terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Claudio de Moura Castro Vestibulares indigestos


Claudio de Moura Castro

Vestibulares indigestos

"O vestibular das escolas públicas
é um dos grandes culpados pela
fragilidade de nosso ensino médio,
pois a sobrecarga curricular é imposta
às escolas de elite, e as outras a copiam"



Ilustração Ale Setti

Imaginemos que na Constituição brasileira houvesse um artigo obrigando os reitores das universidades públicas a fazer o vestibular antes que ele fosse aplicado aos candidatos às vagas em suas instituições. Será que os reitores receberiam notas boas?

E se, como possivelmente seria o caso, as notas fossem ruins? Alguns explicariam que, depois de tanto tempo, não poderiam lembrar-se do que lhes foi lecionado no ensino médio. Porém, vejamos: para que serve ensinar o que até eminentes acadêmicos esquecerão? Os reitores tiveram desempenho acadêmico destacado, são pessoas educadas e capazes de usar sua educação. De outra forma, não chegariam ao cargo de reitor. Mas, se tiverem esquecido as matérias que pedem seus vestibulares, isso significa que em sua carreira não precisaram desses conhecimentos. Se é assim, por que as universidades não requerem no vestibular justamente os conhecimentos que os reitores usaram para chegar à posição de magnífico? Em vez disso, os vestibulares pedem o que os reitores já esqueceram.
A hipótese fantasiosa dos parágrafos anteriores é apenas o prefácio para uma discussão séria. A matrícula nas grandes instituições federais é o sonho de centenas de milhares de brasileiros que lá vêem um ensino gratuito que acreditam ser melhor do que alhures. Logo, o melhor ensino médio, quase sempre privado, tem como missão fatal preparar os alunos para esses vestibulares. Infelizmente, no restante do ensino se dá a pura mímica do que fazem as escolas de elite. Portanto, ao arrepio dos novos parâmetros curriculares, que possuem mais foco que os velhos, o que define a sala de aula do ensino médio é o vestibular da universidade pública mais próxima.
A tendência das instituições públicas é lotear o vestibular para os professores das disciplinas correspondentes. Estes decidem o que entra, baseados no que gostariam que chegassem sabendo os alunos que irão para seus departamentos. Quando juntamos tudo, temos um banquete de assuntos e perguntas que, de tão lauto e pesado, vai dar indigestão nos candidatos. Talvez a necessidade da seleção de uns poucos que irão para os cursos mais competitivos requeira tantos fatos e minudências para triar os melhores. Mas pensemos nas conseqüências menos auspiciosas do entulho curricular. Os candidatos de áreas menos competitivas, os candidatos reprovados e os alunos que nem sequer prestam vestibular serão vítimas do empenho dos fabricantes de vestibular em incluir um volume exagerado de informações, cuja intenção seria afinar mais a capacidade de discriminação da prova no topo da distribuição de candidatos. Ou seja, cria-se uma horrenda distorção no ensino médio para refinar a seleção de um grupelho de candidatos de elite.
Os alunos do ensino médio não são capazes de dominar tudo o que se pede nem de decorar tudo o que está no currículo. Esse é simplesmente um vestibular para gênios. Mas, no esforço patético de preparar estudantes cobrindo todo o território curricular, deita-se água no feijão. A educação fica rala, perde profundidade. Ensina-se demais; por isso, aprende-se de menos. Curto e grosso, o vestibular das escolas públicas é um dos grandes culpados pela fragilidade de nosso ensino médio, pois a sobrecarga curricular é imposta às escolas de elite, e as outras a copiam.
A solução é simples. O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) responde a todas as nossas reivindicações de um instrumento que focalize os temas centrais do currículo e que exija raciocínio, e não decoreba. Porém, o Enem poderia tirar o leite das criancinhas dos fazedores de vestibular. Por isso, quando adotado, ele quase sempre vem se somar aos penduricalhos curriculares do vestibular, e não substituí-lo. Não é por aí.
Com todas as reformas que estão no ar, quem sabe se obrigássemos os reitores a prestar vestibular e, no dia seguinte, publicássemos no jornal suas notas? Provavelmente, os magníficos cuidariam de fazer incluir no vestibular apenas aqueles conhecimentos que, ao longo do tempo, serviram a sua carreira (por exemplo, ler, escrever, pensar etc.). Em contraste, gostariam de ver subtraído tudo aquilo que esqueceram com o passar do tempo, por total falta de serventia.

Claudio de Moura Castro é economista
(claudiodmc@attglobal.net)
 

 

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