sábado, 28 de fevereiro de 2015

Astronautas fizeram caminhada espacial nesta quarta-feira


Astronautas fizeram caminhada espacial nesta quarta-feira

O objetivo da caminhada é adaptar a Estação Espacial Internacional para a chegada de cápsulas espaciais comerciais

Estação Espacial Internacional
ISS: destino de viagens comerciais no futuro (Nasa/VEJA)
Os astronautas americanos Barry "Butch" Wilmore e Terry Virts flutuaram do lado de fora da Estação Espacial Internacional (ISS) nesta quarta-feira. A missão foi a segunda de três caminhadas espaciais que têm como objetivo instalar novas estações para acoplar cápsulas comerciais que estão sendo desenvolvidas pelas empresas privadas Boeing e Space X.
A caminhada começou às 9h da manhã (horário de Brasília), durou cerca de seis horas e meia e foi transmitida pela Nasa Television. Seus objetivos principais foram remover a cobertura das vagas, lubrificar o dispositivo elétrico preso no braço robótico no fim da estação e instalar dois cabos de energia e de dados.
No sábado, os astronautas instalaram 104 metros de cabos para dar suporte ao novo sistema de ancoragem. Estão previstas pela Nasa mais quatro caminhadas espaciais em 2015 para realizar as modificações.
(com Reuters)

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Visão liberal-conservadora sobre o nazismo - POR FLÁVIO MORGENSTEIN


