sexta-feira, 18 de março de 2016

Samuel Pessoa: “O nó brasileiro hoje não é a corrupção, mas o Estado” BEATRIZ MORRONE (TEXTO) E FLÁVIA YURI OSHIMA (EDIÇÃO)




O economista Samuel Pessoa chama atenção para o risco de acreditarmos que o fim da corrupção será o fim dos males brasileiros. “A corrupção cria uma série de problemas”, diz ele ”mas seu custo é menor do que as pessoas imaginam”. A verdadeira fonte dos nossos problemas é que o Estado brasileiro está mal dimensionado, com uma estrutura insustentável de privilégios. Por tudo isso, Pessoa não acredita no fim da crise no curto prazo.
Samuel Pessoa é economista, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV e sócio da gestora Reliance (Foto: Camila Fontana/ÉPOCA)

ÉPOCA - Como o Brasil pode sair deste caos?
Samuel Pessoa - 
Sou cético em relação a uma melhora do país em curto prazo, porque acho que há um problema de diagnóstico. As pessoas que estão nas ruas avaliam que os problemas do país se resumem à corrupção, que gera desperdício. E que se esse desperdício for reduzido, vai sobrar dinheiro no caixa do Tesouro nacional. Considero essa percepção incorreta. A gente está passando por uma situação de esgotamento fiscal do país. A sociedade, nos últimos 30 anos, jogou sobre os ombros do Estado brasileiro uma série de demandas e gastos. Alguns meritórios, outros nem tanto.
ÉPOCA -Qual seria um exemplo de gasto meritório?
Pessoa -
 É difícil julgar, mas certamente o mais meritório que conheço é o programa Bolsa Família. É relativamente barato e combate a pobreza. É um programa focado, que beneficia as pessoas que precisam, tem contrapartida – a garotada tem que ir para a escola –, há estudos que mostram que o desempenho das crianças de famílias atendidas pelo programa melhora. É muito difícil criticar o mérito do programa.
ÉPOCA -Algumas das críticas ao programa vêm acompanhadas do argumento “melhor do que dar o peixe é ensinar a pescar.” Como o senhor responderia a essa crítica?
Pessoa -
 O objetivo do Bolsa Família não é ensinar a pescar, é dar o peixe. E ele faz isso de forma muito barata e eficiente. Há pessoas que estão numa situação de fragilidade e de pobreza tão grande que precisam do peixe. Ao receber o peixe, elas adquirem alguma capacidade de melhorar de vida. Conseguem educar os filhos melhor e dar melhores condições a eles, de forma que possam aprender a pescar. Para isso, além do programa, é evidente a necessidade de melhorar a qualidade do ensino público do país.
ÉPOCA  - E um gasto menos meritório?
Pessoa - 
Subsídio nacional para empréstimos do BNDES, por exemplo. Essa política pública não dá retornos sociais. Custa para o Tesouro e não gera retorno para a sociedade. É desnecessária.

ÉPOCA  - Por que a percepção sobre a corrupção é incorreta?
Pessoa -
 A verdade é que a corrupção cria uma série de problemas e acho que estamos combatendo-a. Mas o custo da corrupção é muito menor do que o que as pessoas imaginam. O combate à corrupção, embora melhore o país, não fará aparecer recursos vultosos do Tesouro nacional. O Estado brasileiro está mal dimensionado. Arrecada menos do que gasta. E não porque está crescendo menos. Arrecada menos do que gasta por um problema estrutural, que gerou expectativas ruins, que geraram crescimento econômico baixo. O nó brasileiro hoje é o Estado.
ÉPOCA  - Como mudar esse cenário?
Pessoa -
 É difícil mudar. Para que a gente consiga ajustar esse cenário, precisamos aumentar a arrecadação e/ou reduzir o gasto. As duas coisas vão mexer na vida de todo mundo. A massa acha que existe um problema distante dela, localizado em meia dúzia de corruptos, e que resolver esse problema é suficiente para aparecer um monte de dinheiro e ficar tudo bem. Não é isso. O problema do Brasil somos todos nós. O Estado brasileiro outorgou direitos a indivíduos e essa estrutura de direitos é incompatível com a capacidade de arrecadação dele.
ÉPOCA  - O senhor pode citar exemplos de direitos incompatíveis com a capacidade de arrecadação do Estado?
Pessoa - 
Tenho vários exemplos, como o Sistema S, que é importante, mas vive de impostos sobre a folha de salário. Um exemplo é o monte de viúvos e viúvas de servidores públicos que recebem uma aposentadoria integral. A aposentadoria no Brasil se dá por tempo de contribuição, o que faz com que a idade média dos aposentados seja baixa, 54 anos. Ricos ocupam vagas em universidades públicas. Sou a favor de que estudantes de universidades públicas paguem a mesma mensalidade que pagavam pelo ensino secundário. É uma questão de igualdade de oportunidades. Existe também uma série de isenções tributárias. O cardíaco, por exemplo, não paga imposto de renda. Isso tudo não faz sentido. A gente sai distribuindo benefícios sem nenhum critério.
ÉPOCA  - Como cortar esses gastos desnecessários?
Pessoa -
 Primeiro temos que reconhecer isso e aceitar abrir mão desses benefícios. E vai doer. Quase todas as pessoas que estão se manifestando se encaixam em algum desses exemplos que eu citei. A maioria delas, por boa fé, acha que o problema do Estado brasileiro é a corrupção do PT. Eu não sou petista, sou tucano, mas sei que o problema do Brasil não é esse. Nossos problemas são maiores, mais profundos e mais estruturais.
ÉPOCA  - O senhor acredita que esses benefícios serão cortados? 
Pessoa - 
Não. Sou pessimista com o Brasil. As minhas propostas são politicamente inviáveis. O país tem que sofrer muitos anos com o baixo crescimento e a inflação para a gente aprender que o problema é esse. Nesse sentido, a Operação Lava Jato é ruim. Apesar de ter um monte de coisas boas, – é republicana, trata todos como cidadãos iguais – ela vende para a sociedade que a corrupção é a fonte de todos os nossos males. Penso bem diferente disso. A fonte dos nossos males somos nós mesmos. A nossa estrutura insustentável de privilégios

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