quinta-feira, 22 de setembro de 2016

5 razões por que deveríamos acabar com o FGTS, o 13º salário e o INSS


5 razões por que deveríamos acabar com o FGTS, o 13º salário e o INSS

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O ano é 1943. Com dois em cada três habitantes vivendo no campo – e 62% deles sem saber ler ou escrever -, o Brasil ainda é uma grande fazenda. A máquina de escrever elétrica é a última novidade no mercado. O automóvel e o telefone, dois luxos distantes, restritos a menos de 1% da população. E a datilografia é a profissão do futuro.
Foi neste cenário que Getúlio Vargas promulgou a Consolidação das Leis Trabalhistas, que você provavelmente conhece pelas iniciais CLT. De lá pra cá, mais de sete décadas se passaram e o Brasil mudou radicalmente, tornando-se um país com uma indústria diversificada e incorporando tecnologias inimagináveis na época. Nossa legislação trabalhista, porém, permanece essencialmente a mesma.
 
Durante esse período, trocamos determinados direitos por outros. Em 1966, extinguimos a estabilidade no setor privado, que impedia uma empresa de demitir um funcionário com mais de dez anos de trabalho, e criamos o FGTS como compensação. Na parte de custos, no entanto, nada muito relevante mudou.
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Talvez você não faça ideia disso, mas nós somos hoje o país com maior carga tributária sobre trabalho no mundo. Contratar um trabalhador por aqui significa pagar R$ 1.030 em tributos e outros custos, para cada R$ 1.000 em salário. Em outras palavras: você paga por dois funcionários e leva um.
Apenas em impostos, um empregador paga por aqui um salário extra a cada dois funcionários que contrata (57,56%), contra um salário a cada doze empregados contratados nos Estados Unidos ou um a cada dezoito na Dinamarca. E esse é o momento do texto em que você deve estar pensando… nós não somos a Dinamarca. De fato, não somos nada parecidos. Não há ninguém no mundo cujos números cheguem sequer perto dos brasileiros. Por aqui circulam metade dos processos trabalhistas do planeta. Nada menos do que um em cada três processos na Justiça Brasileira tem por finalidade alguma motivação trabalhista.
Nossa justiça do trabalho gasta por ano mais para bancar a si mesma do que todos os benefícios por ela gerados aos trabalhadores. Seus gastos anuais, de 0,3% do PIB, equivalem ao gasto de todo sistema judiciário alemão, e é maior do que os gastos dequalquer outro país do Ocidente com o judiciário.
Nada disso, porém, impede que o trabalhador brasileiro continue sendo mal remunerado pelo seu trabalho. De acordo com o IPEA, entre 1976 e 2014 a renda média do trabalhador brasileiro, já descontada a inflação, subiu apenas 75%, contra mais do que o dobro registrado por países como Chile, ou o triplo, como registrado na Coreia do Sul. Em 1977, um brasileiro que estivesse entre os 10% mais pobres da população tinha uma renda média de R$ 55,13, contra R$ 100,72 em 2013.
O mais preocupante neste cenário, no entanto, é um outro dado: um trabalhador brasileiro é tão produtivo hoje como em 1970. Atualmente, você produz em média o mesmo que um trabalhador dos anos 70 – e esse cara não tinha um único computador ou celular, muitas vezes sequer uma calculadora que lhe ajudasse. Nosso tímido aumento de riqueza se deu meramente pela transferência de pessoas do campo para a cidade, além do aumento de poupança. E o que nossas leis trabalhistas têm a ver com isso? Muita coisa.
Tamanha abrangência da lei também é um dos fatores determinantes em jogar metade dos trabalhadores brasileiros na ilegalidade. Sem conseguir produzir o suficiente para bancar a si mesmo e tantos direitos e deveres, boa parte dos brasileiros opta pela informalidade, ou é simplesmente empurrado para ela. Como consequência, não estão protegidos pelas instituições do país e não contribuem com instrumentos de “direito” como a previdência social, por exemplo, agravando ainda mais seu problema.
É bastante provável que nem mesmo você saiba o que é feito do seu salário; que desconheça o que é imposto sindical e como ele tira um dia do seu trabalho por ano, todos os anos, ou como você paga pelo SESI ou SESC, ainda que nunca tenha pisado em um. Até mesmo a reforma agrária é bancada com parte do seu salário (0,2% dele para ser mais exato), sem que você receba em troca sequer uma prestação de contas sobre o que é feito.
Como já era de se esperar, tais “direitos” não são unanimidade ao redor do mundo. Em muitos países com renda mais alta que a nossa, eles sequer existem. Em outros, são radicalmente diferentes. Abaixo, listamos cinco motivos por que você deveria reconsiderar sua opinião sobre nossa legislação trabalhista.