Visão liberal-conservadora sobre o nazismo

Por Flavio Morgenstern, publicado no Instituto Liberal
"Se somos socialistas, então devemos definitivamente ser anti-semitas. Como, sendo um socialista, você pode não ser um anti-semita?" - Adolf Hitler
O nazismo, nome abreviado do nacional-socialismo (Nationalsozialismus) entrou para a História como o mal-em-si. Revistas de variedades publicam quase trimestralmente artigos de especialistas se perguntando “como foi possível que Adolf Hitler existisse”.
O vocabulário popular, e sobretudo sua manipulação por formadores de opinião, força ofensas, associando todos os inimigos de sua opinião ao nazismo (sobretudo os que se ofendem com tal associação, por rejeitarem mortalmente o nazismo).
Da visão do vulgo (moldada por especialistas tarimbados em moldar visões) aos livros acadêmicos, o nazismo é interpretado como um fenômeno de intolerância e de ódio, com um apreço pela supremacia racista e um culto à morte de todos os rejeitados. O nazismo seria a concretização do projeto de poder pessoal de Adolf Hitler em busca de uma sociedade conservadora e oposta aos ideais de libertação do homem do Iluminismo.
Nada mais longe da realidade.
O nazismo não existiu por causa de Adolf Hitler. Adolf Hitler existiu por causa do nazismo.
O mundo enfrentou duas grandes tragédias no século XX: o nacional-socialismo e o socialismo internacional. E o mundo enfrenta uma grande tragédia no século XXI, além da ascensão do totalitarismo islâmico em busca do califado mundial: acreditar que o nacional-socialismo é lixo orgânico, e que o socialismo internacional é lixo reciclável.
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O nacional-socialismo deixou um legado de quase 30 milhões de mortes em menos de 5 anos, em tempos de guerra. O socialismo internacional legou uma montanha de cerca de 150 milhões de mortes em tempos de paz. Muitas vezes, em menos tempo, mas com alguns períodos que deixariam os campos de concentração nazistas com inveja, como o Khmer Vermelho de Pol-Pot, que assassinou 24% da população do Camboja em questão de 4 anos. Sem guerra.
Tal não aconteceu porque Hitler e Pol-Pot são pessoas psicopatas, que tomaram um sistema de governo e o tornaram em algo vil, assassinando quem se opusesse às suas vontades – como geralmente tais homens são retratados quando se tornam personagens da ficção e da historiografia acadêmica (ainda que a psicopatia e o poder estejam intimamente ligados, como mostra o estudo Ponerologia: psicopatas no poder, do psiquiatra Andrzej Łobaczewski).
Os genocídios em escala industrial do século XX acontecem porque há um sistema que transforma o Estado em uma máquina de “correção” da sociedade, em busca de um “mundo ideal” mais igualitário  – e, como define o exímio pensador Kuehnelt-Leddihn, árduo estudioso do nazismo, a igualdade, não sendo natural, exige força para ser conquistada socialmente.
Não é, portanto, a infância e a índole de Adolf Hitler ou a situação da República de Weimar – nem tampouco o resultado da Primeira Guerra para a Alemanha – que explicam Auschwitz.
flavio3Como não o são o gênio indomável de Lenin, Trotsky e Stalin que explicam o horror do Holodomor, do Gulag e dos Grandes Expurgos socialistas: é o modelo de poder buscado por tais pessoas para erigir uma nova sociedade, em um movimento revolucionário contínuo para “corrigir” o passado e se livrar de preconceitos, desigualdade, exploração – para tal, mandando para a vala comum aqueles que julgam serem preconceituosos, desiguais, exploradores.
Há tempos já não se estuda História de fato, e sim historiografia – a saber, chaves de interpretação de fatos históricos sob uma perspectiva ideológica específica. A situação se complica quando as chaves de interpretação se tornam elas próprias tentativas de atuação na história atual e, para tal, falsificam o passado com vias a explicar todos os fenômenos por sua própria clave.
Tal se dá tanto com defensores do fascismo e do nacional-socialismo e sua tentativa de recriar a Roma gloriosa (como Ezra Pound e Wyndham Lewis, para ficar em homens de gênio, que tornam passado e presente opostos e usam a beleza do primeiro para sabotar e destruir a variedade do segundo) quanto com os defensores do socialismo internacional e sua busca pelo “bom selvagem” – tornando-se este próprio socialismo na “ciência historiográfica” que interpreta para o público qualquer fenômeno histórico segundo seu próprio cabresto.
flavio4Com tal poder de interpretação acreditada, o socialismo, que até cumpriu um pacto de não-agressão com o nazismo contra a “Inglaterra imperialista” nos auspícios da Segunda Guerra, é visto como oposto ao nacional-socialismo, quando na verdade são variações locais do mesmo fenômeno socialista – como há variações nacionalistas do socialismo da Internacional Comunista (Comintern) no socialismo juche da Coréia do Norte (posteriormente copiado por Ceaușescu na Romênia), no eixo Camboja-Vietnã (enxergado como “vítima do imperialismo estadunidense”) ou o primeiro, na Iugoslávia do marechal Josip Tito.
Para tal, a grande propaganda historiográfica, que hoje é acreditada por qualquer universitário ou profissional dos fenômenos públicos, é a de que o socialismo é uma “traição” do “socialismo real” de Karl Marx (invertendo-se o sentido dos termos, pois o que existe é o socialismo real, e o que não existe é o socialismo ideal).
O socialismo seria a “extrema-esquerda”, enquanto o nacional-socialismo teria “socialismo” no nome apenas por acidente de batismo, e, para ser associado com os inimigos do socialismo, foi chamado a posteriori de “extrema-direita” – tentando forçar uma associação com uma versão ainda mais “forte” dos ideais de Tocqueville e Burke, de Coleridge e de Maistre, de Rivarol e Disraeli, de Santayana e Oakeshott – notadamente, os maiores inimigos de ambos os socialismos.
Com efeito, é muito fácil encontrar semelhanças entre a União Soviética de Stalin e a Alemanha nazista de Hitler (que nunca se definiu como “extrema-direita” ou “direita”, e sim como socialista) do que entre o nazismo e o liberalismo de Churchill, Thatcher, Reagan ou mesmo Adenauer. Tampouco o socialismo real pode ser considerado “traição” eterna, “sendo traído” onde quer que seja aplicado: como bem o diz o filósofo conservador Roger Scruton, o socialismo não deu errado. O socialismo é errado.
flavio5É exatamente por esta confusão, bem planejada por manejadores de opinião pública (seja o stalinista Eric Hobsbawm, seja o “revisionista histórico” neonazi Robert Faurisson, que não por outro motivo publicava seus artigos no jornal mais esquerdista da Europa, o Le Monde), que muitas pessoas que estudam apenas omainstream acadêmico, a propaganda totalitária travestida de ciência, se assustam quando alguém afirma que o nazismo é, na verdade, uma modalidade enviesada não da “extrema-direita”, e sim justamente daesquerda revolucionária anti-conservadora, e que busca reconstruir a sociedade desde a raiz. Não à toa, o argumento de tais pessoas é sempre “vai estudar”, fechando-se ainda mais no casulo da propaganda.
O perigo para o presente e futuro é infinitamente maior do que as palavras permitem descrever. Se o socialismo do século XXI não tem Gulag e o sindicalismo ainda é aceito como método político, não significa que a ameaça de um “nazismo 2.0” é nula. E, definitivamente, ela não vem dos chamados grupos “neonazistas”, minoritários e desacreditados, justamente por também crerem que o nazismo só existe com uma ressurreição de Adolf Hitler.
verdadeira ameaça fascista vem da inversão dos fatos, que trata o nazismo como “intolerância à divergência” e incapacidade de viver com o próximo, e crê que ele é o mesmo que conservadorismo – a um só tempo em que prega a atuação estatal para “corrigir” a sociedade dos “intolerantes”, escolhidos a dedo a cada mudança da moda (o que conservadores, defensores de um Estado hiper controlado e restrito, nunca aceitaram).
flavio6As vítimas do nazismo não foram os pobres e oprimidos, nem os supostos tolerantes nas mãos de intolerantes. O judeu, o povo mais perseguido da Terra, era considerado o “rico”, o “explorador”, o que causava “desigualdade” diante do “povo” alemão, “trabalhador” e “operário”. O judeu, comerciante, banqueiro, “burguês”, era o “coxinha” da época. O mesmo que o kulak para o socialista – embora tal termo não seja conhecido no Brasil, que da História conhece apenas o próprio revisionismo socialista.
Não é à toa que a esquerda mundial, que costuma associar todos os seus inimigos ao ”nazismo”, seja a principal força no mundo a odiar Israel – mais até do que muitos muçulmanos.
Para construir uma sociedade mais igualitária, fosse pela classe (a “burguesia” dos socialistas), fosse pela etnia (a “impureza judia no sangue ariano” dos nacional-socialistas), foi preciso apelar para a solução final das câmaras de gás e dos Expurgos. Não foi, como se pensa, uma obra de “conservadores” e “ultrapassados” buscando acabar com os oprimidos: desde a Revolução Francesa, o sacrifício é obra dos progressistas, e as vítimas são os supostos “exploradores”.
flavio7Para povos cultos como o alemão e o russo, mesmo que fossem pobres na época, aceitarem um genocídio que deixa as proporções bíblicas e homéricas parecerem infinitesimais, foi preciso um intenso trabalho dos formadores de opinião tratando esta “velha ordem”, estes “conservadores”, estes “exploradores”, estes “bem-nascidos” como não-pessoas, como “poderosos” contra os quais qualquer violência estaria automaticamente justificada em busca de um mundo novo, sem injustiças e governados por um Estado que controlasse os empregos dos “trabalhadores”, através de partidos trabalhistas, benesses e controle econômico para aqueles que aceitassem o planejamento central do governo social.
É bastante preocupante notar que justamente as pessoas que mais criticam acertadamente o nazismo pelo seu horror sejam aquelas que mais trabalhem para dividir as pessoas em “merecedoras” ou “ultrapassadas” de participação na existência, que notem “oprimidos” que devem se voltar contra supostos “opressores”, que mais querem uma força estatal toda-poderosa para “corrigir” a sociedade e se livrar de pessoas “conservadoras”, para as quais não haverá espaço no mundo do porvir.
Este foi o primeiro passo para que o nazismo de Hitler pudesse algum dia ter apoio popular. Na época dele, os socialistas faziam o pacto de Molotov–Ribbentrop com os nazistas contra um inimigo comum. Hoje, a esquerda odeia Israel e relativiza todos os crimes anti-semitas de terroristas muçulmanos com a mesma sem-cerimônia.
Ou existe direitista pedindo o fim do Estado de Israel, como lemos na Carta Capital, ou relativizando crimes anti-semitas de terroristas muçulmanos, como boa parte da esquerda mundial faz?
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domingo, 22 de fevereiro de 2015

Dilma não passa firmeza - CELSO MING O Estado de S. Paulo - 22/02



O noticiário não dá tréguas. A percepção que cresce na sociedade não é apenas de aumento da recessão, mas a de que a economia continua em deterioração.

