O núcleo político original de Bolsonaro surgiu no chamado baixo clero da Câmara, onde o hoje presidente eleito pontificou por quase três décadas. Ocorre que sua candidatura cresceu, transcendeu aquele círculo estreito inicial e agregou gente bem mais graduada.
Ele tornou-se a bandeira do antipetismo, reunindo em torno de si a elite militar (que, a princípio, o via com reservas e hoje investe e aposta no seu governo), a elite do mercado e a porção liberal-conservadora da academia. O nível, não há dúvida, subiu.
Isso lhe criou um problema que não está sendo fácil de administrar: o contraste, inclusive (e sobretudo) intelectual, entre os aliados de primeira hora e os que agora se agregam a seu governo.
Como conciliar o sentimento de lealdade àqueles que apostaram na sua candidatura e as exigências de qualificação técnica que, à medida em que monta sua equipe, se impõem naturalmente?
Em outras palavras, como incluir políticos como Magno Malta (que não se reelegeu ao Senado) e Alberto Fraga (derrotado ao governo do DF), amigos do peito, num primeiro escalão bem mais sofisticado? Simplesmente, não há como fazê-lo.
O próprio Onyx Lorenzoni, já destacado para a chefia da Casa Civil, tornou-se menor que as exigências do cargo, cujas atribuições serão reduzidas e restritas à articulação com o Congresso.
O general Hamilton Mourão, vice-presidente, absorverá a parte mais substantiva do que cabia à Casa Civil, funcionando como um coordenador do Ministério. É um militar intelectualmente preparado, que passou por diversos cursos de aperfeiçoamento, inclusive no exterior, e já exerceu cargos administrativos e de comando no Exército. Tecnicamente, está a léguas de Lorenzoni e do baixo clero.
Idem o general Augusto Heleno, que ocupará a chefia do Gabinete de Segurança Institucional, encarregado da Inteligência do governo e de assessoramento direto ao presidente.
Na área econômica, a cargo de Paulo Guedes, os nomes até aqui escolhidos primam pelo apuro técnico. No Ministério da Justiça, Sérgio Moro forma sua equipe com gente que sustentou a Lava Jato.
Mesmo em áreas delicadas, como Relações Exteriores e Educação, os nomes escolhidos – respectivamente, Ernesto Araújo e Ricardo Velez Rodriguez – são, independentemente das restrições de cunho ideológico que se lhes façam, reconhecidos por seu valor intelectual e títulos acadêmicos. Não são baixo clero.
O presidente, no entanto, irá governar com o baixo clero. Ele compõe sua base parlamentar e entre eles não pode haver ressentimentos. O grande desafio do político Bolsonaro – e sua experiência como deputado lhe garante o título – será o de conciliar as exigências do cardinalato que o cerca com as demandas das bancadas temáticas (evangélicos, ruralistas, segurança etc.).
Eles estão sendo ouvidos na formação do ministério, mas nenhum está capacitado a integrá-lo.
Não passariam no Enem ministerial, cujo padrão, no fim das contas, distancia o presidente de seus aliados iniciais e o compromete com um projeto bem além de seu ponto de partida.
Ruy Fabiano é jornalista
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