1. Como os professores do Canadá tornaram-se milionários ao desistir da previdência pública.

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Com pouco mais de 28 milhões de segurados, a previdência pública brasileira é uma incógnita. É praticamente impossível conhecer o seu real estado no futuro. Pela projeção atual, apresentada pelo TCU, seu déficit chega a R$ 3 trilhões, sem que ninguém saiba dizer exatamente de onde estes recursos virão. Em outras palavras: você que contribui hoje, terá de pagar esta conta ao longo das próximas décadas e rezar – e muito, caso você seja alguém de fé – para conseguir receber de volta parte dos seus recursos.
A consequência mais óbvia de tamanho descontrole é um achatamento de salários. Sabe aquele papo que você contribui em cima de dez salários? Pois é, pouco importa. Na situação atual é bem provável que você se aposente recebendo 2 ou 3 salários mínimos.
Apontar as causas não é uma tarefa fácil. Para muitos, um fator determinante para a deterioração das contas da previdência foi a obrigação, por parte da Constituição de 1988, de que cada aposentado rural recebesse um salário mínimo sem que jamais tenha contribuído pra isso. Faça as conta. 10 milhões de benefícios nesta situação, multiplicado por 13 meses e… voilá, um déficit que já chega aos R$ 94,5 bilhões por ano. Tudo isso pago pelos aposentados urbanos. Nenhum novo imposto foi criado para bancar isso. O governo simplesmente decidiu diminuir o salário dos aposentados urbanos e reparti-lo com os trabalhadores rurais.
Parece justo? Para a previdência, isso pouco importa. E o motivo é a forma como ela está estruturada até hoje.
Sobre o seu salário, você contribuirá com o valor de 11%, até o limite do teto, de R$ 5.189,82. Seu empregador deverá pagar outros 20%, sem limite algum. Em suma, se você recebe R$ 15 mil, ele paga R$ 3 mil, e você 11% sobre aquele valor.
E para onde vai todo este dinheiro?
Ao contrário do que boa parte das pessoas pensam, este dinheiro não é destinado a nenhum fundo social com intuito de cobrir benefícios futuros da previdência. Ele é simplesmente destinado a cobrir os gastos atuais com aposentados e pensionistas. Você contribui sua vida inteira e, ao final, recebe apenas uma promessa de que receberá algo.
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A situação é esdrúxula. Nós somos um dos seis países do mundo onde não há necessidade de uma idade mínima para se aposentar. Por aqui, é possível que você se aposente, por exemplo, aos 55 anos, tendo contribuído 35 anos, e receba sua aposentadoria até os 80 anos. 35 de contribuição e 25 recebendo. Não é nenhuma surpresa que a conta não feche.
Gastamos, em média, 7,9% do nosso PIB pagando aposentadorias e pensões, contra 4%da média de países com uma mesma estrutura demográfica que a nossa.
Mas e os professores do Canadá com isso? Explico.
Em 1998, um grupo de professores canadenses, da província de Ontário, descobriu que confiar na previdência pública não é exatamente a melhor forma de garantir o seu futuro. Para eles, melhor do que entregar o dinheiro ao governo e receber uma promessa de pensão no futuro, era entregar o dinheiro a um grupo de gestores, que investiria e economizaria os recursos, para, graças a isso, pagá-los no tempo certo.
O resultado disso é um fundo atual de US$ 171,4 bilhões, para 316 mil membros, ativos ou inativos. Na prática, qualquer professor com mais de dez anos de contribuição com o fundo pode considerar-se um milionário.
Com estes recursos, o Ontario Teachers’ Pension Plan, OTPP investe em uma dezena de países, incluindo o Brasil, onde é dono de portos e tem participação em inúmeras empresas. Tudo na busca pelos melhores retornos.
Trata-se de uma mudança completa na lógica da previdência. Aposentados e pensionistas deixam de gerar custos aos trabalhadores para gerarem renda e emprego, uma vez que suas economias de toda a vida fomentam a economia do país.
Apesar de ainda existir previdência pública, este modelo é bastante comum também nos Estados Unidos e em países nórdicos, como Suécia ou Dinamarca. Por lá, é mais do que comum que empresas possuam dentre os benefícios que oferecem aos trabalhadores um plano de previdência.
Por aqui, no entanto, não há perspectiva que isso mude. É bastante provável que você continue contribuindo sem sequer saber quanto receberá, e pagando por coisas que nem imagina.