A última Pesquisa Focus, por meio da qual o Banco Central avalia as projeções de cerca de 100 instituições, aponta para este ano uma evolução negativa do PIB, de 0,42%; um desempenho também negativo da indústria, queda de 0,43%; e inflação acima do teto da meta, de 7,27%.

Ao contrário do que aconteceu no primeiro período Dilma, desta vez a equipe econômica não promete demais. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, assumiu em janeiro garantindo que cumpriria, neste ano, a meta de superávit fiscal (sobra de arrecadação para pagamento da dívida) de 1,2% do PIB, o que, em volume, corresponde a cerca de R$ 66,3 bilhões. Mas esse resultado vai sendo ameaçado diariamente pelo imponderável. Os políticos vêm encontrando meios de aumentar as despesas públicas e de evitar a adoção de providências de austeridade. As receitas também não ajudam. Como a perspectiva é de queda praticamente inexorável de crescimento, como se viu, a arrecadação também sofre.

O Banco Central, por sua vez, já desistiu de entregar inflação na meta em 2015. Vem avisando que o realinhamento dos preços administrados (principalmente tarifas de energia elétrica e de transportes urbanos) e o impacto da alta do dólar, especialmente sobre os importados, expandirão a inflação nos próximos meses. Apenas em 2016 voltará a convergir para a meta de 4,5% ao ano, alerta o Banco Central e, ainda assim, sem explicar como chegou a essa conclusão. Mas a dinâmica das coisas não tem compromisso com as intenções das autoridades e, decididamente, não dá para apostar nas previsões do Banco Central.

O nível de incertezas segue elevado. Nenhum empresário sabe se pode ou não contar com suprimento regular de energia elétrica, porque o risco de racionamento continua alto. O mesmo pode-se dizer do fornecimento de água tratada nos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio e Espírito Santo.

A Operação Lava Jato já inibiu a atuação das empreiteiras. As revelações estão longe de se completar e sabe-se lá que desdobramentos apresentarão na economia e na política. A Petrobrás já anunciou que vai rever (para baixo) seu plano de negócios e sua crise se estende a seus fornecedores. Em paralelo, a derrubada dos preços do petróleo exigirá revisão do marco regulatório do setor, assunto que permanece na moita. São fatores que tendem a bloquear ou a adiar os investimentos e, portanto, a bloquear ou adiar fontes importantes de demanda interna.

O governo da presidente Dilma assiste a tudo passivamente. Há alguns meses, mesmo quando já não acreditava no sucesso de sua política, pelo menos tinha uma posição, quase sempre errada, mas tinha.

Agora parece vacilante. Optou pela estratégia do ajuste, pelo reforço dos fundamentos da economia e pela redistribuição de contas pela sociedade, mas não passa firmeza. Tem saudades da moleza. Falta contundência na defesa de sua nova política.

sábado, 21 de fevereiro de 2015

Arbitrariedade venezuelana - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

Resultado de imagem para prisão de prefeito na venezuela

Arbitrariedade venezuelana - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 21/02

Um ano depois da prisão de Leopoldo López, o ditador Nicolás Maduro coloca na cadeia outro oposicionista, com o silêncio cúmplice dos vizinhos sul-americanos


Pouco mais de um ano atrás, em 18 de fevereiro de 2014, o líder oposicionista venezuelano Leopoldo López foi preso, por ordem do governo do ditador Nicolás Maduro. Ele foi acusado de terrorismo, homicídio e incêndio de edifícios públicos – na verdade, seu “crime” foi ter liderado os protestos de rua contra o governo chavista. A prisão foi criticada pelas principais organizações internacionais de direitos humanos, como a Anistia Internacional e a Human Rights Watch, e até hoje López não foi julgado por seus supostos delitos. Em vez de aproveitar a passagem do primeiro aniversário daquele ato arbitrário para corrigir a injustiça, Maduro decidiu colocar na cadeia outro opositor: o prefeito de Caracas, Antonio Ledezma. Cerca de 15 agentes da inteligência venezuelana, encapuzados, entraram na sede do partido de Ledezma, na capital do país, e o levaram na quinta-feira.

Na noite do dia 19, Maduro foi à televisão justificar a prisão. Ledezma responderá por “delitos contra a paz”, e o ditador deu a entender que o prefeito estaria envolvido em uma tentativa de golpe de Estado que teria sido desarticulada pelo serviço secreto do país. O chavista Jorge Rodríguez, prefeito de uma cidade da região metropolitana de Caracas, e o presidente do Legislativo venezuelano, Diosdado Cabello, não tiveram dúvidas em apontar os conspiradores: além de Ledezma, também seriam golpistas o deputado Julio Borges, a ex-deputada Maria Corina Machado e o ex-embaixador Diego Arria.

Na verdade, só o que existe é um manifesto publicado em 11 de fevereiro no jornal El Nacional. No “Chamado aos venezuelanos para um acordo nacional de transição”, Ledezma, López e Maria Corina pedem, entre muitas outras coisas, o restabelecimento das liberdades democráticas, da independência entre os poderes e do respeito à propriedade privada – com a reversão (quando possível) das estatizações forçadas –, além da realização de eleições “livres e absolutamente transparentes” e do início de um processo de reconciliação nacional. Foi esta convocação, feita às claras, que Maduro entendeu como “conspiração golpista” que daria suporte à ordem de prisão. Maria Corina não foi presa, mas está impedida de sair do país há algum tempo e já foi vítima de várias agressões de milícias bolivarianas.

