma horda de bárbaros”. E completa: “Você não sabe que tirania será exercida sobre o espírito, sob o pretexto de que a cultura é a aliada secreta do capital que deve ser destruído”. Poucos meses depois, reafirma sua previsão e narra o que vivemos hoje: “É uma longa história […] a difusão da cultura e o decréscimo da sua originalidade e individualidade, da vontade e da capacidade; e um dia o mundo irá sufocar e cair sobre o estrume do seu próprio filisteísmo”.
Desprezando os partidos, todos os ismos eistas, sua principal convicção era de que “a mais elevada concepção da história da humanidade” é “o desenvolvimento do espírito de liberdade”. Exatamente por essa razão, temia os excessos do império da maioria. Nenhuma mente lúcida pode discordar de sua análise sobre a democracia, regime político que “não compreende a exceção, e, quando não se pode negá-la ou removê-la, passa a odiá-la de todo coração”.
No Brasil, onde vivemos há quase duas décadas sob o poder quase que absoluto do mesmo partido, bem sabemos o quanto ele estava certo ao dizer que “a democracia pode apenas usar homens medíocres como ferramentas, e o carreirista comum lhe dá todas as garantias que ela pode desejar de um sentimento comum”.
A sensibilidade de Burckhardt pode se resumir ao amor incondicional que ele teve pela Itália e, principalmente, por Roma: “Quando deixei Roma pela última vez […] e o coche fez uma parada na Porta del Popolo para que apresentássemos os passaportes, desci mais uma vez e, solenemente, dei três passos outra vez pelo portão, desejando que isso simbolizasse meu retorno”.
Em sua nobreza, era capaz de perceber claramente o quanto “nossa ambição deveria elevar-se do estágio da vaidade para o de desejo pela fama”. Para Burckhardt, ser vitorioso em relação aos outros não deve constituir um problema. A percepção dessa verdade nascia de seu profundo e salutar individualismo, em nome do qual jamais deixou de defender a idéia de que “o homem pode significar muito para si próprio, e quanto mais ele significa para si, mais significa para os outros”.
Além de execrar os filisteus e dedicar-se, integralmente, à escrita e ao magistério — em Basiléia, na Suíça —, com poucas semanas de férias anuais, Burckhardt teve um único lema: “Um homem só é interessante se amar alguma coisa”.
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