2. Como o seu FGTS banca o luxo de Eduardo Cunha e lhe causa mil reais de prejuízo todo ano.

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R$ 452 bilhões.
A cifra assusta pelo tamanho. É o equivalente a quase metade dos ativos da Caixa Econômica Federal, o quarto maior banco do país. Este número, no entanto, não é de propriedade de nenhum banco ou empresa, nem mesmo do governo. Ele é seu. Sim, seu e de mais de 31,4 milhões de brasileiros com contas no FGTS, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço do trabalhador.
Como você deve imaginar, porém, a maneira como estes recursos serão usados não é uma decisão que cabe a você. Toda a gestão deles é feita pela mesma empresa: a Caixa Econômica, que recebe por isso R$ 4,2 bilhões, ou quase 80% do seu lucro. O destino varia. Financiamento habitacional, compra da dívida pública e garantia de ajudar algumas das maiores empresas do país via BNDES.
Com 8% do salário de cada brasileiro, todos os meses, o FGTS tornou-se um fundo de tamanho considerável. Só há um problema nessa história: ele não gera retorno algum para os seus donos.
O retorno destes ativos equivale a 3%+TR sobre o total (nos últimos anos, este valor foi na média de 4,5%). Em 2015, por exemplo, onde a inflação foi 10,67%, a diferença entre o retorno do fundo e a inflação equivale a R$ 32 bilhões perdidos pela população, ou R$ 1.030 para cada trabalhador brasileiro. É dinheiro seu que nunca chega ao seu bolso.
Como tudo que não é bom pode piorar, procurar saber para onde estes recursos são encaminhados pode ajudar a entender o motivo pelo qual o fundo existe.
Em 2007, preocupado com o baixo retorno do FGTS, o governo decidiu aplicar 10% dos recursos depositados por cada trabalhador em um fundo de investimentos, o FI-FGTS. Caberia a esse fundo, por exemplo, investir em participações de empresas, comprar títulos privados ou financiar projetos.
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Um olhar sobre o que é o FI-FGTS atualmente, no entanto, mostra que a Lava Jato e outros escândalos não surgiram por acaso. Os maiores beneficiários desse dinheiro são justamente as empreiteiras envolvidas em tantos esquemas hoje conhecidos do público.
Boa parte do seu FGTS financia, entre outras tantas empresas envolvidas em corrupção, a Odebrecht, a maior beneficiária do fundo. Outros bilhões garantem a construção de uma fábrica de celulose, que pertence aos mesmos donos da JBS, a maior doadora de campanhas políticas do país.
Como a operação Greenfield, deflagrada pela Polícia Federal, deixou claro, um dos principais responsáveis por definir o destino dos recursos era justamente Eduardo Cunha. Graças ao vice presidente da Caixa, indicado por Cunha no governo Dilma, ele pôde autorizar, por exemplo, a liberação de R$ 400 milhões para a América Latina Logística, a maior companhia ferroviária do país. Resultado: R$ 2 milhões a mais na conta de Cunha. Ao todo, a Polícia Federal calcula em R$ 30 milhões os valores desviados do FGTS por Eduardo Cunha.
Como estes, existem inúmeros desmandos no fundo. Ao contrário do INSS, no entanto, existem projetos que estudam permitir que você possa finalmente decidir onde investir seu dinheiro. Nenhum deles trata exatamente daquilo que importa – deixar o dinheiro na sua mão – mas serve de consolo. Ao menos o seu prejuízo nessa história seria menor.
Cabe lembrar que, assim como a jabuticaba, o FGTS é uma exclusividade brasileira. Não há entre nenhum dos países mais ricos do mundo um fundo com função semelhante.