As prisões arbitrárias por motivos políticos só servem para reforçar a convicção de que a Venezuela há muito tempo deixou de ser uma democracia para se converter em uma ditadura em que eleições, parlamento e Justiça são apenas elementos decorativos. Mesmo as Forças Armadas, apesar de sua lealdade ao governo, precisam conviver com as milícias, um aparato paralelo à estrutura formal de exercício da força.

Durante os protestos de 2014, Ledezma enviou uma série de mensagens à presidente Dilma Rouseff pelo Twitter. Em uma delas, o prefeito de Caracas lembrava que Dilma havia sido perseguida pela ditadura militar, e por isso ele esperava dela solidariedade para com os venezuelanos perseguidos injustamente por Maduro. A resposta foi o silêncio. Coincidência ou não, na manhã de sexta-feira, com Ledezma já preso, Dilma recebeu as credenciais da nova embaixadora da Venezuela no Brasil (mas recusou as do diplomata indonésio, em meio à polêmica sobre a execução de brasileiros condenados por tráfico de drogas) e não quis comentar o caso, alegando que o Brasil não interfere em assuntos internos de outros países – uma meia verdade, pois o critério de interferência é a situação dos aliados ideológicos do PT. Quando eles são as “vítimas”, como em Honduras e no Paraguai, o governo não pensa duas vezes antes de agir. Quando são eles que cometem injustiças, o Brasil fecha os olhos.

O mesmo deve ocorrer no âmbito do Mercosul, que, no episódio do impeachment de Fernando Lugo, alegou violações da cláusula democrática do bloco para suspender o Paraguai e, com isso, abrir caminho para a entrada da Venezuela no grupo. Já naquela época o regime de Hugo Chávez não podia mais ser considerado democrático, o que não foi empecilho para Dilma, Cristina Kirchner e Pepe Mujica aceitarem a Venezuela. Agora, as violações são ainda mais claras, e mesmo assim os únicos a se manifestarem foram ex-presidentes: Sebastian Piñera, do Chile, e os colombianos Álvaro Uribe e Andrés Pastrana. Esta é uma situação em que a omissão acaba se tornando cumplicidade.

Síndrome de golpismo - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE


CORREIO BRAZILIENSE - 21/02

A prisão do prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, acusado de tramar golpe para derrubar o governo do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, expõe o país a mais uma crise. Os governantes aliados, entre eles a presidente Dilma Rousseff, preferiram não comentar o conflito político interno do vizinho. Em contrapartida, os chefes de Estado não alinhados com o chavismo e ex-presidentes criticaram a medida e cobraram a libertação de Leopoldo López, líder da oposição, detido há um ano.

Ao tempo em que elege os Estados Unidos como inimigo número um e fomentador da oposição, Maduro segue tendo a terra do Tio Sam como principal mercado do petróleo venezuelano. Para a oposição, a investida do chavista contra os adversários não passa de manobra diversionista frente ao agravamento da situação econômica. Com a queda vertiginosa do preço do petróleo - principal fonte de riqueza do país - no mercado internacional, os venezuelanos estão vivendo dias amargos, com inflação em alta, desvalorização da moeda, queda nas importações e desabastecimento. Essas dificuldades estão, em boa parte, associadas à prática intervencionista do Estado na economia.

Sem o carisma de Chávez, Maduro se defende com mais acusações contra os adversários. Apela para a síndrome de golpismo como opção para negar as deficiências estruturais da nação. Ele nega que faltem produtos para o consumo da população. Há, segundo o presidente, conluio entre empresários e opositores, com apoio norte-americano, a fim de forjar cenário adverso e justificar golpe de Estado. A sociedade segue dividida, entre chavistas e parcela que deseja manter a democracia com alternância de poder.

As atitudes de Maduro não têm amparo consensual no Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), ao qual pertence. Ele tenta se impor por meio da repressão, o que aprofunda o racha na sociedade e na base de apoio. Nos próximos dias, representantes da União de Nações Sul-americanas (Unasul) estarão em Caracas para avaliar a situação.

Avançar sobre os opositores não parece ser o melhor caminho para preservar as liberdades individuais e dar transparência às ações do Estado. Poderá ser estratégia inadequada a fim de garantir a maioria na Assembleia Nacional. A desestabilização política prejudica não só a Venezuela. De um lado, pode refletir-se no continente latino-americano, afetando os blocos regionais, como o Mercosul. De outro, emite sinal de fragilidade do socialismo bolivariano seguido por outras nações da região.

As mudanças ocorridas na América Latina não podem retroceder. As conquistas sociais, a reverência aos direitos humanos - em vez da tortura dos regimes de exceção - devem seguir roteiro de evolução. Os povos desejam justiça social e econômica, que não é alcançada com a formação de falsos cenários, nos quais o direito à verdade é suprimido

Dilma vs. Dilma - EDITORIAL O ESTADÃO


A presidente Dilma Rousseff voltou de seu retiro de carnaval no litoral da Bahia aparentemente cheia de ideias para reverter a agenda negativa que a atormenta desde que assumiu o segundo mandato. Já no fim da tarde da Quarta-Feira de Cinzas reuniu-se no Palácio da Alvorada com os ministros de seu círculo mais íntimo para alinhavar iniciativas em dois âmbitos: o político e o da comunicação. Em ambos, porém, Dilma vai ter de se entender primeiro consigo mesma, se alimenta realmente a esperança de dissipar o ambiente carregado de más notícias e péssimas perspectivas que ela própria se encarregou de criar para o País.

Dilma enfrenta hoje, no plano político, problemas com a governabilidade agravados pelo peso de uma imagem extremamente negativa, especialmente para quem acaba de se reeleger. Recapitulando: dias atrás, uma pesquisa Datafolha apurou que 47% dos brasileiros a consideram desonesta e 54% a julgam falsa. A avaliação de seu governo despencou em dois meses de 42% para 23% de ótimo/ bom e aumentou substancialmente de 24% para 44% de ruim/péssimo. Ou seja: a presidente da República está com a credibilidade gravemente comprometida. Culpa de quem?

Basicamente, da soberba que a impede de admitir os próprios erros e de procurar ajuda onde quer que possa ser encontrada. Reeleita, Dilma poderia ter-se fortalecido chamando para o diálogo e o entendimento todas as forças vivas da Nação - afinal, ela é a presidente de todos os brasileiros - de modo a oxigenar o debate sobre novos e melhores caminhos para o País. O máximo de concessão que foi capaz de fazer foi designar, sem nenhum entusiasmo, uma equipe econômica com respaldo no mercado para a tarefa de colocar em ordem as contas do governo. Na área estritamente política, em vez de se abrir, fechou-se. Afastou a corrente majoritária de seu próprio partido e se cercou de ministros com os quais tem maior identificação ideológica, além de tentar, inutilmente, enfraquecer seu maior aliado, o PMDB.

O resultado é que hoje a presidente da República não tem apoio popular e tampouco pode confiar em parte do PT e no PMDB.

No âmbito da comunicação Dilma também vai encontrar dificuldades para criar uma agenda positiva. E a razão é muito simples: sua falta de credibilidade perante a opinião pública. Promover a imagem do governo não é uma tarefa que se esgote na sedução da militância profissional, paga, aquela que pode não ter gostado, mas também não deu grande importância ao fato de Dilma ter desmentido, logo ao tomar posse, suas promessas de campanha. A dificuldade é convencer quem se sente ludibriado em sua boa-fé. E estes certamente integram a maioria de 54% que acha que Dilma é falsa ou os 47% mais radicais que a consideram desonesta.

Recentemente, a presidente teve uma conversa de mais de duas horas em São Paulo com seu criador - a primeira desde sua segunda posse - e como de hábito Lula tentou lhe ensinar o caminho das pedras: reunir-se - e prestar atenção no que têm a dizer - com governadores, lideranças da base aliada, do movimento sindical, das organizações sociais. E conceder mais entrevistas à imprensa, comparecer a um maior número de eventos oficiais dentro e fora do Palácio, falar diretamente aos brasileiros por meio de cadeias de rádio e de televisão. Enfim, mostrar-se e conversar com as pessoas, seduzi-las.

Para Lula tudo isso pode parecer muito óbvio e fácil. É exatamente o que ele próprio sabe fazer melhor. Mas talento não se ensina. E a arte da sedução, definitivamente, não é a especialidade de Dilma, que não tem a menor paciência para ouvir o que não lhe interessa e não consegue disfarçar contrariedades. Ouvir a opinião de terceiros e dialogar é algo que Dilma só faz como último recurso. Não é por outra razão que se cerca apenas de pessoas que pensam como ela.

Se está, portanto, realmente decidida a construir uma agenda positiva para o governo, a Dilma Rousseff não bastará anunciar novos pacotes de bondades ou fingir que dá ouvidos a gente em quem nunca prestou atenção. Antes de mais nada, vai ter de enfrentar o desafio de superar a si mesma.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Os erros de Eric Hobsbawm: uma contabilidade de mortes Por Flávio Morgenstern