3. Reforma agrária, sindicatos e apadrinhados políticos: um resumo de quem embolsa parte do seu salário.

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A esta altura do campeonato você já deve ter reparado que o seu salário não é apenas seu. Mas há ainda outro grupo de pessoas que embolsam parte considerável dele.
De todos os seus dias trabalhados no ano, por exemplo, um deles é embolsado pelos sindicatos. Não por acaso, há no Brasil nada menos do que cem vezes mais sindicatos do que na Inglaterra ou nos Estados Unidos. Todos os anos, 250 novos sindicatos nascem para “proteger o trabalhador” e embolsar parte desses recursos, que somam por volta de R$ 3,1 bilhões apenas em 2015. Achou pouco? Isso representa R$ 75,00 anuais para cada trabalhador com carteira assinada.
Alguns destes sindicatos são controlados pelos mesmos grupos há décadas, como é o caso do Sindicato dos Comerciários do Rio de Janeiro, onde a mesma família já há muito tempo ocupava cargos com remuneração que chegavam aos R$ 25 mil mensais, sem que nenhum dos membros comparecesse ao expediente. Outros R$ 1,1 bilhão anuais mantêm sindicatos patronais, como a FIESP ou a CNI.
Seu salário também é solidário. Segundo a Constituição, mesmo que você jamais tenha exercido qualquer atividade rural, 0,2% dos seus rendimentos salariais devem ser destinados ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, o INCRA, para adquirir terras e assentar famílias de movimentos como o MST. Evidentemente, nada disso garante que a reforma agrária será levada adiante. É possível, por exemplo, que o governo simplesmente desvie os recursos para outra área e, assim, você acaba apenas pagando um imposto a mais.
Parte significativa do seu salário, porém, banca o bom e velho conhecido Sistema S, que você provavelmente já deve ter ouvido falar, com os nomes de SESC, SENAI ou SESI. Criado para fornecer uma série de serviços para a qualificação do trabalhador, com o tempo o Sistema S tornou-se um cobiçado objeto de barganha política. Como deixa clara a reportagem da revista Época, amigos e apadrinhados políticos têm no SESI uma fonte de renda garantida.
Casada com o quarto filho do ex-presidente Lula, Marlene Araújo Lula da Silva é uma das que recebem por volta de R$ 13,5 mil mensais, ainda que não compareça ao trabalho na frequência que se espera. Como estes, existem centenas de cargos no Sistema S atribuídos a parentes de políticos ou pessoas ligadas a sindicatos patronais, responsáveis por gerir os mais de R$ 15 bilhões arrecadados pelo sistema.

4. Cortar um bolo em 13 pedaços em vez de 12 não lhe tornará mais rico.

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Com pouco mais de 50 anos, o décimo terceiro salário é uma quase unanimidade. Ao redor do mundo, no entanto, não existem muitos exemplos de onde essa ideia tenha tido grande sucesso. Apenas Costa Rica, Filipinas e Itália decidiram torná-lo obrigatório. Em outros países, como Alemanha, Áustria e Singapura, trata-se algo opcional e feito mediante acordo. Nos demais? Nem sequer se tem notícia.
Antes de você abrir o champagne para comemorar o fato de sermos um dos quatro países em todo mundo que garantem este “direito”, cabe refletir sobre o que de fato é o décimo terceiro salário.
Na prática, seu salário tem como origem a sua produtividade, aquela palavrinha feia e pouco comentada que lhe remete quase sempre a “lucro do patrão”. A realidade é que é justamente a tal produtividade que determinará seu ganho real. E não é dividindo por treze, em vez de doze, que seu salário ficará maior.
 
Ao longo dos últimos 15 anos, nosso ganho de produtividade limitou-se ao crescimento da agricultura e da mineração. Na indústria, houve perda real. A consequência mais óbvia disso tudo é que o “bolo” a ser dividido ficou menor.
Na média, um americano produz o mesmo que quatro brasileiros – há 40 anos, essa conta era de um para três. Se não modificarmos este cenário, nos manteremos constantemente presos a esta armadilha de renda. Não é possível aumentar salários com passes de mágica.
E o que a legislação trabalhista tem a ver com isso?