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Sempre prestamos nossa homenagem aos falecidos e não tripudiamos sobre a morte alheia (a não ser em estrito cumprimento ao dever). Morreu nesse 1.º de outubro o historiador comunista Eric Hobsbawm. Considerado por muitos como o maior historiador do século – sobretudo por aqueles que desconhecem qualquer outro historiador.
Eric Hobsbawm é conhecido por sua obra A Era dos Extremos, que alega ser uma síntese do séc. XX. Faz parte de uma série de livros cujos títulos parecem espremer tudo o que é preciso ler sobre a realidade histórica em suas páginas (para alegria dos preguiçosos bibliofóbicos das universidades de Humanas brasileiras): Era das Revoluções, Era do Capital, Era dos Impérios, Era dos Extremos.
Estes cartapácios foram responsáveis pelo erro fundamental de análise do capitalismo do séc. XX como “imperialismo” – o termo originalmente designa a sanha de poder de um Estado usando a força militar para sua expansão territorial, e foi justamente o capitalismo que acabou com as eras (em sentido etimológico, i. e., dois mil anos) de imperialismo, em que todas as guerras eram disputas territoriais. Com o advento de um mercado de massas, passou a ser muito mais interessante trocar mercadorias com o seu vizinho e ambos enriquecerem no processo de trocas livres (mostrando o erro do jogo de soma zero do marxismo) do que disputar militarmente pelo controle territorial de uma região pelo Estado, quando o mercado permite o livre trânsito em paz.
Foi a ascensão triunfal do capitalismo que trouxe a paz à Europa. É difícil perguntar a um historiador quantas guerras afligiram apenas os maiores países da Europa Ocidental entre os últimos 3 séculos antes do século XX e ele responder de cabeça (perdemos a oportunidade de aplicar o teste a Hobsbawm). A partir do séc. XX, as únicas guerras que atingiram inimigos mortais como Inglaterra e França, foram deflagradas contra totalitarismos contrários ao mercado livre do Estado, unindo ambas contra o expansionismo alemão anti-liberal, aliado a outros estatismos ferozes e centralizadores como o fascismo italiano e o franquismo.
Era assim que a Europa era descrita por Bocage (1765-1805), em seu Soneto do Membro Monstruoso (sic)  – recomenda-se a leitura ao som dos fortes acordes de Kenny G:
Esse disforme, e rígido porraz
Do semblante me faz perder a cor;
E assombrado d’espanto, e de terror
Dar mais de cinco passos para trás;
A espada do membrudo Ferrabraz
Decerto não metia mais horror:
Esse membro é capaz até de pôr
A amotinada Europa toda em paz
Foi chegar a “Era dos Extremos”, que Eric Hobsbawm critica, e vemos, exatamente ao contráriode suas previsões, o surgimento de blocos econômicos comuns buscando o livre comércio e a integração cultural e comercial. A “amotinada Europa” viu-se unida não por um porraz hirto e veiudo, mas pelo comércio livre entre povos – a liberdade econômica que é nêmesis horrivelmente horrorosa dos comunistas e demais planejadores centralizantes.
A isso historiadores stalinistas capitaneados por Hobsbawm, que posteriormente passaram um Photoshop em sua própria história para se considerarem apenas marxistas, deram o nome de “imperialismo”, invertendo e imiscuindo conceitos sem rigor científico uns nos outros. Perguntando-se a qualquer universitário doutrinado na falsificação da realidade da historiografia marxista e de obras como “Era dos Impérios” sobre um exemplo de país imperialista, a resposta, em  102% dos casos, virá de pronto: os Estados Unidos da América.
Curiosamente, se mostrarmos um mapa-mundi de 1917 para uma criança ou um alienígena, com EUA em seu canto e a Rússia beirando a Revolução no outro, e depois um mapa-mundi de 1968, ano da Primavera de Praga, em que apenas o marechal Josip Tito havia saído do bloco soviético e rompido com Stalin, mostrando novamente o tamanho dos EUA e o da agora União Soviética após duas guerras mundiais, e perguntássemos qual país no mundo é imperialista, a resposta seria óbvia. Nem se poderia notar um centímetro de avanço territorial americano, contra uma enxurrada de invasões, repatriações e até criação de países ad hoc como a Tchecoslováquia.
Entretanto, essa realidade óbvia passa a se tornar invisível, numa negação fulminante e raivosa da realidade, pelo revisionismo esquerdista de Hobsbawm e seus asseclas, que nunca se preocuparam em chamar de “imperialista” o país que mais invadiu, matou e tentou criar um império global através do Comintern no séc. XX. Hobsbawm, judeu de ascendência austríaca, vê em Israel uma nação “imperialista”, e por isso negou-se certa vez a tomar um vôo que fazia escala em Tel Aviv. Para ele, o melhor é jogar uma bomba atômica em Israel. Em sua simples questão aritmética, é melhor matar cinco milhões de judeus do que “ver uma superpotência nuclear matar duzentos milhões de pessoas”. Um Goebbels de esquerda é sempre aceito na Academia cum lauda.
Também é colocando o marxismo como verdade fundamental e escolhendo aspectos da realidade que merecem comentários (apenas aqueles que confirmem a fé socialista, jogando os outros dados da realidade na “lata de lixo da História”, como o bordão de Trotsky) que Eric Hobsbawm usa de um vasto arcabouço cultural para afirmar bobagens sobre, por exemplo, a fome na África e nos próprios países asiáticos assolados por um passado comunista como culpa do… capitalismo, que causou a primeira riqueza de massas (não só para o Estado) na História, ao contrário do brutal totalitarismo que defende (uma das teses risíveis de Era do Capital).
A linguagem se torna assim uma “arena de ações políticas”, em que “aqueles que definem, criam”, trocando-se a análise histórica por um jogo de invenções de cacoetes simbólicos, como a “burguesia” e o “proletariado” – que, como Donald Sassoon explica, foram classes inventadas pelos primeiros socialistas, tornando-se conceitos tratados como verdades absolutas e óbvias até hoje. Entretanto, mesmo o historiador marxista E. P. Thompson constatou ser impossível distinguir proletário e burguesia por critérios econômicos – ora, se burgos são cidades comerciais em rotas de viajantes, como é possível chamar de “burguesia” a classe média brasileira (aquela que o PT definiu que é “classe média alta” se a família ganha a partir de R$ 1021,00 por mês), confundindo também a burguesia com a elite, sendo que aqueles que trabalham com comércio no país têm ganhos irrisórios, comparados àqueles que trabalham para o Estado? O que garante o futuro e a ascensão econômica no Brasil: abrir uma barraquinha de pastel ou prestar concurso público?  É outra realidade que os fãs de Hobsbawm passam a negar espavoridamente estudando o mestre.
Sem nenhum rigor lógico, e apenas escolhendo o que da História confirma suas teses utópicas, confundindo conceitos que é incapaz de definir impermeavelmente até nos títulos de seus livros, não é estranho que Hobsbawm seja autor de frases absolutamente bizarras como “guerras são apenas instrumentos capitalistas”, “concordo que só existe socialismo ou barbárie e o séc. XXI será o século decisivo nesta luta” e que Lula “ajudou a mudar o equilíbrio do mundo”. Hobsbawm acreditava que Lula era o mais importante representante do marxismo no mundo hoje, e dizia ter uma “admiração ilimitada” por ele.
Coincidentemente a essa data, a última revista Dicta & Contradicta (leitura obrigatória para quem gosta de cultura, literatura, filosofia, política ou… qualquer coisa) traz um artigo do autor britânico David Pryce-Jones desmascarando mais algumas farsas do falsificador histórico stalinista.
Entre vertiginosas análises da vida de Hobsbawm, seu método é explicado:
Hobsbawm é sem dúvida inteligente e engenhoso; é capaz de manusear com facilidade as ferramentas de trabalho do historiador: pesquisar arquivos e fontes primárias e ser o mais objetivo possível no tema que tem às mãos. Um historiador marxista, porém, não pode seguir tais princípios; deve propor perguntas a respostas já dadas. Seu estudo orienta-se pela obrigação de provas que os dogmas, teorias, especulações, gostos e repulsas de Karl Marx são confirmados em todas as sociedades em todas as épocas. A historiografia marxista nada mais é que um longo juízo de valores a priori que elimina necessariamente tudo o que não lhe dê sustentação.
Pryce-Jones não poderia mostrar os erros de A Era dos Extremos sem escrever outro livro de 627 páginas. Mas destaca alguns pontos curiosos, que aparentemente nunca foram questionados por seus ídolos, que também costumam propor perguntas a respostas já dadas em seus livros. O livro:
- Não menciona o armamento secreto da Alemanha promovido pelos soviéticos durante o entreguerra;
- “Esquece” o quanto Hitler aprendeu com Lenin e Stalin a estratégia da violência (confirmado nos próprios escritos políticos do ditador austríaco). Parece ter uma noção inconsciente disso, por sumir com menções a Treblinka ou Auschwitz, além de outros campos de concentração posteriormente usados pela própria Alemanha Oriental. “P leitor deve ser poupado de qualquer coisa que possa conduzi-lo à equação bastante aceita dos sistemas totalitários semelhantes”.
- Não traz nenhuma menção a Beria (vide sua história violenta e sua majestosa e cinematográfica queda em Ascensão e Queda do Comunismo, de Archie Brown), à polícia secreta NKVD (e o medo que ela provoca em Sussurros, de Orlando Figes), nenhuma análise do trabalho escravo nem da grande fome projetada na Ucrânia para roubar e matar camponeses infelizes. A única vítima do gulag a se rnomeada é Nikolai Vavilov. Sobre  Alexander Solzhenitsyn, autor de Arquipélago Gulag, considerado por qualquer um de seus leitores como o mais importante livro de não-ficção do século, Hobsbawm diz com um desdém particularmente hediondo que sua carreira de escritor foi “firmada pelo sistema” (Solzhenitsyn recusou-se a receber o Prêmio Nobel em Estocolmo por saber que não conseguiria voltar à União Soviética e criticar o sistema de dentro, e só emigrou para os EUA quando percebeu que, apesar da fama internacional, iria ser assassinado a qualquer momento).
- Defende Stalin, até mesmo seu Pacto com Hitler, que marcou “a recusa da URSS em continuar opondo-se a Hitler” (sic). A invasão dos países bálticos é apresentada por Hobsbawm sob o típico desdém marxista por pequenas nações. A Finlândia também sofreria com a URSS alguns meses depois.
- Também afirma que Stalin “modernizou” a Rússia (sem  citar quanto trabalho escravo foi necessário para a construção de obras como o Canal do Mar Branco, cantado em canções e poesias como um canal de concreto sobre o cemitério dos que morreram de inanição, frio e trabalho até a morte na sua construção, ou mesmo construindo as próprias cidades do gulagcomo Kolyma ou Norilsk. Mesmo um escritor stalinista ortodoxo como Alexandr Tvadorvsky, que reiteradamente renunciou à família em nome do Partido, quando o próprio irmão morreu sem se saber exatamente onde na construção do canal (elogiado por Gorki em um livro escrito às pressas), lamentou com peso na consciência:
O que é você, irmão?
Como está você, irmão?
Onde está você, irmão?
Em qual Belomorkanal?
(Irmãos, 1933)
Enquanto intelectuais abastados como Hobsbawm rendiam loas à União Soviética stalinista, havia canções rimadas (chastushki) em que os russos falavam sobre o trabalho escravo soviético:
O Plano Quinquenal, o Plano Quinquenal
O Plano Quinquenal em dez.
Não vou para a kholkhoz;
Na kholkhoz não há pão!
(kholkhoz eram as fazendas coletivas, modelo de socialismo mundial até hoje, que obrigaram a União Soviética a viver com 4 kg de salsichas e 2 pedaços de sabão por mês – para funcionários do Partido)
Eric Hobsbawm, como exemplo da maravilhosa explicação de Alain Besançon sobre a memória lembrar do nazismo, mas esquecer completamente as atrocidades do comunismo, acreditava que, sob Mao Zedong, “o povo chinês ia bem”, já que havia mais matrículas na escola. Como demonstra bem Pryce-Jones, o pensamento de Hobsbawm é o de que “a desumanidade nunca é desumana quando serve ao comunismo, mesmo que a realidade o estivesse destruindo”.
Mas seu grande momento se deu em 1994 (relatado pelo historiador Robert Conquest), quando  Michael Ignatieff – então jornalista político, mas depois presidente do Partido Liberal do Canadã – entrevistou Hobsbawm para a BBC:
Segundo o historiador, o Grande Terror de Stalin [mais de 20 milhões de mortos apenas na principal de três ondas, fora outros milhões de mortes fora dos Expurgos] teria valido a pena caso tivesse resultado na revolução mundial. Ignatieff replicou essa afirmação com a seguinte pergunta: “Então a morte de 15, 20 milhões de pessoas estaria justificada caso fizesse nascer o amanhã radiante?” Hobsbawm respondeu com uma só palavra: “Sim”.