5. Afinal, o que há de errado com a CLT?

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A CLT é inflexível.
Imagine que você mora em uma grande metrópole brasileira e que vá para o trabalho todos os dias de ônibus. Em um determinado dia, o ônibus se vê preso em um engarrafamento, forçando você a chegar quinze minutos atrasado no trabalho. O que há de incomum ou errado com isso? Para muitas pessoas, absolutamente nada. Para a CLT, trata-se de uma violação da lei, que proíbe o funcionário de entrar um pouco depois ou sair um pouco além do horário estipulado.
Pode parecer pouco, mas a lei, criada em uma época onde o setor de serviços era mínimo, a indústria quase inexistente e o trabalho intelectual uma raridade, impede que qualquer funcionário possa controlar melhor seu tempo de trabalho.
Imagine neste mesmo exemplo que você decida sair do trabalho quinze minutos após o combinado, para compensar: mais uma violação na CLT, e o empregador é obrigado a lhe pagar horas extras.
Engessamento
Reduzir salários, garantir rendimentos distintos para funcionários em funções iguais e outras ações similares são terminantemente vedadas pela lei. Nem mesmo uma crise no setor pode permitir que uma empresa reduza a remuneração para evitar demissões.
Graças a esse engessamento, casos curiosos podem acontecer. Como relata a consultora jurídica Maria Lucia Benhame, por exemplo, por um erro do RH, uma empresa acabou remunerando a mais dois funcionários específicos em um mesmo setor. Sob o ponto de vista da lei, a empresa teria duas soluções: aumentar todos os salários ou demitir os dois funcionários, que foi o que acabou ocorrendo.
Deslocada no tempo
O aumento da complexidade da economia brasileira ao longo destes 70 anos cobrou seu preço, como era de se esperar. Apenas em 2011, por exemplo, a CLT passou a reconhecer a existência de trabalho à distância.
Casos de trabalho que demandem mais do intelecto do que propriamente da parte física de um funcionário, ainda são bastante complicados de calcular sob a legislação. Imagine um publicitário e um funcionário em uma fábrica de automóveis. No primeiro caso, é possível que ele passe o dia no escritório sem que produza absolutamente nada e, ao chegar em casa, tenha uma ideia que lhe faça destravar e começar a trabalhar. No segundo caso, é bastante fácil identificar exatamente as horas trabalhadas. Com calcular as horas extras do publicitário? A CLT simplesmente não diz.
A CLT também não foi capaz de prever, por exemplo, casos como o do Uber, onde uma pessoa contrata um aplicativo para intermediar seus negócios e assim poder produzir. Brechas como esta permitem, por exemplo, que inúmeros motoristas entrem na justiça em busca de benefícios garantidos ao trabalhador pela CLT.
Como demandava o padrão da época, a CLT é basicamente regida por horas trabalhadas. Não há expectativa de que uma empresa funcione na base da produtividade ou da criação de seus funcionários. Tudo deve permanecer rigidamente cronometrado ou seguirá fora da lei.
A CLT é complicada demais
Ao todo, 922 artigos, além de centenas de normas, portarias, leis e decretos, compõem a CLT.
No meio de tantas normas, é possível contemplar uma tentativa de abrangência que chega até mesmo a distorcer a noção de espaço-tempo. Para a CLT, uma jornada entre 22 horas e 5 horas da manhã, por exemplo, não é composta por horas de 60 minutos, mas de 52 minutos e 30 segundos. Isso porque, segundo a lei, o corpo humano apresenta maior desgaste neste período. Em resumo: 7 horas noturnas trabalhadas equivalem a 8 horas diurnas.
Como se empenha demais em determinar as regras e não explica como cumpri-las, a lei pode permitir alguns exemplos nada intuitivos. Suponha que você empregue alguém e esta pessoa comece a faltar ao trabalho. A única hipótese de você demitir seu empregado por justa causa ocorreria caso você o demitisse no exato momento em que é notificado pela falta. Caso decida fazer isso em outra oportunidade, poderá, por exemplo, gerar o entendimento por parte do juiz de que você já perdoou o funcionário.
Mudar a CLT é, portanto, parte de um processo que permitirá ao país adequar-se à realidade atual. Não há bicho de sete cabeças aqui. Toda relação trabalhista evolui. A forma como ela é regulada, portanto, não pode ficar parada no tempo. E quem paga o preço por isso não é apenas o empregador. É especialmente o seu funcionário.

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