Essa é a pessoa que dominou a visão histórica a partir da segunda metade do século passado. É o “pensador crítico” dos últimos tempos. Uma análise do expansionismo alemão desde Bismark até o Terceiro Reich lendo-se apenas historiadores neonazistas seria considerada pura falsificação e eombromação falseadora. Ainda hoje lemos sobre “A era dos extremos”, “dos Impérios” e “do Capital” apenas pela visão de um stalinista, que perdeu a coragem de dizer o quanto defende um totalitarismo quando precisa usar mais do que três letras.

domingo, 15 de fevereiro de 2015

A ave e o ovo ESCRITO POR OLAVO DE CARVALHO | 15 FEVEREIRO 2015

 A filosofia, enfim, só aparece quando cumpridas determinadas condições culturais, tanto na sociedade em geral quanto na mente do filósofo individual.

Volta e meia reaparece, em jornais e blogs, a idéia de “ensinar filosofia às crianças”. Não é coincidência que isso aconteça justamente num país sem filósofos em número suficiente para preencher uma página da lista telefônica e com crianças em quantidade bastante para lotar várias nações da Europa.  A proposta baseia-se na radical incompreensão do que seja filosofia e na ânsia desmedida de tirar proveito da mais dócil, indefesa e numerosa massa de manobra que um demagogo poderia desejar. 
O argumento-padrão é que meninos e meninas raciocinam sobre “problemas filosóficos” desde a mais tenra infância, perguntando, por exemplo, se o mundo é real ou apenas um sonho, se as coisas cessam de existir quando fechamos os olhos, se existe apenas um universo ou vários, o que nos acontece depois que morremos ou onde elas próprias estavam antes de haver nascido.
Eu mesmo, rotulando-me ironicamente “filósofo mirim”, registrei algumas peripécias cognitivas em que me envolvi aos cinco ou seis anos de idade (http://www.olavodecarvalho.org/blog/), mostrando que dali se originaram certas questões das quais vim a tratar mais tarde nos meus livros e cursos.
Evidentemente não fui o primeiro a relatar acontecimentos desse tipo. Ocorrem-me, no momento, a Histoire de Mes Pensées de Alain, o Éssai d’Autobiographie Spirituelle de Nicolai Berdiaeff e a Anamnesis de Eric Voegelin. Nem menciono, por óbvias demais, as Confissões de Sto. Agostinho e de Rousseau.
Mas em todos esses exemplos, seja encontrados na vida real ou na literatura, uma obviedade deveria ter logo saltado à vista do observador sensato. Se essas perguntas ocorrem às crianças espontaneamente e sem qualquer estímulo cultural patente, elas são simplesmente naturais e universais. Expressam a curiosidade humana na sua forma mais direta e primitiva, tal como aparece em todas as épocas, lugares e culturas. Sem essa curiosidade, certamente, a filosofia não existiria. No entanto, se ela bastasse, já não digo para constituir uma filosofia, mas para deslanchar o processo da especulação filosófica como atividade culta, esta seria também natural e universal em vez de ter surgido historicamente numa data bem tardia, num local bem determinado e numa moldura demográfica das mais modestas.  Muito menos teria essa atividade levado um milênio para se expandir para o Oriente Médio, e dois para o restante do planeta.
Deve, portanto, existir uma diferença profunda e insanável entre a filosofia e as interrogações espontâneas que ocorrem a adultos e crianças em toda parte, simulando “questões filosóficas”. Essa diferença é a seguinte: a filosofia, quando surge na Grécia e tal como se desenvolve até hoje, não consiste em simplesmente pensar sobre essas questões, mas em refletir metodicamente sobre o conjunto das respostas existentes, surgidas da especulação espontânea, das tradições e mitos religiosos, das obras literárias ou de qualquer outra fonte publicamente conhecida. Foi por isso que Julián Marías disse que a fórmula esquemática de toda e qualquer afirmação filosófica não é simplesmente “A é C”, mas “A não é B e sim C”, e Benedetto Croce ensinou que para compreender uma filosofia é preciso saber a quê ela se opõe.
Para que o filósofo reflita sobre as respostas correntes, é preciso que elas existam e que ele as conheça. Três requisitos são necessários para que essas condições se cumpram: (1) é preciso que as crenças básicas da comunidade tenham evoluído até poder expressar-se em fórmulas verbais estáveis, conhecidas por toda a população adulta; (b) é preciso que essas fórmulas tenham se tornado problemáticas, entrando em choque umas com as outras ou com a realidade da experiência, para que possa surgir a simples idéia de fazer delas o objeto de uma reflexão organizada; (3) é preciso que o filósofo as tenha estudado bem, isto é, domine em máxima medida possível a cultura do seu tempo e da sua sociedade, de modo a poder introduzir na discussão um upgrade diferencial e decisivo: a análise filosófica.
Aristóteles, é claro, diria que a diferença específica entre a filosofia e as especulações espontâneas de crianças e adultos não está na matéria ou assunto de que tratam, mas na forma da análise filosófica, que se distingue daquelas mais ou menos no mesmo sentido em que a ciência da zoologia se distingue de uma visita ao jardim zoológico. Aliás foi o próprio Aristóteles quem criou o primeiro jardim zoológico, e com certeza não confundia a curiosidade dos  visitantes com as investigações zoológicas que ele e seus estudantes empreendiam com base no mesmo material ali observado.
A filosofia, enfim, só aparece quando cumpridas determinadas condições culturais, tanto na sociedade em geral quanto na mente do filósofo individual. A primeira tem de estar madura para aceitar uma discussão sobre suas crenças mais queridas, a segunda tem de haver adquirido conhecimentos suficientes para que sua voz reflita a das correntes culturais existentes e não somente suas impressões pessoais isoladas.
Por isso foi que Hegel afirmou: “A ave de Minerva só levanta vôo ao entardecer.”
Pessoas com uma cultura filosófica e histórica deficiente ou nula podem-se deixar confundir pela semelhança material entre a pergunta de uma criança e a questão filosófica formulada por um pensador maduro, mas a diferença entre elas é grande ao ponto de que a primeira diz algo por si mesma, podendo reaparecer idêntica em milhares de cérebros infantis (ou mesmo adultos), ao passo que a segunda nada significa fora da “ordem das razões”, o lugar preciso que ocupa no esquema total do pensamento daquele filósofo em particular.
Nesse sentido, todo estudante de filosofia tem a obrigação de saber que não existem propriamente “questões filosóficas”, mas questões que, sob certas circunstâncias muito complexas, emergem do terreno geral da curiosidade humana e, graças a um tratamento muito especial que recebem, se tornam questões filosóficas.
Por isso mesmo eu disse não ser coincidência que a idéia besta da “filosofia para crianças”, malgrado toda a óbvia dificuldade prática de realizá-la (v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/granel.htm e http://www.olavodecarvalho.org/semana/rhabito.htm), ressurja de novo e de novo, como uma obsessão incurável, num país que tem pouquíssimos filósofos, mesmo ruins, e onde os bons se contam nos dedos das mãos. A proposta invariavelmente vem de pessoas cujas realizações no campo da filosofia são inexistentes, cujos conhecimentos filosóficos não chegam ao nível dos de um estudante secundarista na França ou nos EUA e cuja cultura geral não permite sequer participar utilmente de discussões jornalísticas, quanto mais filosóficas. Jogam um ovo para o ar e acreditam